domingo, 30 de dezembro de 2018

Pílulas Janísticas — 10

Compilação de publicações da página da biografia de Jânio Quadros no Facebook

1985


Jânio, Eloá e a vassoura gigante.
Foto de Jair Malavazi (Estadão) (25/03/17)

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JÂNIO E O PASQUIM


Primeira página da entrevista ao Pasquim, em junho de 1977. Foi uma das conversas mais divertidas e sinceras de Jânio em todos os tempos. Ele estava bem-humorado, falador e os entrevistados souberam apertá-lo sem deixá-lo retraído. Quatro ou cinco entrevistas como essa e meu trabalho seria bem mais simples. (28/03/17)

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JÂNIO E CARVALHO PINTO


Em 1961, exercendo a presidência, Jânio vem a São Paulo e visita o governador Carvalho Pinto nos Campos Elíseos. Sobre eles, o quadro do grande Rodrigues Alves, ex-governador, ex-presidente e tio-avô de CP. (12/04/17)

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JÂNIO E ALTINO ARANTES


Em visita aos Campos Elíseos, durante sua presidência, Jânio dá entrevista coletiva e toma um café sob o retrato do velho Altino Arantes (1876/1965), governador do Estado na década de 10.

Sobre Altino, a quem conheceu anos antes, Jânio dizia, referindo-se ao respeito que tinha pelo velho governador, e por sua altura privilegiada: "É homem a quem se cumprimenta na ponta dos pés". (15/04/17)

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MINAS - 1960


Não sei quem é mais teatral, nesta foto da campanha de 1960: Jânio ou o repórter. José Aparecido assiste como se estivesse na platéia de uma das tragédias político-históricas de Shakespeare. (16/04/17)

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DONA GABRIELA



Qualquer brasileiro de cultura mediana já está cansado de saber que Jânio jamais disse "fi-lo porque qui-lo" e muito menos falou em "forças ocultas".

Mas é sempre bom relembrar as pessoas. (19/05/17)

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O "HOMEN" DE DUAS CARAS


"Jânio Quadros jamais seria ninguém na vida se não o fossem buscar nos pantanais do Mato Grosso. Surgiu das cafundas mato-grossenses com o pelo arrepiado, sem ser onça, mas possuidor da malícia dos felinos que ele jamais teria coragem de enfrentar"...

Os panfletos anti-Jânio que surgiram quando começou a se aproximar a eleição de outubro de 1960 - na maioria dos casos pagos pela campanha de Adhemar de Barros - são tão toscos, tão idiotas, tão mal-escritos que chega a ser covardia que fossem utilizados contra Jânio.

"O homen de duas caras" apareceu nessa época, em princípios de 1960. Vem de uma editora do Rio que aparentemente se
especializava em espinafrar pessoas públicas por encomenda.

Nunca ficamos sabendo o porquê da palavra "homem" ter sido grafada com N na capa. Em determinado ponto (página 9) comenta-se apenas que Jânio não encontrará respaldo diante do povo, "nem como 'homem' nem como candidato". Talvez a resposta seja essa; Jânio não mereceria, no ponto de vista do autor, ser considerado sequer um homem com M. A idéia é tão cretina quanto a frase da página 36: "Daí vem a propósito lembrarmos aquela célebre frase de Shakespeare em 'Otelo': SER OU NÃO SER... Jânio Quadros!"... Queira Deus que Jânio não tenha lido isso. Entregar o "Ser ou não ser" a Othello é a única coisa que o indignaria, neste mísero panfleto.

O autor não se identifica mas no fim do livro o leitor é avisado de que já está no prelo o livro negro de Ângela Maria... (05/06/17)

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JÂNIO E TANCREDO




Encontro do governador de São Paulo com Tancredo, em 56 ou 58, quando o mineiro ocupava um cargo no Banco do Brasil, por indicação de JK. (FGV) (24/08/17)

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56 ANOS DE RENÚNCIA


Curioso que Jânio tenha renunciado há 56 anos, porque segundo Carlos Zigon, autor de um tijolo estrambótico de 250 páginas que não chega a absolutamente nenhuma conclusão, "Jânio Quadros não renunciou!"

Lançado em 1990, traz na mensagem final uma propaganda da monarquia, com vistas no plebiscito que viria pouco depois: "Este livro foi elaborado com a melhor intenção de divulgar a experiência nacional, possibilitando aos moços e à posteridade um futuro de paz, progresso e constante bem-estar. Oxalá se constitua numa pálida mensagem à Restauração do Parlamentarismo, sob uma única dinastia vitalícia, a exemplo do glorioso Reinado de S. M. D. Pedro II!" (25/08/17)

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JÂNIO POR TRIMANO (1968)


Interessante caricatura de Jânio feita pelo artista argentino radicado no Brasil, Luis Trimano, para a Veja de 1968. (23/09/17)

Fonte: http://trimano.blogspot.com/2014/02/trimano-caricatura-na-imprensa-janio.html

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MONIZ BANDEIRA (1935/2017)


Moniz Bandeira morreu, aos 81 anos. Era polivalente: formado em Direito, doutor em Ciência Política pela USP e professor de História da Política Exterior do Brasil, na UnB. Doutor Honoris Causa pela UniBrasil, do Paraná, bem como pela UFB. Em 2006, a UBE elegeu-o, por aclamação, Intelectual do Ano de 2005, conferindo-lhe o Troféu Juca Pato, por sua obra "Formação do Império Americano (Da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque)".

Em de 1960, com 24 anos, Moniz era redator político do Diário de Notícias e assessor político do deputado Sérgio Magalhães, do PTB. O jornal pediu que ele acompanhasse a comitiva de Jânio na viagem à Cuba e ele teve uma visão privilegiada, em primeira mão, de toda a presidência de Jânio. Seus dois livros sobre a renúncia vêm repassados de suas opiniões pessoais, muito particulares, são muito esclarecedores, pois foram escritos no calor do momento. É rico seu depoimento ao site Sul21.

Viajei com Jânio Quadros seis meses, durante todo o primeiro semestre de 1960. Durante a viagem, escutei diversas vezes Jânio Quadros declarar que processaria o Congresso perante o povo, promoveria sua responsabilidade, caso ele não lhe desse as leis que pedia, culpando-o pela situação do país, por não lhe dar os instrumentos necessários para governar. Jânio Quadros manifestava o inconformismo de ter de governar dentro dos marcos constitucionais. Repetia que não poderia governar “com aquele Congresso”. A Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, o presidente Jânio Quadros disse que, “com aquele Congresso”, dominado pelos conservadores, não poderia avançar para a esquerda, tomar iniciativas para reformar as instituições e promover a transformação da estrutura econômica e social do país: limitação das remessas de lucros para o exterior, lei antitruste e reforma agrária. Precisava, portanto, de poderes extraordinários. Seduzido, Brizola comentou com o ex-presidente Juscelino Kubitschek o objetivo de Jânio Quadros e sua disposição de apoiá-lo. Porém, com Carlos Lacerda, a conversa era diferente, embora a conclusão fosse a mesma. “Com aquele Congresso”, dentro do regime democrático, não poderia governar, sem fazer “concessões às esquerdas e apelar para elas”. Necessitava, em consequência, de poderes extraordinários.

Com formação acadêmica, pois era formado em Direito, em Ciências Sociais e Jurídicas, e conhecimento de História, pude interpretar as manifestações que ele fazia e deduzir que sua pretensão era jogar a opinião pública contra o Legislativo e, provavelmente, dar um golpe de Estado, suspeita essa que começara a tomar corpo, desde maio de 1961, na Câmara dos Deputados. Para mim, desde a campanha eleitoral, estava claro de que a política exterior de Jânio Quadros tinha, em larga medida, caráter de propaganda política, para manter a esquerda na expectativa e conquistar-lhe a simpatia. E, como chefe da seção política do Diário de Notícias, possuía inúmeras informações sobre preparativos de um golpe de Estado, adensadas por várias iniciativas que Jânio Quadros estava a tomar na área militar. Porém, que golpe? A deflagração da crise, portanto, não me surpreendeu.


Em agosto de 1961, fui à Bolívia fazer uma pesquisa sobre a execução dos acordos de Roboré, para a exploração em Camiri, por empresas brasileiras. De Santa Cruz de la Sierra, que me pareceu uma cidade do far-west dos Estados Unidos, na segunda metade do século XIX, com cadáveres nas ruas, após tiroteio entre forças do governo e do senador Sandoval Morón, fui a Camiri assistir ao trabalho de exploração do petróleo, e depois viajei para Cochabamba e La Paz.

Em La Paz, estava hospedado na residência do embaixador do Brasil, Mario Antônio de Pimentel Brandão, quando ele me mostrou telegramas do Itamaraty sobre o agravamento da crise política. Decidi regressar imediatamente ao Brasil. No dia 25 de agosto, tomei o avião para Santa Cruz de la Sierra, onde embarquei para o Brasil, em aparelho da companhia Cruzeiro do Sul. E, ao chegar a São Paulo, por volta das 14h, escutei a notícia de que Jânio Quadros renunciara à presidência da República, pois Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara, havia denunciado pela televisão que ele estava a articular um golpe contra as instituições, a fim de adquirir poderes especiais, por meio do ministro da Justiça, Oscar Pedroso d’Horta. Com as informações que possuía, foi-me fácil concluir que Lacerda havia lancetado o tumor. Viajei então para o Rio de Janeiro e João Dantas, o proprietário do Diário de Notícias, mandou que fosse imediatamente para Brasília acompanhar a evolução da crise.

Acompanhei os acontecimentos, de dentro da Câmara dos Deputados, pois o deputado Sérgio Magalhães, meu amigo pessoal e em cujo apartamento eu sempre me hospedava, assumira a presidência do Congresso, quando o deputado Ranieri Mazzilli foi investido na presidência da República.Tinha tantas informações, de bastidores e cujas fontes (muitas das quais militares) não podia revelar. Assim, dois meses após a renúncia, em novembro, publiquei o livro O 24 de Agosto de Jânio Quadros, no qual deslindei o enigma, ao mostrar que ele renunciou à presidência da República esperando voltar ao governo com o apoio das multidões. O respeitável jornalista Carlos Castelo Branco, seu secretário de imprensa, ouviu-o dizer a Francisco Castro Neves, ministro do Trabalho: “Não farei nada por voltar, mas considero minha volta inevitável. Dentro de três meses, se tanto, estará na rua, espontaneamente, o clamor pela reimplantação do nosso governo”.


Marx comentou, no prefácio ao 18 Brumário de Luiz Bonaparte, que a história se repete, uma vez como tragédia, e a outra, como farsa. A renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, foi a farsa com que ele tentou repetir, excluindo evidentemente o tiro no coração, a comoção popular que a tragédia do suicídio de Vargas, no dia 24 de agosto de 1954, provocou. Até uma carta ele escreveu, dizendo: “Fui vencido pela reação e assim deixo o governo. Nestes sete meses cumpri o meu dever. Tenho-o cumprido dia e noite, trabalhando infatigavelmente, sem prevenções, nem rancores. Mas baldaram-se os meus esforços para conduzir esta nação, que pelo caminho de sua verdadeira libertação política e econômica, a única que possibilitaria o progresso efetivo e a justiça social, a que tem direito o seu generoso povo. Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou de indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a desculpa de colaboração”. Até o estilo da carta-testamento de Vargas ele tratou de imitar. Depois da renúncia, ao embarcar para a Europa, declarou: “Enxotaram-me. Mas voltarei como Getúlio”.

