sexta-feira, 25 de março de 2011

William Salém, a Morte do Corrupto


William Salém, na década de 50
“Pessoalmente, não sendo
político militante, nem sequer
um jornalista especializado no
comentário político, não tenho
nenhuma razão para ser contra
Adhemar de Barros, Salém, Paulo
Lauro e outras grandes figuras
que a Penitenciária esqueceu.”

Luis Martins
(Estadão, 23/12/1955)


Comprei certa vez um livrinho chamado Os Três Segredos (que fizeram o político mais votado do Brasil), de José Hamilton Ribeiro, onde o jornalista cobria de elogios o ex-governador Franco Montoro. O livro era desinteressante, como o foi, de resto, a vida de Montoro, mas um determinado trecho me chamou a atenção: a maneira como Hamilton descreveu a eleição para a presidência da Câmara Municipal, em janeiro de 1954. Detalho o episódio no artigo a seguir então não é necessário esmiuçá-lo aqui. Basta dizer que William Salém, o vereador que saiu vitorioso no segundo turno da eleição, foi acusado com todas as letras, de ter comprado no próprio plenário os votos que o elegeram, derrotando seu adversário, o velho e respeitadíssimo João Sampaio.
Franco Montoro

Quando li esse livro Montoro já estava morto há alguns meses, mas Salém estava vivo, e aproveitei a pesquisa que eu então iniciava, sobre Jânio, para procurá-lo, utilizando também o livro de Hamilton como pretexto, caso ele quisesse desmenti-lo. O político, na época com quase 80 anos, me recebeu em sua bela casa nos Jardins. Era um velho baixinho, muito simpático e começamos a entrevista com seu desmentido, que foi categórico. Disse-me que Montoro já estava provavelmente "caduco" quando deu esse depoimento a Hamilton e lamentou que o ex-governador não mais estivesse vivo para debater o assunto pessoalmente. Revelou-me inclusive que na eleição do ano seguinte para presidência da Câmara, contou com o voto do próprio João Sampaio, o que, pra falar a verdade, não verifiquei até hoje. Conversamos por algumas horas e nos despedimos amistosamente. Na saída, ele me levou até a porta e me deu um bombom Sonho de Valsa (todos os comentários mais atuais de Salém a respeito deste ou daquele fato, ao longo do artigo, vêm dessa nossa entrevista).


João Sampaio, em quadro
de 1929 pintado por Joaquim Dutra

Saí de lá com uma sensação estranha. Salém havia sido vereador várias vezes, deputado federal e até prefeito, por três meses, em 1955. Fôra adhemarista mas confessou-me ter ficado amigo de Jânio, depois de algumas alfinetadas mútuas. Falou com sinceridade de seus desafetos e de suas amizades dentro da política. Tinha boa memória, era inteligente e articulado. Falava com aquela admirável eloqüência dos advogados formados pelo Largo São Francisco na primeira metade do século XX. Por que estaria tão esquecido? Salém parecia fora do radar. Não que sua interinidade no Executivo Paulistano tenha tido qualquer relevância - não teve - mas eu jamais ouvira sequer uma palavra sobre ele, dentre as dezenas de entrevistas que já fizera, e mesmo em meio aos meus estudos.

José Hamilton Ribeiro
Semanas depois, pesquisando na hemeroteca da Câmara, pedi que me mostrassem as pastas relativas a Salém. Foi quando a bigorna caiu na minha cabeça. Havia cerca de uma centena de artigos de jornal que iam de 1954 a 1981. Fiquei estarrecido com o que vi: todos, absolutamente TODOS, eram sobre escândalos de corrupção, pancadarias, atropelamentos, acusações de malversação de verbas, brigas com políticos ou jornalistas, compra de votos, processos criminais, processos de injúria, e assim por diante. Será possível que estão falando daquele velhinho nanico que me deu um Sonho de Valsa??, pensei. E acordei a pauladas do sono de minha ignorância.

