Bibi vive Amália
(texto de 4/10/2004)
Amália assistiu Bibi interpretando Piaf e teria comentado com o jovem amigo Thiago Torres da Silva que gostaria de ser retratada, no teatro, por Bibi. Anos depois, Thiago foi o diretor de Bibi vive Amália. A estréia foi no Ribalta, Rio, e em junho de 2001 ela fez (pra variar) uma temporada relâmpago do espetáculo em São Paulo, inaugurando o Teatro Santo Agostinho. Tive a inesperadíssima sorte de conseguir convites para a estréia. Por ser uma noite apenas para convidados, logo na entrada se viam pessoas como Lolita Rodrigues e Marcos Caruso. (atualização, em abril de 2020: já deveria ter dito isso, na época, mas quem me forneceu esses convites foi a saudosa Lulu Librandi, que não podendo comparecer por alguma razão, passou-os para mim)
O impressionante desse espetáculo foi perceber como a voz de Bibi se conserva perfeita, apesar de seus então 79 anos. As músicas de Amália são dificílimas, exigem tudo do intérprete e Bibi pairou sobre o set list. Ao contrário de muitos novos talentos, que primam pela arrogância e pela prepotência, Bibi é uma aluna aplicadíssima, e assim como foi beber na fonte de Maria Lúcia Godoy e Paulo Fortes, quando preparava a parte lírica do primeiro Bibi in Concert, seu trabalho em cima das músicas e da voz de Amália não foi menor. Seu coach, neste caso, foi o compositor e violonista português Carlos Gonçalves, que acompanhou Amália durante 20 anos e participou do espetáculo de Bibi.
Um momento memorável foi a música "Coimbra", clássico na voz de Amália que Bibi cantou com o intuito de fazer a platéia acompanhá-la. Depois de alguma timidez, o coro começou a ser ouvido e o resultado foi lindo. No fim da música, em meio às luzes que voltaram a se acender e a ruidosa ovação do público, uma senhora estava aos pés do proscênio, aplaudindo e chorando. A princípio foi curioso ver o ponto de emoção a que foi levada a tal senhora ao ouvir "Coimbra" cantada lindamente por Bibi e o público. Mas de curioso passou a engraçadíssimo quando a platéia percebeu que a senhora que chorava e gritava "vivas" à Bibi não era ninguém menos do que Irene Ravache, que não conseguira se conter diante da maravilha do momento. Bibi não saiu do personagem. Contrita e seríissima, apenas agradeceu e fez sinal para que começasse a música seguinte.
Outro momento bonito foi o início da música brasileira "Lua Luar" (de Mestre Lucindo, creio), que Amália incorporou a seu repertório. Escuridão total e de repente se ouvem palmas. Era uma gravação. Arrefecidas as palmas, surge a voz de Amália dizendo "Lua luar!" Os músicos brasileiros então começaram a tocar a música - algo próximo a um baião - as luzes se acenderam e Bibi cantou a canção. O efeito foi extraordinário. Amália estava ali, viva, cantando mais uma vez no Brasil, onde gostava tanto de se apresentar.
No fim dei um pulo no camarim, mas não sem antes fazer fila atrás de grandes artistas como Fúlvio Stefanini, Abelardo Figueiredo e Irene Ravache, que parecia recomposta depois de tanta emoção. Conversei Chico Martins (que nos deixou dois anos depois), tão querido e tão gentil, sobre Chá, Rosquinhas e Rococó, que eu assistira com ele anos antes. Fúlvio, que trabalhou várias vezes com Bibi, aproveitou para contar-lhe que chegou a contracenar com Amália em uma novela da Record produzida na década de 70.
Foi um belíssimo espetáculo. Na época chegou a ser aventada a possibilidade dele virar DVD. (atualização em 2010: recentemente fui informado de que esse material se encontra com a Biscoito Fino. Ao que parece, seria necessário que o espetáculo voltasse ao cartaz para uma nova temporada, criando, então, o ensejo para o lançamento em DVD. É óbvio que em qualquer país decente esse DVD já teria sido lançado e distribuído até em bancas de jornal. Mas aqui temos que esperar. E rezar)
Estas são as músicas cantadas por Bibi (pinçadas em seu site oficial): "Abertura", "Variações em mi", "Fadinho serrano", "Lavava no rio lavava", "Quando eu era pequenina", "Ai mouraria", "Perseguição", "Lisboa antiga", "Lágrima", "Estranha forma de vida", "Povo que lavas no rio", "Tiro liro liro", "Nem às paredes confesso", "Coimbra", "Vou dar de beber à dor", "Fado Amália", "Ay, mourrir pour toi", "Lua luar", "Saudade de Itapoã", "Canzone per te", "Trepa no coqueiro", "Porompompero", "Casa portuguesa", "Tudo isto é fado", "Foi Deus".