Quadros imaginou que podia compelir o Congresso a outorgar-lhe o poder legislativo e entrar em recesso permanente, diante da mobilização popular em seu favor (que não houve) e do impasse político e constitucional que se criaria com o veto previsível dos ministros militares à investidura no cargo do vice-presidente João Goulart. Ele pretendia constituir-se como alternativa para a junta militar por ele próprio sugerida aos ministros militares. Porém, muitos acreditaram que Quadros fora deposto pelos militares por causa de sua política exterior, em defesa da autodeterminação de Cuba. Porém, dois meses depois da renúncia, em novembro, revelei o que acontecera, ao publicar O 24 de agosto de Jânio Quadros, prefaciado pelo deputado Sérgio Magalhães, do Grupo Compacto do PTB. (11/11/17)

Fonte: https://www.sul21.com.br/postsrascunho/2011/06/moniz-bandeira-janio-tentou-repetir-a-comocao-popular-ocorrida-com-o-suicidio-de-vargas/

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1955


Licenciado do governo de São Paulo para ajudar Juarez Távora em sua campanha presidencial. (23/05/18)

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1985


Nesta espinhosa eleição presidencial, em que temos um elenco tão lamentável de postulantes ao cargo onde já estiveram Rodrigues Alves, Washington Luís, JK e Jânio, vamos recordar este panfleto da campanha de 1985, provavelmente elaborado por João Mellão Netto e a equipe da Juventude Janista. (20/09/18)

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ELEIÇÃO PRESIDENCIAL


Capa da Manchete, de 8 de outubro de 1960. A escolha dos brasileiros era entre Jânio - o popular, Lott - o militar, e Adhemar - o "rouba mas faz".

Repilo comparações entre Jânio e Bolsonaro ou qualquer outro. Jânio tinha disputado cinco eleições e vencido TODAS. Era experiente. Era um campeão de votos. Tinha uma longa lista de serviços prestados a São Paulo. Não era o tal "salvador da pátria" que aparece do nada e galvaniza as atenções por mero populismo. Jânio podia até ser populista e desprezar partidos, mas vinha de treze anos de trabalho incansável. Era vinho de outra pipa, como todos os outros.

Como pudemos decair tanto? (03/10/18)

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CARETA (1960)


Edição de 20 de agosto de 1960, portanto cerca de um mês e pouco antes da eleição presidencial.

A publicação não fazia qualquer segredo de sua pronunciada inclinação janista, ou do favoritismo de Jânio, e Théo, o mestre caricaturista responsável pela parte artística da revista, preparou uma capa que mostrava Jânio como Guliver em campanha entre seus adversários liliputianos, Adhemar e Lott, e o candidato a vice na chapa de Lott, João Goulart.

A comparação pode ser analisada. Em termos de experiência administrativa, Jânio e Adhemar eram equivalentes e experimentados em cargos legislativos e executivos. Valeria o gigantismo moral de Jânio em relação a Adhemar. No caso de Lott era uma questão de experiência, mesmo. O general era figura ínclita mas sem qualquer traquejo político ou administrativo.

E quanto a Jango, seu problema era o mesmo dos outros dois: eram vistos como entulho getulista que precisava ser varrido.

Jânio varreu Adhemar temporariamente. Lott foi de vez. E Jango não só não foi varrido como foi eleito vice - dentro da lei arcaica que permitia uma chapa presidencial desvinculada - e assomou à presidência sete meses depois.

Como comparar essa extraordinária campanha com o show de horrores que estamos presenciando hoje? (07/10/18)

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LOTT E JÂNIO


Curioso que na campanha de 60 o candidato militar - Lott - era apoiado por Prestes e os comunistas, e mesmo que os militares já tivessem dado o golpe em 24, 30, 37, 45 e 55, era Jânio - um campeão de votos, invicto de eleições democráticas - que representava a possibilidade de guerra civil.

(Correio da Manhã, 18/07/1960) (10/12/18)

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CARETA - 1958


"Como artista é um espetáculo! Uns acham que ele está vivendo um drama, outros que interpreta uma farsa, uma comédia. Ele entra em cena, porém, como se fosse representar uma tragédia!..."

Os partidos, já pensando na eleição presidencial de 1960, tentam entender o histriônico e popularíssimo governador de São Paulo.

Interessante como o grande desenhista Théo simbolizou cada um: PTB - getulismo sindicalista (real ou fictício), UDN - esquerda engomada e bacharelesca, e PSD - getulismo fisiológico.

Jânio não precisava de nenhum deles. Se elegeria por qualquer partido. No fim acabou cobiçado por todos. (11/12/18)

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NA SAÍDA DA IGREJA


Jânio acabava de ser eleito presidente. Dias depois sua filha única se casou. Na saída da igreja, o público avança sobre o presidente com esperança e otimismo.

O presidente eleito rompe o bloqueio da polícia e abraça um sujeito que se jogou sobre ele por cima de um carro. Ele sorri. Os policiais tentam tirar o sujeito mas também não conseguem sopitar um sorriso de alegria.

Nunca o Brasil foi tão real. E nunca mais será. (30/12/18)

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HISTÓRIA ENTRELAÇADA


O Grupo de Pesquisa em Historiografia da Língua Portuguesa, ligado ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa da PUC-SP e ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Mackenzie lançou, em 2014, o sexto volume da coleção “História Entrelaçada”, tratando de “Língua Portuguesa na década de 1960: Língüística, Gramática e Educação”.

Para tanto, as autoras Neusa Barbosa Bastos e Dieli Vesaro Palma fizeram uma pesquisa abalizada e profunda, e tive o prazer de constatar que a biografia de Jânio foi de grande ajuda às duas professoras. Jânio também teria ficado satisfeito, vendo um trabalho a seu respeito sendo utilizado para compor um estudo sobre a Língua Portuguesa.
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Jânio - Vida e Morte do Homem da Renúncia
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Bernardo Schmidt
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Ver também:
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sábado, 22 de dezembro de 2018

Ειρήνη Παπά, Eiríni Papás, Irene Papas — 3/7


Os 70 anos de «Χαμένοι Άγγελοι», a estréia
de Irene Papas no cinema

Irene, no início da década de 70

Irene, meados da década de 40
Irene Papas, com apenas 21 anos, estava no Conservatório Dramático de Atenas trabalhando em uma montagem de Macbeth dirigida pelo mestre Dimítri Rontíri (1899/1982). Lá foi vista por Alékos Sakellários (1913/1991), uma das maiores inteligências da Grécia e homem dos sete instrumentos: era escritor, jornalista, dramaturgo, roteirista, compositor e mais uma série de outras coisas. Na mesma época ela chegou a participar de um espetáculo musical de Sakellários («Άνθρωποι… Άνθρωποι», parceria com Christos Giannakopoulos). Ele ficou maravilhado com a beleza de Irene, não só no palco mas andando, como qualquer outra pessoa, pela praça Syntagma, em Atenas. Consignou o fato em suas memórias: "Uma linda criatura com um vestido longo e simples, cheio de pregas, movendo-se com majestade, e no entanto, com simplicidade". E fez o paralelo que se repetiria tantas vezes na vida de Irene: "Como uma cariátide", comparando-a às estátuas femininas que sustentam estruturas arquitetônicas da Grécia antiga no lugar de colunas. Mas a admiração não ficou só nisso; Sakellários entrou em contato com o amigo Philoptimis Finos, dono do estúdio de cinema Finos Film, inaugurado pouco antes, e recomendou Irene. O produtor não perdeu tempo e a colocou na mais nova produção do estúdio: o filme «Χαμένοι Άγγελοι», ("Lost Angels", "Anjos Perdidos"), roteiro e direção do então iniciante Nikos Tsiforos (1912/1970), mais tarde renomadíssimo na Grécia.

O filme estreou no dia 22 de dezembro de 1948. Foi um sucesso absolutamente inesperado. Bancado integralmente pelo sogro de Finos, Χαμένοι Άγγελοι liderou as bilheterias gregas e foi a alegria financeira da família. E de quebra ainda nos mostrou pela primeira vez, na exuberância de seus 22 anos, aquela que viria ser a maior atriz grega do século XX: Irene Papas.

A seguir, no terceiro artigo sobre Irene e sua carreira, e celebrando os 70 anos da estréia dessa imensa rainha no cinema, veremos um comentário inédito sobre seus primeiros sete filmes. Existe uma divisão muito clara nesse período inicial. Temos Χαμένοι Άγγελοι em 1948; um hiato até 1951, quando ela faz Νεκρή πολιτεία — ambos para a Finos Film — e a partir daí teremos cinco filmes feitos em seqüência na Itália, sendo que apenas The Man from Cairo é falado em inglês, por ser veículo para George Raft. Vamos a eles.

ΧΑΜΕΝΟΙ ΑΓΓΕΛΟΙ
(Anjos Perdidos, 1948)

Capa do DVD; infelizmente não foi possível
encontrar o poster original
Elli (Smaroula Giouli) vive na pobreza com a mãe doente, Fani (Anna Hristoforidou), e o padrasto, Loukas (Mimis Fotopoulos), um picareta menor que vive entrando e saindo da cadeia. Ele conhece o traficante Hristos Terakis (Hristos Tsaganeas), que precisa de uma pessoa que sirva como mula de suas drogas. O padrasto chama Elli para o trabalho, explicando apenas tratar-se de um serviço de entregas, e acenando com o gordo pagamento que possibilitará a internação da mãe. Terakis gosta da menina e a contrata, com a condição de ela nunca revelar seu trabalho e dizer, sempre que perguntada, que só o que faz é ajudar a faxineira do escritório.

O namorado da moça, Andreas (Nikos Kazis) é um estudante de medicina que à noite ganha dinheiro como crooner de um restaurante de luxo. Uma noite Terakis vai até lá com sua namorada Liana (Irene), pelo menos trinta anos mais nova. Linda, alta, deslumbrante, jovem e sexy. E com o ar de perversa que cai bem a uma mulher dessa idade andando com um velho evidentemente mau caráter. O rapaz e a banda ocasionalmente vão até as mesas onde há casais e cantam músicas românticas. Fazem isso na mesa de Terakis e Liana fica fascinada com o crooner. Ela começa a segui-lo, secretamente e descobre que ele é namorado da menina que começou a trabalhar com Terakis.

As primeiras cenas de Irene no cinema, com Periklis Hristoforidis (Mihalis) e Hristos Tsaganeas (Terakis). O comentário do chapeleiro Mihalis define a atriz desde sua estréia: "Que mulher!"