Leiam. O que vem a seguir é um resumo do que vi naquelas pastas, misturado com o que o próprio Salém me contou, e trazendo ainda alguns detalhes de minha pesquisa. Escrevi este artigo há alguns anos mas deixei-o guardado. Na época surgiu a possibilidade dele ser publicado no suplemento literário de um jornal; tal, porém, não ocorreu. Há poucos dias soube que Salém morreu em junho de 2010, então imagino que este seja, por fim, o momento de publicá-lo. Atualizei-o ligeiramente, sobretudo nos tempos verbais, pois ele estava vivo quando o escrevi. Peço desculpas pela ausência de mais fotos do próprio Salém, mas ele não foi, infelizmente, indivíduo dos mais fotografados.

A vida de Salém é uma coisa inqualificável. Não encontro palavras para caracterizá-la. Deixo essa tarefa para vocês.

Divirtam-se. Se conseguirem.
Bernardo
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A presença de um elenco de vereadores tão lamentável na egrégia Câmara que abrigou homens da estatura moral de Albuquerque Lins e Washington Luís, nos dá a desoladora impressão de que, nos últimos anos, a corrupção e a incompetência infectaram definitivamente as mais variadas esferas do poder público da cidade de São Paulo.

Washington Luís
De fato, a estrutura do poder, na Paulicéia, está caindo de podre. O erro está em pensar que isso começou somente de uns anos para cá. A redemocratização de 1945 reabriu as câmaras municipais em todo o país e as eleições para a edilidade voltaram a acontecer a cada quatro anos, a partir de novembro de 1947. A primeira legislatura paulistana foi especialmente notável. Políticos renomados que não tiveram a oportunidade de se candidatar para as constituintes federal e estadual em dezembro de 45 e janeiro de 47 (ou se candidataram às pressas e acabaram derrotados pela exigüidade de tempo para a campanha), decidiram pleitear uma cadeira na recém-reaberta Câmara Municipal, que naquela ocasião se localizava no belíssimo Palacete Prates, na rua Líbero Badaró. Assim, o povo de São Paulo, que não votava para a vereança desde 1936, levou para a Câmara um elenco original e eclético, que misturava jovens combativos e promissores, como Jânio Quadros e Cid Franco, com inteligências premiadas de um passado recente, como Marrey Júnior e João Carlos Fairbanks.

Adhemar voltava ao governo do Estado, depois de sua vexaminosa deposição da interventoria paulista, em 41, por acusações abundantes de corrupção, e não demorou muito para que suas atitudes demonstrassem que ele não havia mudado. Seu partido, o PSP, tinha a bancada majoritária na Câmara. O PDC, o PTB e o PSB eram incipientes. O fisiologismo ficava por conta do PSD, partido de Dutra e de seu genro, Novelli Júnior, vice-governador de São Paulo, mas no cômputo geral, com raras exceções, todos eram preparados e discutiam com propriedade os problemas do município.

Adhemar, no maravilhoso
traço de Nássara

O mesmo não se podia dizer dos prefeitos. Em pouco tempo, o PSP se amoldou inteiramente às trampolinagens de Adhemar, e ele se valeu da lei que impedia as eleições diretas na capital (e em diversas cidades do interior) para aboletar seus asseclas na prefeitura de São Paulo. De meros economistas, como Milton Improta, até ilustres desconhecidos, como Asdrúbal da Cunha, escolhido em uma sessão de macumba nos Campos Elíseos, qualquer um servia para ser prefeito. Bastava não apresentar resistência ao sistema de corrupção que se instalava rapidamente em todo o Estado. E um político que ganhou fama por rezar fervorosamente pela cartilha adhemarista foi o advogado Paulo Lauro. Com a saída do arquiteto Cristiano Stockler das Neves, que não suportou a influência do governador e pediu demissão depois de apenas 5 meses na prefeitura, Lauro foi nomeado prefeito em agosto de 47.

