quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Escola de Maridos - Grandes Espetáculos IV


Walter Breda
Meus caros,
a primeira vez que vi Walter Breda no teatro foi em Cyrano de Bergerac, com Fagundes. Breda era amigo e colega de Fagundes e do diretor da peça, Flávio Rangel. Sua performance do bêbado Ligniére foi competente, mas o papel era pequeno e não me deixou maiores lembranças.

Cyrano, como já deixei registrado, foi um daqueles momentos teatrais em que absolutamente tudo dá certo. Coisa semelhante ocorreu com Solidão, a Comédia, de Vicente Pereira, com Diogo Vilela. Breda teria um momento assim para ele, também. Dentro daquilo que eu pude assistir, já que infelizmente não acompanhei sua carreira nas décadas de 70 e 80, isso ocorreu com a montagem de Escola de Maridos, no SESI. O Teatro Popular do SESI havia anos se caracterizava por ser um espaço que trazia espetáculos gratuitos e de qualidade para o povo. Todos com a supervisão do velho Osmar Rodrigues Cruz, incansável operário teatral.

Em 1992, o operoso e inteligente diretor artístico do SESI, Chico Medeiros, chamou o amigo José Rubens Siqueira para dirigir a próxima peça. É difícil definir Zé Rubens. "Gênio" tavez seja exagero, mas como se chama um homem que é brilhante seja escrevendo, dirigindo, desenhando cenários e figurinos ou traduzindo peças do inglês elizabetano, do francês de Molière ou do italiano de Goldoni? Um "gênio da simplicidade" talvez. A questão é apenas de que Zé Rubens é um talento maior e polivalente.

José Rubens Siqueira
O espetáculo escolhido por Zé foi Escola de Maridos, de Molière. Como as traduções de Molière no Brasil são raras e rebuscadas, Zé fez sua própria tradução. Por diversas razões (inspirado nessa encenação, montei a peça com o grupo de minha faculdade em 1994), conheço bem esse trabalho e só o que posso dizer é que se trata, de longe, da melhor tradução de uma peça de Molière, no Brasil. O cenário do espetáculo (simples, fundo preto e 4 ou 5 objetos-chave, em cena) foi tão bem bolado que fez a mágica teatral aflorar espontaneamente no público, que mesmo com tão pouco, conseguiu ter a perfeita ilusão de uma cidade parisiense.
 
Os figurinos eram de época, mas desenhados para que não se perdesse a agilidade necessária para o bom andamento das cenas. Cenários e figurinos de Zé Rubens. O elenco era de atores e atrizes (até então) exclusivamente de teatro. Sganarelo, o protagonista, era feito por Breda. Seu irmão mais velho, Aristo, era Zecarlos Machado. Isabel e Leonor, as irmãs cujo falecido pai entregara a Sganarelo e Aristo sua tutela, eram interpretadas corretamente por Gabriela Rabelo e Jandira de Souza. Genésio de Barros deu vida ao galã Valério, cujo lacaio, Ergasto, foi feito por Ednaldo Freire. A aia de Leonor, Lisete, era interpretada por Débora Olivieri. Marcelo Andrade e Armando Filho emprestaram brilho e comicidade aos pequenos papéis de Delegado e Escrivão. Rosaly Grobman fez o Tocheiro que entra em cena apenas para ler um decreto, cena que na verdade não existe na peça e foi escrita por Zé Rubens para facilitar a cena que vinha a seguir, em que Sganarelo elogiava um decreto do Rei. A peça estreou em abril de 1992.


Além da cena do Tocheiro - que recebia um aplauso em cena aberta todas as noites, graças à maneira com que o texto era dito pela impagável Rosa Grobman - Zé Rubens adicionou um prólogo à peça. O que pareceria uma pretensão deplorável de qualquer diretor, ou seja, adicionar texto a uma peça do maior escritor francês de todos os tempos, e poderia levar a peça ao desastre, funcionou magnificamente nas mãos de Zé. O elenco fazia um sketch de uns 5 ou 10 minutos falando de Molière e da comedia dellarte, de modo a educar um pouco o público que estava prestes a assistir pela primeira vez uma comédia clássica escrita em versos rimados.

E o espetáculo por fim começava. Breda estava fantástico. Tudo o que aprendera em sua carreira, com o teatro ou com Ronald Golias, ele teve a oportunidade de usar, nessa peça. Seu Sganarelo era um palhaço, um velho ridículo, engraçadíssimo, cheio de trejeitos amalucados e hilários. Sua voz impressionava. Impostação perfeita, de quem aprendeu a usar a voz para a interpretação e para o canto. Breda parecia um gato, em sua movimentação pelo palco. Corria, esperneava, gritava e fazia rir com uma leveza impressionante. Voava em cena. No sábado havia duas sessões, e ele alternava papéis com Zecarlos Machado na primeira. E enquanto o Sganarelo de Breda era o malvado que não intimida ninguém por ser tão idiota, o Sganarelo de Zecarlos era mais sombrio. Igualmente hilário, mas um pouco mais atrabiliário, ranheta, voltado à vilania do personagem, e menos à sua idiotice. Dois trabalhos diferentes, mas idênticos na competência e no talento.

Só posso imaginar como não terá sido gratificante participar dessa montagem. O gargalheiro era generalizado. Não havia piada, por menor que fosse, ou uma passagem do texto um pouco mais complicada, que não recebesse calorosa acolhida por parte do público. Mas aí chegamos a uma constatação muito simples: boa peça, boa tradução, bom diretor, bom elenco... não havia como falhar.  
Zécarlos Machado

Assisti esse espetáculo ONZE VEZES, até acabar a temporada, no fim de 93. Em várias dessas ocasiões, enquanto o público gargalhava e aplaudia o elenco, no fim, eu secava as minhas lágrimas de emoção. Era ridículo. Todos riam e eu chorava. Mas eu não podia evitar. Demonstrações superlativas de talento sempre me emocionaram. Anos depois, trocando impressões sobre essa peça com uma amiga, ela me disse que a mesma coisa acontecia com ela. Esse espetáculo, ou melhor dizendo, Walter Breda e Zecarlos Machado, são culpados por eu ter começado a fazer teatro. Breda, Zecarlos, Zé Rubens, Luis Melo, Paulo Autran, Fagundes, e poucos outros, todos têm sua parcela de culpa. Mas eu agradeço a Deus até hoje por ter assistido uma maravilha como essa.

Um comentário:

  1. EU ASSISTI ESTA UMA ÚNICA VES, VISTO QUE SOU DO INTERIOR PAULISTA , E ME OCORREU A OPORTUNIDADE DE IR COM A CAIXA -ESTANTE DAQUI DO SESI. FUI "CLANDESTINAMENTE"(RSR) MAS EU ESTAVA LÁ. 13/11/1993 NOSSA NUNCA ME ESQUECI DESTE DIA , DESTE ESPETÁCULO MAGNIFICO, NÃO CONSIGO ESQUECER A CENA DO TOCHEIRO, NOSSA COMO RI E TB CHOREI DE EMOÇÃO AO VER ESTA PEÇA. FOI MUITO BOM MESMO, CONSERVO ATÉ HJ O FOLDER E O INGRESSO : POLTRONA B Nº22 SÁBADO - 18H00 . AMEI REVER ISSO. BEIJOS

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