Aprendendo a usar a câmera: penteado "ninho de
pássaros" e olhar de serial killer
Em uma das ocasiões assiste de longe uma discussão entre Andreas e Elli em que o rapaz insiste em saber de onde vem o dinheiro que paga a internação de Fani e as roupas novas de Elli. Ele desconfia que ela e Terakis tenham uma relação que vai além do amor entre pai e filha. Elli se vê na terrível situação de não poder contar nada, o que aumenta o ciúme e a desconfiança do namorado. Tendo acompanhado a discussão e a irritação de Andreas, Liana se encontra com ele e alimenta a desconfiança do rapaz: diz a ele que Terakis e Elli tem, de fato, um caso, e se Andreas quiser uma prova é só ir até a frente do escritório de Terakis à meia-noite, que é a hora em que Elli sai de lá. Um horário evidentemente suspeito para alguém que se dizia unicamente assistente da faxineira. Dentro do escritório, Terakis e Elli conversam. Ela conta do dilema de não poder falar a verdade para o namorado. Terakis diz que não há lugar para o coração nos negócios e conta sua própria história; era pobre na juventude, se apaixonou por uma mulher e ela engravidou. Mas ela o desprezou por ser pobre e foi embora com um sujeito rico. Terakis então foi para o Egito, onde se inicia sua vida de crime. Perguntado por Elli sobre o destino da mulher e do filho que tiveram, Terakis diz que a moça foi expulsa de sua casa quando a gravidez foi descoberta e o sujeito rico não se casou com ela. Elli então vai embora. Andreas fica horrorizado quando a vê saindo e pegando um táxi. Liana então se insinua mas Andreas a rejeita.

Liana (Irene) tenta agarrar Andreas (Nikos Kazis) mas ele se desvencilha e sai correndo. Sinceramente, é levar o "faz-de-conta" longe demais

Elli: "Você quer me comprar?''
Liana: "É uma questão de perspectiva..."
Liana (Irene) oferece dinheiro a Elli (Samaroula
Giouli): um manancial de caras de malvada 
A tentativa seguinte de Liana é com a própria Elli, a quem visita em sua casinha modesta. Liana lhe oferece dinheiro para deixar Andreas, sob o pretexto de que Elli é uma mulher fraca demais para um homem como ele. Elli fica ultrajada; diz à Liana que antes pensava que ela só vendia amor, mas agora via que ela também comprava. Diz que é pobre mas tem dignidade e expulsa Liana de sua casa.

Mais tarde vemos Loukas perdendo largas quantias de dinheiro em uma mesa de jogo. Quebrado, ele vai até o escritório de Terakis, que naquele momento entregava a Elli uma nova encomenda. Bêbado, Loukas pede dinheiro. Quando Terakis lhe diz que já lhe deu dinheiro dois dias antes, Loukas cita a fortuna que a menina lhe vem fazendo com as entregas. Elli pede para não ser envolvida na discussão e Loukas se torna violento e a estapeia. Indignado, Terakis segura Loukas, que puxa um canivete e os dois tem violenta altercação. Terakis encontra o que parece ser uma faca para abrir cartas em sua mesa e mata Loukas com várias facadas. A cena é presenciada por Elli e por Liana, que chegara há pouco.

Liana aproveita que Elli está confusa e chocada e diz a Terakis que vá embora; ela ficará e dará um jeito de atribuir o crime a outra pessoa, diz ela, olhando para Elli. Terakis sai, Liana diz a Elli para ajudá-la a carregar o corpo e quando Elli se agacha para segurar as pernas, Liana lhe dá uma pancada na cabeça com um peso de papel. Elli cai desacordada, Liana limpa as impressões digitais de Terakis da faca e deposita o objeto nas mãos de Elli. Em seguida chama a polícia. Elli é presa e, tendo levado uma pancada na cabeça, não consegue concatenar as palavras na hora de seu depoimento. Acaba assinando uma confissão do crime.

Hristos Tsaganeas (Terakis), Smaroula Giouli (Elli), Nikos Kazis (Andreas), Irene (Liana),
Anna Hristoforidou (Fani) e Mimis Fotopoulos (Loukas)

Brilhos e piteiras: uma vamp de 22 anos
e 1,78 de altura
Andreas, a essa altura, já sabe de tudo e suspeita que Elli tenha sido vítima de uma armação, pois a conhece bem e sabe que ela nunca mataria ninguém. Se encontra com Liana, que está radiante e feliz, achando que Andreas finalmente decidiu ficar com ela. Mas o que ele quer, na verdade, é que ela o ajude a inocentar Elli. Liana fica ressentida e diz, com ódio, que não ajudaria Elli nem se ela fosse inocente. Andreas dispara meia dúzia de insultos à Liana e vai embora. Essa cena é particularmente memorável porque Liana é carismática e, com toda a sua vilania, é difícil não gostar dela. Antes da conversa azedar ela se mostra sincera, feliz e empolgada como uma adolescente. Sabe-se Deus por que razão ela realmente gosta do menino e vê o possível relacionamento deles como uma tábua de salvação para sua vida de mau-caratismo. Quando ele a agride verbalmente e vai embora a câmera mostra Liana ferida e triste. Não deveríamos ter pena dela, mas temos. Além disso, dentro de todas as suas caretas e exageros de estreante no cinema, ela acerta em cheio em mostrar, no fim, uma expressão muito mais de doloroso ressentimento, do que propriamente de tristeza.

Na seqüência ela vai até o escritório de Terakis e pede sua parte no negócio todo, para poder ir embora. Ele lhe diz que ela só receberá alguma coisa depois de finalizado o julgamento que mandará Elli para a cadeia. É mais uma demonstração de que ela quer deixar essa vida o mais rápido possível. Na clínica, Andreas conversa com Fani e a ela decide ir conversar com Terakis. Acredita que sendo mãe, saberá comover o traficante. Ao entrar em seu escritório há uma reviravolta digna da comedia dellarte: Fani reconhece Terakis como sendo na verdade Hristos Dalakos, o namorado a quem ela rejeitou por um homem rico quando estava grávida. Ela é a mulher sobre quem Terakis contou a Elli. Terakis, portanto é o pai de Elli. Sem saber que ele é o assassino, Fani implora que ele a ajude a inocentar a filha de ambos. Terakis fica balançado mas a mágoa de ter sido desprezado no passado fala mais alto. Ele lembra a ela que também implorou uma vez e ela o desprezou. Fani responde que eram crianças, que o momento era de salvar Elli mas ele não se abala e a expulsa de seu escritório.

Felicidade adolescente e ressentimento doloroso... e um chapéu
que parece um quiche de alho-poró

Condenada como cúmplice
Durante o julgamento, Liana repete a mesma história que já contara durante seu depoimento, incriminando apenas Elli. O promotor faz um violento pronunciamento pedindo a prisão perpétua para Elli. Terakis, entretanto, tem uma crise de consciência e vai até o tribunal, onde confessa seu crime e inocenta a filha. Elli é inocentada e recobra sua memória, que estava afetada desde a pancada que levou. Liana é presa como cúmplice mas antes de levarem Terakis, Elli o abraça e o chama de pai. Ele pede perdão por tudo e ela diz que vai esperá-lo.

O filme estreou em 22 de dezembro de 1948 e, como já se viu, foi um inusitado sucesso. Nikos Tsiforos filmou Τελευταία αποστολή ("A Última Missão") no ano seguinte e o filme foi novamente protagonizado por Samaroula Giouli. Embora lançado em 1949, ele participou da competição em Cannes, em 1951. Foi o primeiro filme grego a competir no festival. Mas só quem realmente prosperou no cinema, de todo esse elenco, foi Irene. Vários deles continuaram fazendo filmes pelas décadas seguintes, sem jamais sair da Grécia. Nikos Kazis, por sinal, se reencontraria com Irene em 1961, interpretando Hemon para a Antígona da atriz, no hoje clássico Αντιγόνη, Antígona, de Yorgos Tzavellas. 

ΝΕΚΡΗ ΠΟΛΙΤΕΙΑ
(Cidade Morta, 1951)

Νεκρή πολιτεία (em inglês, "Dead City") é mais uma produção da Finos e o primeiro filme protagonizado por Irene. É também a estréia do jovem Frixos Iliadis tanto no roteiro quanto na direção. O pintor Petros Petrokostas (Nikos Tzogias) está voltando depois de anos de estudos em Atenas, para sua cidade natal, Mystras. Chegando é avisado por um amigo que sua família se envolveu em uma briga terrível com uma família vizinha e isso custou a vida do pai de Petros. Sua mãe (Hristina Kalogerikou), portanto, exige que ele vingue a família. Antes de poder tomar uma decisão ele se apaixona por Lena (Irene), filha de Lambros (Giannis Argyris), rival de seu pai. O velho fica sabendo do namoro, bate na filha e começa a preparar um plano para matar Petros. Na noite em que Lambros sai para matá-lo, Lena sai escondida, vestida de homem, para avisar Petros. Sem saber que é sua filha que está correndo à distância, Lambros atira em Lena. Petros a encontra agonizando e a leva para a casa dos pais. Lambros fica arrasado e se mata pouco antes da filha morrer.

Irene e Nikos Tsogias em foto de Νεκρή πολιτεία
Lena (Irene) posa ao lado do quadro pintado por Nikos

Procurei uma cópia desse filme para venda, streaming ou download em centenas de sites do mudo inteiro. Encontrei apenas um cópia gravada da TV em baixa qualidade em um site grego. Quando soube que a Finos estava digitalizando seu catálogo e lançando-o em DVD, entrei no site da produtora mas não vi Νεκρή πολιτεία na lista. Entrei, então, em contato com a Finos e perguntei o porquê dessa ausência, sendo um filme que chegou a concorrer em Cannes e foi decisivo para popularizar Irene fora da Grécia. A resposta foi terrível:

Infelizmente o filme Νεκρή πολιτεία não pôde ser digitalizado porque o negativo estava em péssimas condições. Esperamos poder digitalizá-lo e lançá-lo novamente para o público em breve.

(Δυστυχώς η ταινία “Νεκρή Πολιτεία” δεν κατάφερε να ψηφιοποιηθεί με επιτυχία γιατί το αρνητικό του φιλμ ήταν σε πολύ κακή κατάσταση. Ευελπιστούμε να καταφέρουμε κάποια στιγμή να την ψηφιοποιήσουμε και να την διαθέσουμε πάλι προς το κοινό.)

Irene em Νεκρή πολιτεία: pura poesia

Sem alternativas, assisti a cópia que encontrei na Internet. O que me atrapalhou não foi a baixa qualidade da imagem e sim a ausência de legendas. Como nem sequer arranho o idioma, sem elas não tenho qualquer noção de tudo que foi dito nos diálogos, e não há como analisar ou resenhar detalhadamente o filme. O que posso dizer é que fotografia (Aristeidis Karydis) e música (Manos Hadjidakis) são esplêndidas. Irene está linda, doce e adorável. Ao contrário da vilã sexy e careteira de seu filme anterior, ela aqui é uma jovem sofrida e amorosa. Ainda não encontrara um diretor que a ajudasse a equilibrar sua imensa dramaticidade, mas já sabia emocionar com seu choro e transmite toda a tristeza do mundo com seus olhos. A cena de sua morte é extremamente comovente.

Capa da TEMPO italiana, com uma mexa branca no cabelo curtíssimo, em Cannes

Νεκρή πολιτεία estreou na Grécia em 3 de dezembro de 1951 e foi o segundo filme grego a ser selecionado para representar o seu país em Cannes, no ano seguinte. Concorreu com vários filmes, inclusive o Tico Tico no Fubá, dirigido por Adolfo Celi para a Vera Cruz. Perdeu para o Othelllo de Orson Welles e Due soldi di speranza, de Renato Castellani, que empataram em primeiro lugar. Irene, porém, foi a grande estrela do festival. E mesmo tendo encantado a todos na praia francesa à qual retornaria tantas vezes, no futuro, ela só protagonizaria um filme novamente em 1959. Agora ela teria seu primeiro ciclo italiano.