Paulo Lauro
Seu governo de doze meses entrou para a história como um dos mais corruptos e incapazes que a cidade já teve. Superfaturamento, publicidade em excesso, desconto irregular de promissórias e falsificação de documentos eram algumas das dezenas de acusações de que Lauro era alvo corriqueiramente. Adhemar fazia ouvidos moucos, mas a Câmara não se calava diante de tanta indignidade. Estrábico e escanifrado, Jânio Quadros berrava da tribuna, iniciando a batalha que travaria durante anos, contra o adhemarismo: “Um prefeito inoperante, faccioso e partidário! Atenta contra tudo aquilo que tem consagrado administrações anteriores, como Vv. Excias. o vêem, em caso concreto, atentatório à cultura e a educação municipal. O que S. Excia. é, é um grande demagogo, que se faz acompanhar invariavelmente de bandas de música e cortejos, quando inaugura qualquer empreendimento, ou qualquer realização, que, meses depois, deverá ser fechado por falta de aparelhagem necessária, ou por não possuir nem mesmo material humano, imprescindível, no caso. Eis aí o que faz S. Excia.”. Tantos foram os desmandos, que em 1951, chegaram a ser enfeixados no livro Terra Arrasada, escrito por Osvaldo Chateaubriand, destemperado irmão de Assis Chateaubriand, soba dos Diários Associados.

E foi no ventre dessa administração desastrosa, como oficial de gabinete, que nasceu politicamente um personagem que também entraria, muito em breve, para os anais da corrupção paulista: o advogado recém-formado William Salém.

Natural de Itapetininga, Salém nasceu em 1921 e veio ainda criança para São Paulo, iniciando seus estudos no Colégio Oriental, muito freqüentado pela colônia libanesa. Com 19 anos começou a cursar a Faculdade de Direito do Largo São Francisco; sua turma fez inúmeros desembargadores e ele teve colegas de classe como Hélio Bicudo e Brasil Vita. Formado em 46, engajou-se imediatamente na campanha vitoriosa de Adhemar de Barros para governador, impressionado com as obras que este realizara na Interventoria, e candidatou-se a deputado estadual. Teve 553 míseros votos e como recompensa, ganhou o cargo de oficial de gabinete de Paulo Lauro, quando este foi guindado à prefeitura. Acompanhou Lauro em sua malograda aventura como prefeito e em maio de 1948, recebeu a primeira das incontáveis acusações de corrupção que receberia ao longo de sua vida pública. O acusador não era outro senão Jânio Quadros, e a acusação era bizarra: venda ilegal de terrenos nos cemitérios de São Paulo. Disse Jânio em Plenário, no dia 24 de maio de 1948:

Há cerca de um mês o Sr. Administrador do Cemitério de São Paulo, no qual não há terrenos para novos jazigos, e no qual uma quadra acaba de ser aberta, recebeu ordem, através de um memorandum, para ceder a uma única pessoa 109 metros quadrados para um túmulo. Notem Vv. Excias., 109 metros quadrados para um único interessado, que com toda certeza erguerá naquele campo santo um mausoléu assim majestoso, que aquele da história ou da lenda há de parecer apenas um modesto ossário.

Horrorizado com esse mercado negro de jazigos, o chefe da divisão responsável pediu providências ao prefeito, sem saber que os memorandos vinham da própria prefeitura, assinados por um assessor direto de Paulo Lauro, chamado William Salém. Jânio obteve um dos memorandos e declarou:

O que quero provar é que o câmbio negro existe, e que o câmbio negro não é estranho ao Executivo. E provo, através deste pedido ilegal do gabinete do Sr. Prefeito assinado pelo Sr. William Salém, que contraria o dispositivo que regula a matéria. Que mais querem Vv. Excias.? Quando um membro do gabinete do governador da cidade endereça uma carta pleiteando para alguém cousa absolutamente ilícita, em nome do Sr. Prefeito e em memorandum, e manuscrito, eu indago, de quem é a responsabilidade pela ilicitude? É do Sr. William Salém ou do Sr. Prefeito Paulo Lauro?