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Bibi in Concert III
(texto de 29/1/2006)
É impossível escrever sobre o espetáculo sem cair nos lugares-comuns de admiração e deslumbramento que têm sido habituais em todas as análises a respeito desta terceira edição do Bibi in Concert.
Bibi começou com o pout-pourri de músicas brasileiras. Algumas já conhecidas de outros "Bibis in Concert", como "Ninguém me ama", de Antônio Maria e "Demais", de Jobim e Aloysio de Oliveira, que Bibi termina de maneira inspiradíssima, incluindo a última estrofe de "Boa Noite, Amor", de José Maria de Abreu e Francisco Mattoso. Outras "inéditas", como "Por causa de você", de Jobim e Dolores Duran.
O primeiro momento de emoção para mim foi a rendição de "Águas de Março", já com o quarteto, que termina com o brado "Antônio Carlos Jobim!", em lindíssima homenagem de Bibi ao maestro soberano. O quarteto, aliás, foi uma surpresa agradável. Quando soube que Bibi cantava em alguns momentos com um grupo de jovens, não gostei da idéia, pois nunca sequer imaginei a necessidade de alguém coadjuvar Bibi em seus shows. Muito menos um grupo de garotos de carreira incipiente. Mas a participação deles é correta e em alguns casos, excelente.
Um exemplo disso é "Bella figlia dell'amore", o quarteto vocal da ópera Rigoletto, que chega a arrepiar. Bibi começou arrancando gargalhadas quando se postou ao lado dos quatro rapazes e disse que aquele era "o maior quarteto do mundo". Depois veio a ressalva de que se o número já é difícil de cantar, mais difícil ainda é ouvir, mas o som estava ótimo, bem equalizado, e aquilo que soou como uma barulheira generalizada, com aquele som de rádio de pilha que têm os números musicais no programa do Jô, veio lisa e escorreita aos ouvidos de quem esteve no Teatro do Frei Caneca. Uma beleza mesmo.
"Mulher Rendeira" perde a versão em tango (já que o célebre gênero argentino recebe um bloco inteiro, no fim do espetáculo) e ganha uma versão cubana, em salsa. O já celebérrimo entre nós "Monólogo das Mãos" também é um ponto inevitavelmente alto e é sobejamente aplaudido. "Gota D'água" também está maravilhosa.
Ao invés de simplesmente cantar a canção-tema do espetáculo homônimo de Chico Buarque e Paulo Pontes (e direção do recentemente falecido mestre Gianni Ratto), Bibi preferiu misturar a música com o diálogo violento que Joana trava com as vizinhas, no primeiro ato da peça. Resultado perfeito.
Paulo Pontes - casado com Bibi na época de Gota D'água e falecido prematuramente, pouco depois - recebe uma singela homenagem, quando Bibi conversa com Nilson Raman sobre um determinado marido comunista. Nilson não chega a atrapalhar, mas já demonstrou sua canastrice e sua ausência de talento para o canto em Amália, Piaf e não vejo qualquer necessidade em sua presença no palco. O diálogo de Bibi e Nilson poderia tranqüilamente ser transformado em uma conversa direta de Bibi com o público, e acredito inclusive que o resultado seria melhor.
Não obstante, o espetáculo é maravilhoso. Daqueles em que contamos os minutos e rezamos para que não termine. Bibi está linda. É impressionante. Lembro-me perfeitamente dela no primeiro Bibi in Concert, que vi no Cultura Artística, e só consigo pensar o quanto ela está melhor fisicamente, hoje. Leveza, elegância, domínio do palco, da platéia, das reações, da voz, de tudo.
Minha satisfação veio no fim, quando Bibi foi ao microfone e agradeceu ao público, que segundo ela, participara como nunca, naquela noite. O que responder a isso? NÓS é que agradecemos a ela.
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Agradecimento especial à Ângela Glavam, webmaster do site oficial de Bibi Ferreira, de onde vieram 90% das imagens utilizadas neste post.
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
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Texto primoroso, como sempre, Bernardo. Foi um prazer poder contribuir com as ilustrações.
ResponderExcluirGrande abraço.