Foto do ensaio de capa da Tempo, em Cannes

Irene promoveu Νεκρή πολιτεία em alguns países da Europa. As duas fotos seguintes são da viagem que ela fez à Suécia, em junho de 1952.



É uma pena. Como disse o sujeito da Finos, esperamos que algum dia esse ótimo filme grego seja lançado como deve.

LE INFEDELI (1953)

Mario Monicelli (1915/2010) já tinha quase 20 anos de carreira, 60 roteiros e dez direções quando filmou Le Infedeli (em inglês, "The Unfaithfuls"), em 1952. Concorrera pela primeira vez em Cannes naquele ano, na mesma seleção que incluía Νεκρή πολιτεία, por Guardie e Ladri, com Totò (que o comediante considerava, dizem, o seu melhor filme); Piero Tellini chegou a ser premiado pelo roteiro, mas Mario não levou a Palma de Ouro. O sucesso de crítica ainda o eludiria por alguns anos. Por outro lado, não resta dúvida de que conheceu Irene em Cannes.

Entrementes, o produtor Carlo Ponti — que também ensaiava os passos para tornar-se um dos maiores produtores europeus e ainda não era casado com Sophia Loren — e o diretor Mario Soldatti chegaram da Suécia trazendo uma modelo de dezenove anos, May Britt, que desejavam introduzir no cinema. Escalaram Monicelli e seu parceiro constante de roteiro e direção, Stefano Vanzina, conhecido pelo pseudônimo artístico "Steno", para dirigir seu filme de estréia. A história é de Ivo Perilli e o roteiro é do próprio, além de Moniceli, Steno e Franco Brusati.

Liliana (May Britt)
O filme começa com um empresário, o comendador Azzali (Carlo Romano), contratando o serviço de um detetive particular (Giulio Calì) para descobrir alguma indiscrição de sua esposa, Luisa (Irene Papas). O detetive entra em contato com Osvaldo Dal Prà (Pierre Cressoy), um charmoso picareta de baixo coturno, para ajudá-lo na missão. Ele segue Luisa durante uma semana mas não descobre nada. Em um dos locais onde esteve, seguindo-a, ele topa sem querer com sua ex-noiva, Liliana (May Britt), a quem não via há anos e que agora está casada com Harry Rodgers, um inglês rico (Charles Fawcett). Desapontado com o insucesso da missão, o comendador então confessa ao detetive e a Osvaldo que precisa encontrar alguma infidelidade da mulher para poder pedir o divórcio. Pouco depois ficaremos sabendo que Azzali tem uma amante, a jovem Marisa (Marina Vlady, então com quinze anos), que vive em um hotel com a mãe, às custas do comendador, esperando que ele se divorcie. Osvaldo então sugere tentar seduzir Luisa, plano aceito rapidamente pelo comendador. O rapaz pede à Liliana que o apresente à Luisa em uma ocasião social qualquer. Esconde da ex-noiva sua condição de vagabundo e finge trabalhar em um jornal. Ela fica enciumada mas apresenta os dois. Nada acontece, embora Osvaldo detecte um clima entre Luisa e seu chofer. Ele, entretanto, não faz nada a respeito.

Osvaldo (Pierre Cressoy) e Luisa (Irene)

Lulla (Gina Lollobrigida) e Luisa (Irene)
Dentro do círculo de grã-finas que Liliana freqüentava, somente ela e a própria Luisa não sabiam do plano de Azzali, de levantar uma infidelidade da esposa para poder divorciar-se dela. E uma dia, uma dessas grã-finas, Lulla Possenti (Gina Lollobrigida) conta tudo para Liliana. Ela corre para avisar Osvaldo, achando que Azzali o está usando sem que ele saiba, e descobre que ele não trabalha num jornal e vive em um casinha pobre. Osvaldo então confessa que fora contratado e sabia de tudo. Diz que mentiu porque tem vergonha de ser pobre. Descobrimos nessa cena que eles dois se separaram durante a guerra. Ele passou um tempo preso e ela se casou com o empresário inglês. Eles se beijam e ela então lhe oferece ajuda; consegue para ele um emprego com um dos amigos do marido. Na saída da entrevista na qual é empregado, Osvaldo inventa que o sujeito lhe pediu um depósito de 200 mil liras para poder iniciar o trabalho. Liliana lhe dá o dinheiro mas dias depois entra em contato com o amigo do marido e este lhe diz que não pediu depósito nenhum. Ela confronta Osvaldo pelo telefone, ele dá desculpas, diz que o dinheiro era para um negócio muito importante, e ela desliga na cara dele.

Luisa (Irene) e Azzali (Carlo Romano)

Osvaldo então procura Luisa e utiliza a carta que tinha na manga: possui provas de que ela e o chofer são amantes e se ela não lhe der 300 mil liras ele contará tudo ao marido dela. Ele consegue o dinheiro, vai até a casa de Liliana e lhe dá o cheque. Nesse dia desaparece uma jóia valiosa da casa de Liliana, e seu marido, que já não gostava da camareira da esposa, a jovem Cesarina (Anna Maria Ferrero), usa o fato para poder despedi-la. Liliana fica desesperada: Cesarina era sua fiel camareira e amiga há quase dez anos e ela sabia que a moça não poderia ter feito isso. Ela desconfia de Osvaldo.

Ultrajada pela acusação injusta Cesarina se demite. Liliana lhe consegue um emprego com uma de suas amigas grã-finas, Carla Bellaris (Tina Lattanzi). Em uma festa na casa da velha, porém, desaparece dinheiro da bolsa de uma das convidadas. Cesarina é imediatamente acusada e levada para a delegacia. O delegado a pressiona de todas as maneiras mas ela jura inocência. Ele então liga para a casa de Liliana mas quem atende é o marido, que acusa Cesarina pelo furto da jóia. O delegado informa isso à moça e a tranca em uma sala. Num surto de desespero, ela encontra uma caixa de fósforos e põe fogo na sala, sofrendo queimaduras fatais. É levada em estado terminal para o hospital. Liliana vai visitá-la e chora muito no momento em que ela morre. Quando o féretro vai embora com Cesarina, Liliana dá de cara com Lulla. Ela confessa que foi quem roubou o dinheiro mas joga a culpa pela morte da moça em Osvaldo.

Cesarina (Anna Maria Ferrero)
Depois do golpe em Luisa ele percebeu que as grã-finas todas eram adúlteras e viu nisso uma oportunidade excelente de descobrir indiscrições, mas ao invés de contar aos maridos, simplesmente chantagear as mulheres, conseguindo gordas quantias em dinheiro. Ele aplicou o mesmo golpe sobre Lulla e ela, sem ter de onde tirar o valor, o roubou de uma bolsa, incriminando Cesarina. Liliana não consegue mais viver com aquele monte de mentiras e conta toda a história ao delegado. Lulla e Osvaldo são intimados. Azzali e Luisa, também. Até Marisa é levada à delegacia, para a surpresa de Luisa. Todos, unanimemente, negam aquilo que foi revelado por Liliana. Osvaldo, os maridos e as mulheres dizem que tudo é mentira e que Liliana está perturbada pela morte de sua amiga. Preferem mentir do que ter que passar por um julgamento e a imolação pública da mídia. Liliana faz uma última tentativa: manda chamar o marido e confessa o caso com Osvaldo, para que ele seja incriminado ao menos pelo roubo da jóia. Mas até mesmo o marido quer evitar o escândalo e afirma que não houve nenhum roubo e que nenhuma jóia sumiu de sua casa.

O delegado então libera todos e se desculpa com Liliana por não poder tomar nenhuma providência. Percebe-se que ele acredita nela e sabe que todos mentiram, mas sob o ponto de vista da lei, não há provas e não há como começar um julgamento. Ela então vai embora e dentro do automóvel parado, ainda no estacionamento da delegacia, o marido lhe pede desculpas mas diz que não pode sujar sua reputação com o julgamento. Quando vê Osvaldo sair da delegacia ela puxa um revólver do porta-luvas e o descarrega nele. Sai do carro, se entrega ao delegado e lhe diz que agora ele pode começar.

Irene e Carlo Romano

Gina Lollobrigida
Le Infedeli está na mesma categoria de quase todos os primeiros filmes de Irene: é hoje uma curiosidade. Eu achei ótimo; é um drama que fica um pouco mais pesado do meio para o fim mas agrada bastante. O elenco feminino é notável e traz Gina Lollobrigida, May Britt, Irene Papas, Marina Vlady e Anna Maria Ferrero. Algumas fizeram mais, outras menos sucesso, mas todas são importantes na história do cinema. O que é preciso ressaltar, aqui, é que o filme foi enganosamente vendido como sendo protagonizado por Gina Lollobrigida. Não é. Por ser a única famosa ela recebeu top billing, ou seja, seu nome aparece em primeiro nos cartazes e nos créditos iniciais, e isso deve ter ajudado a vender o filme e a aumentar a bilheteria, o que não aconteceria com o nome ainda desconhecido da verdadeira protagonista, que é May Britt. May está muito bem para alguém que recebeu um papel principal em seu primeiro trabalho. É evidente que ela não chega nem perto de alcançar a dramaticidade de Lollobrigida, por exemplo, que está maravilhosa nas poucas cenas em que aparece, mas o rosto de May é felino, ela é muito sensual e embora sem experiência, fez o que pôde para transmitir as grandes emoções de Liliana. Por alguma razão, provavelmente na tentativa vã de latinizar a sueca May, ela está com uma peruca preta. Não ficou mal.

May Britt: Muito boa
Irene, em seu primeiro papel fora da Grécia, cumpriu sua função primordial no filme: ser linda e fazer expressões ao mesmo tempo atraentes e maquiavélicas. Sua Luisa lembra um pouco a Liana de Χαμένοι άγγελοι. Quanto à sua aparência, ainda era um work in progress, mas ela aparece pela primeira vez na telona com o cabelo curto. O penteado com uma mexa branca ainda maior vem de Cannes. De qualquer forma, mesmo não tendo catapultado a carreira de Irene, Le Infedeli abriu uma picada e criou um nicho para onde ela voltaria várias vezes nessa década, e em muitos momentos no futuro: o cinema italiano.

O filme foi lançado em 4 de fevereiro de 1953 na Itália. No fim daquele ano Gina teria uma boa alavancada em sua carreira, com a estréia de Beat the Devil, dirigida por John Huston e roçando ombros com Humphrey Bogart, Jeniffer Jones e Peter Lorre. Irene ainda teria que esperar alguns anos pela sua chance.

THE MAN FROM CAIRO (1953)

Aproveitando que já estava na Itália, Irene aceitou o convite para uma pequena aparição no filme The Man from Cairo, que — com exceção das locações na Algéria  estava sendo filmado nos estúdios Palatine, em Roma. A direção foi do veterano Ray Enright (1896/1965). Ele era uma máquina de dirigir filmes, não importando se eram obras-primas. Bons, ruins, melhores ou piores, agradavam sempre um determinado público e isso era o suficiente para que continuasse trabalhando.