Jânio Quadros
Pensava-se que alguma providência seria tomada mas isso jamais ocorria, porque a instância superior ao prefeito era o governador, e Adhemar não dava a mínima para os escândalos de corrupção que estouravam aqui e ali, na Capital e no interior. Estava preocupado demais com as acusações e investigações de que ele próprio era objeto. Assim, foi com assombro que Jânio e seu companheiro, o vereador Cid Franco, descobriram, em agosto, que ao invés de punir Salém, Paulo Lauro o havia despachado para o Rio de Janeiro, “estudar a questão do trânsito na Capital Federal”, por 90 dias, sem prejuízo, obviamente, de seus provimentos como oficial de gabinete do Prefeito. Cid foi à tribuna e revelou a farsa, afirmando que Salém “não é engenheiro, não é urbanista, não é técnico em assunto de trânsito. A prefeitura tem mais de 100 engenheiros. (...) Por que, então, o afastamento do advogado William Salém, pelo prazo de 90 dias, para estudar a questão do trânsito na Capital Federal? É estranho”. Dias depois foi a vez de Jânio lembrar as agradáveis férias de Salém no Rio, comentando que Paulo Lauro “manda ao Rio de Janeiro, para estudar o problema, um leigo, completamente ignorante do assunto. Entende tanto de trânsito como eu da bomba atômica. (...) E mais, enviou este advogado de seu gabinete, ser privilegiado, que jamais prestou reais serviços à Procuradoria, sem sequer comunicar o fato ao atual Diretor do Serviço do Trânsito. Ficou sabendo este Diretor (...) pela leitura dos jornais (...) que o Sr. William Salém embarcara para o Rio de janeiro, comissionado por três meses, para estudar lá o assunto”.


Jânio

Pra variar, a corda estourou do lado mais fraco. Em dezembro de 48, quando Lauro já havia sido apeado da prefeitura pela rejeição sumária de suas contas, Jânio comentou que o inquérito sobre a venda de jazigos “apurou a responsabilidade de um único pobre diabo, um humilde funcionário. Não encontrou mais ninguém a quem responsabilizar em particular, não encontrando responsabilidade alguma dos membros do gabinete do ex-Prefeito Paulo Lauro, inclusive do Sr. William Salém, de quem tenho ordens escritas mandando vender terrenos”.

Nas eleições de outubro de 1950 Salém tentou pela segunda vez um posto na Assembléia Legislativa. Mais um vexame. Com 3.983 votos, pegou a 17ª suplência do partido. Não se deu por vencido, e no fim de 1951 elegeu-se, por fim, vereador da Capital pelo PSP com 2.746 votos. Os primeiros dois anos de seu mandato transcorreram sem qualquer destaque, embora fosse voz corrente, na Câmara, que Salém fazia parte da “tropa de choque” de Adhemar. Fora da política, ele ganhou notoriedade graças a um fato grotesco. Em julho de 52, atropelou o menor Francisco Sílvio Rosa, que morreu em decorrência dos ferimentos. Ao invés de enviar condolências aos pais do garoto, Salém reclamou deles uma indenização pelos danos que seu carro sofrera com o acidente. Como se isso não fosse suficientemente sórdido, oito dias depois o vereador ainda atropelou outra pessoa; um senhor que andava pela rua Florêncio de Abreu.

Propaganda de Salém para a eleição de 1950

Cantídio Sampaio
Em janeiro de 1954, o mandato de Cantídio Sampaio na presidência da Câmara chegou ao fim e Salém se candidatou ao cargo. Seu rival era ninguém menos do que o venerando João Sampaio, do Partido Republicano. Figura ínclita da república velha, o genro de Prudente de Moraes e ex-senador por São Paulo já passava dos 75 anos, naquela ocasião, e sua eleição era tida como certa. O próprio Adhemar tentou desencorajar Salém, sob o ridículo pretexto de que não era conveniente que um filho de imigrantes presidisse a Câmara durante os festejos do IV Centenário da cidade. Não conseguiu (o cacique pessepista preferia Paulo Vieira para essa eleição, porque desejava agradar o senador Euclides Vieira, irmão do vereador). Desferida a votação, o resultado caiu como uma bomba no plenário: empate. Vinte e dois votos para cada um. O voto que teria decidido a eleição era o do próprio João Sampaio, que em sua absurda humildade, não votou em si próprio e deu seu voto a Marcos Mélega, que nem era candidato. Aturdidos, os vereadores partiram para um segundo turno, do qual Salém saiu vitorioso, com 25 votos.