E assim como Le Infedeli é uma produção franco-italiana da minúscula Minerva Film, The Man from Cairo é uma co-produção anglo-ítalo-americana da também diminuta Lippert Pictures. A história é do húngaro Ladislas Fodor e há três roteiristas. Não deixa de haver uma certa ironia, porque o que parece é que quanto mais roteiristas, mais rocambolesca e pouco crível é a história. E considerando o produto final, a impressão é de que esse bando de pessoas escreveu o roteiro sem ter contato entre si.

George Raft
Em 1940, antes da invasão alemã, a França deu um jeito de retirar do país toda sua fortuna em ouro: dois bilhões de dólares em barras e moedas. Um dos carregamentos —
com cerca de 100 milhões de dólares  foi interceptado e roubado. As autoridades francesas suspeitavam do único sobrevivente, o sargento Emile Touchard (Guido Celano), conhecido por não ter um dos polegares, e do general Dumond (Alfredo Varelli) que comandava a operação, e foi acusado de emitir ordens falsas que permitiram o seqüestro da carga. Antes de ser julgado por traição, Dumond fugiu e não havia mais notícia dele. Touchard estava em liberdade e vinha sendo observado pela polícia, esperançosa de que ele fosse guiá-la até quem roubou a carga. Só que cada vez que a França enviava um agente para encontrar os culpados e reaver o dinheiro, ele acabava morto no deserto. Eles decidem, então, enviar um agente norte-americano, supondo que ele passará batido pelo radar dos bandidos na Algéria. Antes do agente chegar, entretanto, quem chega é Mike Canalli (George Raft), que servira por lá durante a guerra. A polícia o interroga achando que ele é o agente enviado pela França. Ele propositalmente não desfaz a confusão.

George Raft encontra Irene Papas na banheira, em The Man from Cairo

Como o filme é uma sucessão de coincidências inverossímeis que fazem crer que a capital do país é um ovo onde todo mundo se esbarra na escuridão noturna com a maior facilidade, Canalli é contatado por Touchard, que o conheceu na guerra. Este revela estar sendo perseguido e lhe dá a chave de seu quarto de hotel, para que possam conversar. O norte-americano vai para o hotel e Touchard, fugindo de um atentado, esconde-se em um pequeno estúdio onde turistas gravavam discos com notícias e demais informações. Ele conta todo o segredo do roubo da carga, os envolvidos e os inocentes. É morto na saída do local.

Enquanto isso Canalli entra no quarto de Touchard e quando abre a porta do banheiro encontra ninguém menos do que a estonteante Irene Papas na banheira. Ela é Yvonne Lebeau, a namorada de Touchard, que está se preparando para ir trabalhar em um clube noturno como dançarina. Ela sugere que ele tome um drink e aguarde Touchard. A bebida está com um sonífero e ele cai duro. Yvonne vai para seu trabalho mas recebe de um mensageiro o disco que Touchard gravou. Preocupada com o conteúdo ela o entrega para a amiga Lorraine (Gianna Maria Canale) e quando volta para o quarto de hotel, é assassinada. Canalli acorda e vê o quarto todo revirado. Vê Yvonne morta no banheiro e dá de cara com Lorraine, que foi visitá-la e também a encontra caída. Ele foge, ela grita.

Uma das fotos promocionais de The Man from Cairo mostra a cena de Irene na banheira.
É justo, já que Irene é a única razão para esse filme existir.

Gianna Maria Canale
Mais tarde Canalli é chamado pela polícia porque a descrição feita por Lorraine era a do norte-americano interrogado quando chegou, no dia anterior. Na hora da acareação, entretanto, Lorraine diz que aquele não era o sujeito que viu no hotel e o inocenta de tudo. Fora dali eles iniciarão um romance e Canalli descobrirá que Touchard se mancomunou com um grande empresário chamado Gille Moreau para poder movimentar o ouro, mas o empresário tinha seus próprios planos e queria livrar-se de Touchard. Yvonne contou tudo a Lorraine e esta contou a seu amante, um dono de boate chamado Basil Constantine. Este tenta uma triangulação com Moreau via Touchard mas não consegue. E a corrida do ouro segue com polícia, bandidos, empresários, assassinatos, um romance, pessoas disfarçadas, fingindo ser quem não são e etc. Eu passaria horas para detalhar as inúmeras situações absurdas, então quem quiser conhecer melhor o filme, assista. Mas eu não me daria o trabalho.

George Raft e Gianna Maria Canale
Não duvido que The Man from Cairo, com o seu monte de personagens e de tramas seja leitura agradável para matar algumas horas numa repartição pública ou num aeroporto. Mas sua realização cinematográfica foi fraquíssima. É um filme B com um elenco acima da média. Vale pelo espetáculo daquele peixão na banheira. George Raft tinha um contrato com a Lippert e este foi o último filme que precisou fazer para eles. E é também, até onde pude apurar, a última vez que ele foi protagonista absoluto de um filme. Raft estava com quase sessenta anos e já não havia mais sentido em colocá-lo como o durão que fuma compulsivamente mas corre atrás de bandidos, consegue bater em sujeitos maiores e mais jovens, e ainda faz com que a mocinha (trinta e cinco anos mais nova) se apaixone perdidamente por ele depois de cinco minutos de conversa. Nada é crível nesse filme bobo, lançado na Itália em setembro de 1953, e nos Estados Unidos, dois meses depois. Falarei mais sobre Gianna Maria Canale daqui a pouco, quando ela se reencontrar com Irene em outra produção.

"A Grega de Roma"... novamente capa da TEMPO

UNA DI QUELLE (1953)

O ano de 1953 foi muito intenso para Irene, em termos de trabalho. Lançando praticamente um filme por mês, ela ainda encontrou tempo para fazer uma participação não-creditada no filme Una di Quelle, do grande ator e comediante italiano Totò (1898/1967). Direção de Aldo Fabrizi e roteiro dele e de Aldo De Benedetti baseado no livro de Giorgio Bianchi.

Rocco (Totò) e Martino (Peppino De Filippo) são dois fazendeiros ricos que vêm à cidade grande "em busca de aventuras". Em uma casa noturna Rocco acidentalmente conhece Maria (Lea Padovani), viúva com um filho doente, e devendo dinheiro a seu senhorio. Desesperada, ela contempla a possibilidade de se prostituir para conseguir o dinheiro e aquela é a primeira vez que teve coragem de tentar. O filme se desenrola a partir do encontro dos dois. É um drama com algumas cenas cômicas que se devem ao ator, mas no geral é um filme leve.

Irene aparece em uma cena rápida, na porta da casa noturna. Ela está saindo de lá e pára na porta, aguardando seu namorado. Rocco e Martino ficam maravilhados com a beleza da moça. Chove torrencialmente e Rocco tenta puxar papo com ela. Ela o ignora e pouco depois o namorado aparece. Rocco e Martino acabam levando o casal até o táxi com seu próprio guarda-chuva. É só. Una di Quelle estreou em Roma em 7 de outubro de 1953. É lembrado hoje só pelos fãs de Totò, que não devem fazer idéia da participação de Irene.

Irene, Totò e Peppino De Filippo

VORTICE (1953)

Melodrama escrito (em parceria com três outros roteiristas) e dirigido por um mestre no gênero, o italiano Raffaello Matarazzo (1909/1966). Na tentativa de dar uma vida confortável à filha, Cesare Fanti (Paolo Ferrara) contrai várias dívidas junto ao banco onde trabalha e acaba impossibilitado de saldá-las. Arrasado, tenta o suicídio abrindo o gás de sua casa e fechando as janelas. A filha, Elena (Silvana Pampanini), chega a tempo de impedir a morte do pai. Ela então entra em contato com o dono do banco e amigo deles, Luigi Moretti (Gianni Santuccio), e pede que ele ajude o pai. Moretti diz que Cesare se afundou demais nas dívidas e já não há mais como ajudá-lo. Apaixonado por Elena e desenganado por ela no passado, Luigi sugere uma solução terrível: pagará as dívidas do velho se Elena se casar com ele. Ultrajada, Elena repete que não o ama e que está noiva do médico Guido Aurelli (Massimo Girotti). Luigi mais uma vez a chantageia: pergunta-lhe se o tal noivo aceitará casar-se com uma mulher cujo pai está na cadeia. Ela não vê outra solução senão aceitar a proposta indecorosa de Luigi e terminar o noivado com Guido, sem sequer revelar a razão de sua atitude.

Elena (Silvana Pampanini) e Guido (Massimo Girotti)

Silvana Pampanini
Passam-se quatro ou cinco anos. Cesare já morreu, Elena está casada com Luigi e ambos tem uma filha pequena, Anna (Maria Grazia Sandri). A casa é rica e confortável, mas Elena está apática e vai levando sua vida na inércia de um casamento que não queria e ao qual se acostumou. Luigi, por outro lado, está experimentando uma crise bastante curiosa: sabe que o casamento só aconteceu porque Elena precisava do dinheiro para ajudar o pai; passados os anos e morto Cesare, porém, Luigi julgou que a obrigação de Elena se esgotou e tinha alguma esperança de que ela passasse a amá-lo, de fato, o que não aconteceu. Ele vai viajar a negócios e diante do total desinteresse da esposa em acompanhá-lo, Luigi convida uma velha amiga, Clara (Irene), e os dois seguem juntos, de carro. Sofrem um acidente na estrada. Luigi pede a Clara, que não teve maiores contusões, que saia dali para que ele não seja comprometido pela presença dela quando forem resgatá-lo. No hospital descobre-se que ele ficou paraplégico. A grande coincidência é que o médico que trata de seu caso não é nenhum outro senão Guido, que se reencontra com Elena.

Clara (Irene) é convidada a viajar...
Clara (Irene) e Luigi (Gianni Santuccio), pouco antes do acidente
Luigi pede que Clara não fique lá...
O cartaz espanhol do filme traz a cena do acidente de Irene e Gianni Santuccio

Clara (Irene) e Viaggiani (Franco Fabrizi)
Luigi conhecia Guido e na presença da esposa e do médico ele faz um escândalo dizendo que ambos agora estão livres para ficarem juntos. Guido compreende, então, as razões que levaram Elena a terminar o noivado de ambos e casar com Luigi. Ele propõe a Elena que eles voltem mas ela está comovida com a desgraça do marido e não consegue deixá-lo. Enquanto isso quem começa a fazer visitas ao hospital é Clara, mas ela não consegue se encontrar com Luigi, por conta da constante presença de Elena. Clara não é boba e evidentemente quer uma indenização gorda pelo incômodo e sobretudo por seu silêncio. Quando Luigi recebe alta, Clara envia seu comparsa, Viaggiani (Franco Fabrizi), à casa dele para falarem da indenização. A princípio Luigi se mostra receptivo mas quando descobre o valor astronômico pedido por Clara ele fica indignado; oferece um décimo do valor e bota Viagianni para correr. Seu convívio com Elena também piora muito; antes ele trabalhava e eles se viam pouco. Agora ele está em casa o dia inteiro e os dois não têm qualquer intimidade ou afinidade. Depois de várias discussões Elena fica farta das chorumelas do marido e vai embora, avisando que ficará na casa de uma amiga o resto do dia e voltará quando ele estiver melhor.

Clara vai visitar Luigi

A cicatriz
Aproveitando que a esposa saiu, Luigi telefona para Clara e pede que ela vá até lá para resolverem o assunto sem o comparsa. Os dois se trancam na sala e conversam. Luigi vai até o cofre e pega um maço de notas. Clara diz que é pouco e se exaspera; reclama que tudo aquilo é culpa de Luigi e se aproxima dele, retirando de seu rosto um adorno que cobre sua bochecha direita. Fica visível uma grande cicatriz. Ela diz que a operação plástica é cara e precisa do valor para que seu rosto volte a ser exatamente como era. Luigi não se comove e os dois discutem aos gritos. Ele começa a ter um acesso e pede a Clara que lhe traga água e seu sonífero. Orienta a moça a colocar cinco gotas mas antes que possa beber, sua filha, acordada pela gritaria, bate na porta e pede para falar com a mãe. Ele diz que a mãe está ocupada conversando com ele naquele momento e ordena à menina que volte para sua cama. Ele se aproxima da porta para falar com a filha, que está do outro lado, e dá as costas à Clara. Ela então coloca muitas gotas do sonífero no copo de água. Quando ele volta, ela lhe dá o copo e ele bebe. Ela então se mostra subitamente conformada, aceita o dinheiro e sai da sala. Volta segundos depois e vê que Guido está desacordado. Ela vai até o cofre, pega todo o dinheiro e vai embora.

A visão do cofre

Silvana Pampanini
Enquanto esteve fora Elena se encontrou com Guido. Ele lhe comunicou que conseguiu uma ótima oportunidade de trabalho na Venezuela e pede que ela e a filha viajem com ele. Elena se nega e Guido pergunta o que a prende ao marido. Ela responde que desde o acidente sente "piedade" e não pode deixá-lo. Se despedem e quando entra em sua sala, ela se depara com Luigi, que está morto. A polícia chega e num rápido exame fica evidente que Luigi se suicidou quando a esposa não estava presente. Só que quando a polícia está prestes a ir embora a filha de Elena aparece e o policial lhe pergunta se ela ouviu alguma coisa. A menina responde que escutou a mãe gritando. O policial julga que Elena mentiu e ela é levada à delegacia. Com medo de envolver Guido ela se recusa a dizer com quem estava quando saiu, e fica sem álibi. Ameaçada de não ver mais sua filha ela confessa que estava com Guido. Ele é chamado e confirma o álibi mas quando ela explica que eram noivos o policial duvida da história e acusa o médico de estar ajudando a ex-noiva. Ela fica presa para aguardar o julgamento e a filha é mandada para um orfanato. Guido cancela a viagem.

"Não sou uma assassina!'...
Viaggiani confronta Clara sobre seus planos. Ela fica surpresa com a irritação dele e ele lhe mostra o jornal que fala do julgamento de Elena pelo assassinato de Luigi. Clara não tinha idéia do que vinha acontecendo e fica arrasada. Chora e grita que sua intenção era apenas fazê-lo dormir para poder pegar o dinheiro. Afirma que não queria matá-lo e não é uma assassina. Viaggiani lhe dá um tapa e diz a ela que o mais importante naquele momento é ter calma e se certificar de que ninguém a viu entrar ou sair da casa. Dias depois Clara vai ao mesmo hospital para uma consulta sobre sua plástica. Guido a reconhece do tempo em que Luigi esteve lá e pergunta se ela o conhecia. Clara nega tudo e vai embora rapidamente. Desconfiado, ele levanta a ficha de Clara no hospital e solicita à polícia que a investigue por ter negado de forma terminante algo que era tão óbvio. Ela telefona para Viaggiani e informa que Guido a reconheceu. Ele vai até lá e diz a ela que se vire; já a ajudou o suficiente e não pagará por algo que é culpa unicamente dela. Quando abre a porta para sair, dá de cara com os policiais, que prendem os dois.

Anna, a filha de Elena, cai doente pela tristeza de saber que foi seu comentário que levou a mãe à prisão. Assustadas com a possibilidade da menina piorar, as freiras do orfanato dão um jeito de permitir que a mãe vá até lá e veja a filha. O reencontro é emocionante e quando chega a hora de Elena ir embora, ela se recusa a devolver a filha e se encaminha ao topo da escadas do orfanato. Desesperada, ela pretende se jogar e morrer junto com a filha, mas no momento em que vai fazê-lo, Guido chega e lhe avisa que Clara foi presa e ela foi inocentada.

Vortice é um dramalhão no melhor estilo daquilo que era produzido na época. Tem romance, corações partidos, sacrifícios pela família, crianças fofinhas, vilões simpáticos e uma boa carga de desgraças que terminam com um final feliz. É outro filme menor, como basicamente todos os que Irene fizera até aquele momento (excetuando-se talvez Νεκρή πολιτεία, no que tange à Grécia), mas assim como Le Infedele, é ótimo entretenimento. A última meia hora, que trata dos desdobramentos da morte de Luigi, se arrasta e cansa um pouco, mas em geral não é um filme ruim.

Irene mais uma vez é aquela vilã de quem é impossível não gostar. Ela e Franco Fabrizi são vilões meio atrapalhados e a cena de seu ataque histérico, em que descobre que matou Luigi sem querer e acaba estapeada, nos faz sentir pena dela. Além do fato de estar lindíssima. Parece uma top model, como ocorreria novamente dois anos depois em The Missing Scientists. O contraste de sua beleza esbelta, longilínea e contemporânea com a beleza pasteurizada e datada de Silvana Pampanini é berrante. Assistindo Irene em Vortice tive a mesma sensação de quando via os filmes de Marilyn em início de carreira: pena dos protagonistas.

O filme foi lançado na Itália em novembro de 1953. Está inteiramente esquecido. A produção foi da Lux Film italiana. O próximo filme de Irene seria uma produção da Lux italiana e da Lux francesa.

Foto autografada por Irene nessa época. Faltam-me as palavras...

TEODORA (1954)

O diretor italiano Riccardo Freda (1909/1999) conheceu Gianna Maria Canale em um concurso de beleza, no final dos anos 40. Largou sua esposa e começou a namorar Canale, com quem se casou e com quem teve uma frutífera parceria cinematográfica. Em 1948 o casal veio ao Brasil para filmar as externas de O Guarani (produção do estúdio italiano Universalia), que a despeito do título é sobre a vida de Carlos Gomes e se baseia na biografia escrita pela filha do compositor, Ítala Gomes Vaz de Carvalho. Canale foi apresentada à imprensa nacional como "Miss Itália" daquele ano (o que não era verdade; ela simplesmente concorreu mas foi derrotada) e interpretou Henriqueta, uma das namoradas de Gomes, coadjuvando o ator português Antônio Villar, no papel do compositor, e a atriz Mariella Lotti, no papel de Lindita, que, como não vi o filme, imagino ser o apelido de Adelina Peri, com quem Gomes se casou e teve cinco filhos (inclusive Ítala). O filme teve uma produção bem cuidada, mas foi rapidamente esquecido. Pouco depois Freda foi contratado pela Atlântida para roteirizar e dirigir um chanchada com Oscarito, Grande Otelo e Anselmo Duarte: Um Caçula do Barulho. Canale teve um pequeno papel. O filme foi pulverizado por Moniz Vianna, no prestigioso Correio da Manhã. Sobre Freda, o crítico afirma que o diretor "revela um desconhecimento quase total dos princípios mais comezinhos da cinematografia. Sua sintaxe é defeituosa, seu mal-gosto, patente". Sobre Canale, disparou Vianna:

Canale, no papel de Henriqueta ("Hollywood",
s/data, mas provavelmente de outubro ou
novembro de 1948)
O filme não tem nexo, é uma coisa estapafúrdia, infamérrima. Vê-se uma italiana, Gianna Maria Canale, recitar em português ininteligível, e com a pose anacrônica de Francesca Bertini, um diálogo mal-decorado e mal-escrito. (...) Vêem-se, ainda, algumas mulheres anti-fotogênicas (para não usar a palavra adequada) circularem ante a câmera, provavelmente selecionadas pelo diretor a fim de estabelecer um contraste com a beleza de Maria Canale, aliás uma beleza que não atrai, acaciana e imóvel. (...) Uma droga, este "Caçula do Barulho". (06/01/1949)

Talvez por mimos desse tipo o casal não se adaptou à América do Sul e voltou para a Itália. Em 1953, em produção da Lux italiana e francesa, Freda começou a dirigir um filme sobre a imperatriz bizantina Teodora. Para tanto utilizou um argumento de André-Paul Antoine e chamou René Wheeler, Claude Accursi e Ranieri Cochetti para ajudá-lo no roteiro. O papel do marido de Teodora, o imperador Justiniano, foi para o galã francês Georges Marchal. No papel-título estava, é claro, sua esposa.

Grande Otelo e Gianna Maria Canale
(Diário de Notícias, 29/12/1948)
Teodora (500/548) era personagem pouco conhecido na telona. Sarah Bernhardt encarnara a imperatriz em peça de Victorien Sardou e alguma coisa fora feita na época do cinema mudo, mas em geral, a esposa de Justiniano ainda era terreno inexplorado no cinema. Provavelmente porque pouquíssimo se sabe concretamente sobre ela, além de que tinha origem humilde, seu pai era domador de ursos e leões no hipódromo de Bizâncio (ou Constantinopla, como já era chamada, à época) e ela conheceu Justiniano antes dele assomar ao trono; casou-se com ele e governaram juntos até a morte dela, em 548. Os únicos relatos mais ou menos substanciosos acerca de Teodora estão nos livros de seu contemporâneo Procópio de Cesaréia, mas existe uma saborosa reviravolta em sua obra; dois de seus livros — História das Guerras, relatando os feitos militares da era justiniana contra os persas, vândalos, mouros e godos, e Monumentos, incensando Justiniano e Teodora — foram lançados ainda na época em que Justiniano era Imperador de Bizâncio, e cristalizaram a imagem do imperador e de sua esposa como um casal exemplar, que muito fez pelo progresso e pela felicidade do império romano oriental, tendo à ilharga Belisário, um general justo e heróico.

Riccardo Freda
E assim teriam os três entrado gloriosamente na eternidade, se nada menos do que mil anos depois, em 1623, não tivesse sido encontrado acidentalmente na Biblioteca do Vaticano um manuscrito inédito de Procópio, chamado de Ανέκδοτο, Anékdoto, que pode ser traduzido hoje em dia como "anedota" ou "anedotário", mas cuja tradução mais correta, no vernáculo da época, seria, providencialmente, a expressão "não publicado". O livro é convencionalmente chamado de "História Secreta". É uma das mais fantásticas objurgatórias de todos os tempos. Seja porque estava desiludido com os governantes, ressentido por alguma afronta, ou porque mentiu deslavadamente nos dois primeiros livros (certamente pagos com dinheiro público), ou por qualquer outra razão (o caso está em aberto até hoje), Procópio deu um pulo de 180° e escreveu o Ανέκδοτο para destruir completamente a imagem dos três. E o faz não com luvas de veludo, com sutileza e metáforas elegantes, como se poderia imaginar, e sim com o linguajar mais candente, violento, e por vezes, chulo.

Detalhe de mosaico do século VI
retratando Teodora. Basílica de San
Vitale, em Rávena, na Itália
Belisário é descrito como um corno manso, um idiota e um fraco que não merecia qualquer reconhecimento por sua participação nas guerras do império; sua esposa Antonina era uma vagabunda que seduziu o próprio enteado; Justiniano era um pervertido sexual, assassino, cruel e inescrupuloso; e a artilharia mais pesada é voltada à Teodora, caracterizada como a mais rasteira e imunda das prostitutas. Ela, que foi canonizada e é santa da Igreja Católica Ortodoxa, é descrita como uma ninfomaníaca, uma mulher de maus bofes, agourenta, invejosa e vingativa; era atriz de espetáculos obscenos ou pornográficos, vivia em bacanais e orgias e nada fizera pelo povo. Com o Ανέκδοτο, Procópio contradisse tudo o que havia escrito anteriormente e com isso conseguiu plantar a semente da dúvida nos pósteros. Hoje não há, efetivamente, como decidir qual dos dois relatos é o sincero, ou mesmo se ambos estão tisnados pela parcialidade do historiador. Logo, a história de Teodora acabou se tornando um livo em branco que pode ser escrito ao talante dos roteiristas que se debruçam sobre sua vida. E foi o que fizeram André-Paul Antoine e o time de roteiristas liderado por Riccardo Freda.

Gianna Maria Canale (Teodora), Georges Marchal (Justiniano), Renato Baldini (Arcas)
e Henri Guisol (Giovanni di Cappadocia)

Canale: nada de "imóvel" na
beleza de seu corpão
No filme ("Teodora", no original, "Theodora, Slave Empress", em inglês), Teodora é domadora de leões e faz apresentações sensuais de dança para o populacho de Bizâncio. Ela é pobre e vive com a mãe Egina (Olga Solbelli), com a irmã Saídia (Irene Papas), que lhe tem inveja, e com um piloto de corrida de bigas, Arcas (Renato Baldini), que é apaixonado por ela. Ela, contudo, não retribui seu amor e o considera um irmão. Em uma de suas apresentações de dança Teodora se sente atraída por um dos espectadores e se insinua para ele. O sujeito vai atrás dela no fim e os dois conversam. Interesseira, ela pede um medalhão valioso que o sujeito traz no peito. Ele não hesita em dá-lo a ela. Ela, porém, pega o medalhão, dá uma gargalhada e sai correndo. Mal sabe ela que esse era o imperador Justiniano (Georges Marchal), que por vezes se misturava à ralé para conhecer melhor suas necessidades. Inimiga das autoridades, a quem não tem medo de afrontar, e com a ajuda traiçoeira de Saídia, Teodora acaba presa pelo chefe de polícia, Andres (Roger Pigaut), por não poder explicar a origem do medalhão. O julgamento ocorre no palácio e ela reencontra Justiniano, mas não revela ser ele o dono do medalhão. Ela é sentenciada a passar um dia na prisão mas o imperador tem um surto de moralismo e exige que a pena máxima por roubo seja aplicada, ou seja, sua mão ser decepada. Ela protesta aos gritos e é levada.

Irene Papas: Saídia

Pilotando a biga de Arcas
Quando fica sabendo disso, Arcas aborda o imperador no hipódromo; Justiniano pretende pilotar uma das bigas que correrá dali a pouco. Arcas invoca um velho costume, segundo o qual o vencedor da corrida de bigas pode pedir qualquer coisa ao imperador, e neste caso ele se antecipa dizendo que se vencer, pedirá que a sentença sobre Teodora seja anulada. O pedido pesa na consciência de Justiniano, que se arrepende do que fez e vai até a prisão libertar Teodora. Mas quando chega lá ele descobre que ela ofereceu uma jóia a seu carcereiro (Umberto Silvestri) e ele a deixou ir embora. O carcereiro é cegado, como punição. Quando volta para sua casa Arcas encontra Teodora. Ele propõe que eles saiam de Bizâncio mas ela não aceita. Ele se enerva com a recusa e ela põe um sonífero em sua bebida. Vai até o hipódromo disfarçada e pilota a biga de Arcas. Quando a corrida começa, ela tira seu capacete e Justiniano, na biga ao lado, a reconhece.

Saídia (Irene): incredulidade e depois puro despeito
ao ver a irmã pilotando a biga, em contraste com
a empolgação de Egina (Olga Solbelli)
Os dois competem e Teodora vence a corrida. Saídia, que assistia a corrida com a mãe, não consegue conter o seu desdém. Mais tarde Teodora recebe o convite do imperador para visitar o palácio. Enquanto se arruma e se maquia lá mesmo, com a ajuda das serventes imperiais, o assessor mais próximo de Justiniano, Giovanni di Cappadocia (Henri Guisol) tenta agarrá-la e é rejeitado por ela. Nasce ali uma inimizade perigosa. Durante o jantar, Justiniano tenta a mesma coisa e também é rejeitado, mas por razões diferentes: Teodora lhe diz que só aceitará qualquer contato físico se eles se casarem. Ele debocha dela com uma gargalhada, mas acaba aceitando e na cena seguinte eles já aparecem casados, como imperador e imperatriz.

Em cerimônia na qual ambos recebem o general Belisário, que volta vitorioso da guerra com os persas, Teodora detecta uma conspiração de Giovanni com outros elementos palacianos e comenta com o general. Este a tranqüiliza e afirma que ao menor sinal de sedição, só o que ela deve fazer é acender uma grande fogueira, que possa ser vista de longe, e ele virá junto com o exército para proteger a soberania de Justiniano. Na cena seguinte descobriremos que quem também faz parte dessa conspiração é Arcas, que se uniu a Giovanni por ressentimento. Ele é destacado para a primeira parte do plano, que é assassinar Teodora.

Enquanto uma irmã governa...
... a outra se entrega ao ócio remunerado

Justiniano (Georges Marchal) e Teodora (Gianna
Maria Canale)
Ele entra escondido nos aposentos dela mas quando a vê, ele fraqueja e não consegue matá-la. Ao invés disso ele conta tudo o que está acontecendo e pede a ela que se cuide. Ela o perdoa e diz a ele que vá embora o quanto antes, mas quando estão abraçados despedindo-se, Justiniano entra e tem um ataque de ciúme. Ordena aos guardas que prendam e matem Arcas mas ele consegue escapar. Teodora tenta explicar que existe uma conspiração liderada por Giovanni em andamento mas Justiniano não lhe dá ouvidos. Ao mesmo tempo, veremos Giovanni e Saídia juntos em outro cômodo do palácio; não conseguindo Teodora ele se contentou com a irmã, que é tão mau caráter quanto ele. Ele recebe a notícia de que Arcas não realizou sua parte do plano e fugiu; pensa rapidamente em como resolver essa situação e resolve cooptar Saídia. Em seguida, os guardas do palácio avisam Justiniano que um grupo de revoltosos cercou o palácio e está prestes a entrar. Ele então acredita na esposa e convoca os conspiradores para uma reunião.

Saídia (Irene) e Giovanni (Henri Guisol)

A grande cena de Irene
Justiniano confronta todos eles e os acusa de traição mas Giovanni nega com veemência. Exigida a prova de sua inocência, ele chama Saídia e diz a ela que conte toda a verdade. É a grande cena de Irene. Aos prantos, inventa que ela e Arcas eram namorados e pretendiam se casar, mas Teodora, com inveja de sua felicidade, roubou-o para ela e continuou o caso mesmo depois de casada. E como se essa imoralidade não fosse suficiente, ela também pretende matar o imperador. Começa uma comédia de erros. Justiniano vai até o quarto de Teodora para confrontá-la mas não a encontra, o que o faz acreditar na história de Giovanni e Saídia. Só que a imperatriz na verdade foi para o hipódromo conclamar a população a resistir ao lado de Justiniano e não ceder aos revoltosos, e também acender a fogueira que acionará o exército de Belisário. Há uma grande batalha entre revoltosos e a guarda fiel a Justiniano, e Arcas é morto.

Ela está chorando sobre o corpo quando Justiniano a encontra e ordena que ela seja executada. Para isso eles fazem um cordão de isolamento com a guarda e soltam o carcereiro cego para que ele a mate como quiser. Dali a pouco, no hipódromo, Justiniano dá de cara com Belisário e lhe pergunta o que ele está fazendo ali. O general explica o acordo que tinha com Teodora para defender o imperador. Desesperado, Justiniano confronta Giovanni uma última vez. Este já não se dá mais o trabalho de negar e diz na cara do imperador que é tudo verdade e que era uma injustiça da vida que ele próprio não fosse o imperador. Justiniano manda prendê-lo e volta correndo para o local onde deixou Teodora. Chega a tempo de matar o carcereiro e salvá-la.

Segundo o IMDB existe uma versão do filme com 126 minutos. A versão que eu assisti tem apenas 88 minutos. Espero um dia poder ver o filme na íntegra. Imagino que haja mais cenas com Irene, cuja personagem teria inúmeros aspectos de sua personalidade, sua relação com a irmã e com Giovanni a serem desenvolvidos. Embora tenha uma ótima performance, seu papel realmente parece ter sido podado. O mesmo com a mãe, Olga Solbelli, o Scarpios de Carlo Sposito, a etc. Tal como eu o vi, é um filme bonito, boa cenografia, figurinos e tudo mais, mas com um sabor de segundo time. É aquilo que se convencionou chamar de um "épico barato". A direção de atores não era o forte de Riccardo Freda então sobejam as caretas e a canastrice. Vale por Irene e Gianna Maria Canale. Sua beleza e sua sensualidade são estonteantes, na cena em que dança. O filme foi lançado na França em julho de 1954 e na Itália em setembro do mesmo ano. Não qualificou pra prêmios em festivais e hoje é praticamente desconhecido.

Um cartaz bobo, com uma cena
que nem existe no filme
ATTILA (1954)

Enquanto Anthony Quinn, em 1954, já era um veterano com quase vinte anos de carreira e um Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em seu currículo, Irene Papas e Sophia Loren eram meras principiantes. A diferença é que Papas estreara em 1948 e estava em seu oitavo filme. Já Loren começara em 1950 e Attila era seu 29º nono filme, sendo que dez deles foram feitos em 1954, ano em que sua carreira deslanchou. A grande maioria é inteiramente esquecível, mas com eles Loren foi cimentando seu prestígio na Itália e na Europa. Muito desse prestígio se devia a Carlo Ponti, produtor de vários desses filmes, e Attila era mais uma produção de Ponti com a Lux italiana, desta vez em parceria com Dino de Laurentiis. A direção foi de Pietro Francisci e o roteiro é de Ennio De Concini, Frank Gervasi e Primo Zeglio. De Teodora para
Attila o que Irene fez foi voltar aproximadamente um século na história conturbada do império romano, e trocar o oriente de Bizâncio pelo ocidente de Rávena.

O cartaz francês, bem melhor, que destaca Irene

Attila (Quinn) e Bleda (Ettore Manni)
Embora muito do que se diga e se ensine sobre o Attila, rei dos hunos (406/453), seja baseado naquilo que disseram seus inimigos, décadas (e às vezes séculos) depois, há um mapeamento um pouco mais preciso sobre os eventos de sua vida. Se ele era ou não o demônio encarnado, como dizem alguns cronistas da época, não saberemos jamais. É muito provável, levando em conta a devastação dos povoados por onde ele passava em suas guerras. Mais provável ainda é que ele fosse tão cruel e acanalhado quanto 90% daqueles que ocuparam o trono de imperador em Roma ou em Bizâncio. O que se sabe, entretanto, é o suficiente para que um filme sobre ele não seja tão completamente ficcional como foi o filme sobre Teodora. A história começa com a visita do general romano Ézio (Henri Vidal) aos hunos, com quem pretende renovar tratados de amizade entre Roma e o rei Rua (também chamado de Ruga ou Rugila). Na chegada descobre que Rua morreu e o poder está sendo exercido por seus sobrinhos Bleda (Ettore Manni) e Attila (Anthony Quinn).

Attila (Anthony Quinn)

Attila (Quinn), Bleda (Ettore Manni), Onegésio
(Eduardo Ciannelli) e Ézio (Henri Vidal)
Desde logo fica claro para Ézio que Bleda é sensato e deseja viver em paz com os outros povos. Attila, por outro lado, é ignorante, belicoso e exige que o tratado seja inteiramente reescrito em favor dos hunos para que a paz prevaleça. Mesmo contrariado, Ézio aceita os termos de Attila por saber que se trata de alguém instável e incontrolável. A esposa de Attila, Grune (Irene), possui o dom de prever o futuro no sangue esparramado de um bode, e à noite, no banquete para homenagear o romano, ela vê prosperidade para os hunos, uma outra mulher tentando Attila, e o marido na entrada de Roma. Há um certo estranhamento por ele estar na entrada, e não dentro de Roma, mas ninguém dá maior atenção. De volta à Roma, Ézio é duramente repreendido pelo imperador, o cretino e histérico Valentiniano (Claude Laydu) e sua mãe Galla Placidia (Colette Régis), por ter aceito as condições absurdas de Attila para assinar o tratado de amizade. Ele argumenta que Attila é perigoso e o tratado fará com que eles ganhem tempo para treinar e armar o exército romano contra um futuro ataque dos hunos. O imperador e sua mãe não dão qualquer atenção a Ézio e ele é posto em prisão domiciliar.

Grune (Irene Papas): Lendo o futuro no sangue de um bode...
... e divertindo-se com a luta livre de Attila contra um soldado huno.

Honória (Sophia Loren)
A cena é toda testemunhada pela irmã de Valentiniano, Honória (Sophia Loren), que odeia sua família e resolve usar a situação em proveito próprio. Ela vai até os aposentos de Ézio e tenta cooptá-lo para o plano de afastar seu irmão e sua mãe, deixando o caminho livre para eles dois. Ézio se recusa, afirmando que ela é tão falsa quanto seus parentes e cita seu próprio juramento de defender Roma. Ela vai embora indignada. Enquanto isso, Attila já começou a planejar o ataque dos hunos ao império romano. Bleda é contrário à idéia e lembra ao irmão o fato de terem acabado de assinar um tratado muito vantajoso com os romanos. Attila faz pouco do tratado e tanto os irmãos quanto os seguidores de cada um tem uma briga violenta. Pouco depois fazem as pazes mas percebe-se que a intenção de Attila continua sendo a mesma. No dia seguinte o seu conselheiro, Onegésio (Eduardo Ciannelli) lhe traz uma mensagem de Honória. Não conseguindo dobrar Ézio, ela toma medida bem mais radical: suplica a Attila que a livre da escravidão e a tome como esposa, lembrando ao huno que o dote é nada menos do que metade do império romano ocidental. Inclui seu anel na mensagem, como garantia. Bleda e Onegésio ficam satisfeitos com a oferta, que sinaliza a posse de metade do império sem que uma gota de sangue seja derramada. Mas Attila considera Honória uma mentirosa e sai para uma caçada com Bleda e os outros.

Chega a mensagem de Honória: Grune (Irene), Attila (Quinn),
Bleda (Manni) e Onegésio (Ciannelli)

Galla Placidia (Colette Régis), Honória (Loren),
Valentiniano (Claude Laydu) e o simpático
guepardo provador
A caçada já estava toda planejada pelos seguidores de Attila e nela eles assassinam Bleda, que representava um obstáculo para os planos bélicos de seu irmão mais novo. Durante a cremação do rei assassinado, Attila é hostilizado a princípio mas consegue açular o povo e deixá-lo a seu favor, com promessas de prosperidade e de dominação do mundo. Os hunos partem em direção à Roma saqueando, pilhando e destruindo com selvageria os povos por onde passam. A essa altura, Galla Placidia é informada da mensagem mandada por Honória ao rei dos hunos. Ela tem uma discussão terrível com a filha e em seguida convoca uma reunião na qual desculpa-se sincera e humildemente com Ézio, transformando-o em chefe absoluto e plenipotenciário do exército romano. Valentiniano manda prender Honória mas Galla permite que a filha vá embora. Ela aproveita e segue imediatamente para o acampamento dos hunos. Ao entrar na tenda de Attila, Grune avisa o marido que ela é a mulher da previsão, e que ele deve mandá-la embora. Ele ignora Grune e recebe Honória. A conversa é tensa, ficamos sabendo que eles já se conheciam e que Honória reagiu a uma investida de Attila virando um copo de vinho em sua cara. Ele se mostra ainda ressentido com o fato antigo, mas isso não impede que os dois se beijem.

Grune alerta Attila sobre Honória, que aparece e é recebida.
Loren e Papas num mesmo frame.

Irene fazendo bico e um casal incompatível
Attila, entretanto, não dá qualquer confiança à Honória e o que se esperava que acontecesse em termos de romance, não acontece. O encontro deles é frustrante. A melhor cena dessa parte do filme é Irene, linda, passando por eles com cara de brava, amuando como uma criança e tendo verdadeiro ataque de ciúmes. Mas o plano de Honória, como se viu, saiu pela culatra e ela acaba morta quando o exército de Attila e de Ézio se enfrentam. Ézio também morre durante o combate e não consegue prevenir a chegada do hunos aos portões de Roma.

As baixas entre os hunos não são tão numerosas, mas um dos filhos de Attila é morto por uma flecha com a qual um romano moribundo pretendia acertar o rei dos hunos. Quando Attila está prestes a entrar em Roma, porém, ele vê uma procissão cristã passando. Pede satisfações ao líder da procissão, que se identifica como sendo o Papa Leão I. Os dois conversam e o filme assume, de uma hora para a outra, um aspecto de filme religioso meio sem-vergonha, de deslavada propaganda católica; uma voz em off conta que ninguém sabe o que foi dito pelo papa ao huno, mas logo depois Attila ordena que seu exército dê meia volta e vá embora. E o filme termina com a projeção de um cruz no céu azul. Uma coisa inesperada e apelativa.

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Irene, no camarim de Attila
(Esta e as duas fotos seguintes vem deste site)

Transformando-se m Grune
Há alguns comentários a serem feitos sobre Attila. Primeiro: os diálogos são bobos e superficiais, além de derrapadas tenebrosas como a cena final, mencionada acima, mas em geral os roteiristas trabalharam bem com aquilo que tinham. Rua morreu em 434, foi sucedido pelos dois sobrinhos e os hunos rediscutiram os termos de seus tratados com o império romano. Só que esses tratados eram com o imperador Teodósio, em Bizâncio, e não com Valentiniano, em Roma (ou Rávena). Durante dezesseis anos, as investidas hunas foram contra Bizâncio. Somente em 450, cinco anos após a morte de Bleda (cujas circunstâncias são inconclusivas e discutidas até hoje) Attila começou a contemplar um ataque a Roma. Quanto à mensagem de Honória, é verdadeira mas seu conteúdo, suas razões e o divertido quiproquó que causou são outros: ela estava desgostosa porque Galla Placidia queria obrigá-la a se casar com um velho poderoso qualquer e pediu ajuda a Attila para que ele interviesse ou impedisse o casamento. Mandou seu anel com o mensageiro, certamente para que se pudesse atestar a autenticidade da mensagem. Enlouquecido, Valentiniano escreveu ao rei os hunos desautorizando a mensagem. Attila, porém, viu no anel uma proposta altamente rentável para ele e para os hunos e chegou a cobrar a mão de Honória em duas ocasiões. Ela foi exilada e não há registro de que sequer tenha conhecido Attila pessoalmente.

Mandado um lanchinho embutido antes de matar e pilhar

O encontro com o Leão I ocorreu em 452 e não teve nada de transcendental. Embora em maior número, os hunos haviam sofrido baixas enormes em destacamentos deixados para dominar prisioneiros de cidades já conquistadas. Somando-se isso ao fato de que o próprio exército de Attila estava sendo dizimado por todos os tipos de doenças, entende-se perfeitamente o porquê dele ter recuado. Enfim, os roteiristas espremeram os últimos vinte anos de Attila em um espaço curtíssimo de tempo.

Sua esposa Grune é um amálgama das várias mulheres de Attila. Sabe-se que ele teve filhos com duas delas, Kreka e Íldico. Na época do embate com o exército de Valentiniano, contudo, seus filhos já eram crescidos e dividiam com ele o governo de algumas conquistas hunas. Quanto à performance de Irene, é apenas risível. Seu papel é mínimo e a idéia de que uma mulher que certamente foi entregue à força a um líder selvagem e cruel, de quem se tornou escrava de cama e mesa, teria ciúmes dele com outra mulher, é absurda demais. Quinn está ótimo no papel que sempre lhe caiu como luva: o bully valentão que subjuga a todos pela força. Loren é um par de seios. Só.

Irene, na foto promocional da versão alemã de Attila

Jack Palance e Anthony Quinn: na comparação,
a versão norte-americana dá pena
O segundo comentário é sobre a coincidência (ou não) de outro filme sobre Attila (Sign of the Pagan, direção de Douglas Sirk) estar sendo produzido nos Estados Unidos exatamente na mesma época, com Jack Palance no papel do rei dos hunos. Neste caso o que salta ao olhos não é apenas a coincidência mas a evidente superioridade da produção italiana, em todos os sentidos. O filme de Sirk romanceia completamente a vida de Attila e o personagem vira um sujeito fraco, que não consegue se definir entre ser um demônio que mata a própria filha ou um líder por vezes equilibrado, que respeita e teme o cristianismo. No mais, a produção norte-americana é capenga; os acampamentos militares são toscos, os palácios são pobres, os cenários tem cara de papelão; sentimos o confinamento do estúdio. O filme italiano faz milagre com seu orçamento; a fotografia é ótima, os figurinos e adereços são primorosos, a cidade dos hunos é mostrada à noite, sem aquela iluminação fake dos filmes norte-americanos; o palácio de Valentiniano é convincente e traz a sensação de opulência decadente que consta no roteiro. As cenas de batalha são ótimas. E embora Palance fosse um bom ator, Quinn é um Attila melhor, assim como chega a ser covardia colocar duas mulheres magníficas como Papas e Loren para competir com a beleza fria e sem graça de Ludmilla Tchérina.

O filme de Sirk estreou nos Estados Unidos em 18 de dezembro de 1954. O filme italiano estreou na Itália nove dias depois. Só chegaria aos Estados Unidos em 1958.
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Bibliografia:

Agradecimento especial à Larissa Maragno e Tom Anderson

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