Montoro, na época de Vereador

A repercussão foi a pior possível e a cabal suspeita da compra de votos varreu a cidade. Franco Montoro, que estreava na política como vereador do PDC, deixou em suas Memórias um relato sobre esse segundo escrutínio: “Procedeu-se a uma segunda votação. Pude, então, observar William Salém e seus aliados promovendo uma compra escancarada de votos. Feita nova apuração, Salém venceu. Era demais. Sem pensar duas vezes, fui à tribuna anunciar que, naquele momento, renunciava a meu mandato de vereador. (...) Era preciso afirmar que houvera compra de votos - suborno e corrupção de vereadores que trocaram sua honra por um cheque. O passar do tempo e a cabeça fria não mudaram minha decisão. Eu não me sentiria bem numa Câmara presidida por William Salém. (...) Entre meus companheiros de Câmara, alguns distinguiam-se pelo trabalho dedicado em favor dos paulistanos, (...) outros, enfim, salientaram-se pelo lado negativo da corrupção, como William Salém” (Memórias em Linha Reta, Senac, 2000). Salém, anos depois, deu sua própria versão do fato:

Montoro

“Fomos ao segundo turno. Neste segundo turno, alguns eleitores que haviam prestigiado a candidatura do ilustre vereador João Sampaio acharam que, uma vez que ele não merecia seu próprio voto, também não merecia o deles, e votaram espontaneamente em meu nome. Então toda a referência feita pelo vereador André Franco Montoro é inexata; mais do que isso, é mentirosa. (...) O que ele vivia era num poço de ciúmes, era um homem ciumento, que morria de ciúmes do prefeito Jânio Quadros. E de tal forma foi honrada e honrosa a minha administração, que em 1955, quando houve minha candidatura à reeleição, o vereador João Sampaio foi um dos meus eleitores”. Salém aproveitou também para ironizar a renúncia de Montoro. “A renúncia dele foi efetuada, sem prejuízo nenhum para a Câmara Municipal, porque lá ele não representava nada de construtivo para o município, não era uma figura importante e nem das mais eloqüentes”. A imprensa noticiou ruidosamente a eleição, e uma declaração do jornalista Paulo Duarte deu início a outra celeuma. Em entrevista ao Correio Paulistano, Duarte descreveu a maioria que elegeu o novo presidente como “vinte e cinco imundos contra a dignidade de São Paulo”. Em seguida, perguntado sobre o que achava do presidente da Câmara, respondeu laconicamente: “Um dos vinte e cinco”.

Paulo Duarte
Salém o processou por calúnia e difamação. Duarte, que abominava Adhemar e sua camarilha, resolveu encarar o desafio. Intimado a depor, mandou um documento explicando que não pretendia caluniar o vereador, pois sequer o conhecia, senão pelo farto noticiário em torno de suas “atividades ditas políticas e particulares, pelo mesmo sr. Salém”. Aludiu ao episódio bizarro da morte do menino Francisco: “A revista Anhembi, de que é o suplicante diretor, já fez referências a um atropelamento, após o qual, o sr. Salém, depois de ferir gravemente ou matar uma criança com a sua cadillac, declarou pretender indenização da família da vítima pelos estragos que a cabeça da criança havia causado no pára-lamas do mesmo cadillac”. O fim da violenta exposição mostra que o jornalista estava preparado para enfrentar Salém nos tribunais a qualquer hora: “Não os junta estes dados, agora, por não serem ainda necessários, mas fá-lo-á incontinenti se assim, não o sr. Salém, que os sabe de cór e salteado, por serem episódios marcantes de sua personalidade, mas V. Excia. o determinar”. O processo contra Paulo Duarte acabou ali.

Em julho de 54, Salém teve outra briga com a imprensa. Desta vez foi com o jornalista das Folhas, Lauro d’Agostini. Em sua coluna, “Câmara Pitoresca”, d’Agostini fez comentários sobre um comício em que Jânio, agora candidato a governador, falava do mercado negro de terrenos de cemitério que acusou quando vereador, e que tinha Salém como protagonista. Salém foi à tribuna da Câmara e vociferou contra o jornalista. Chamou-o de “inepto, incapaz, caluniador, incurso nas penalidades previstas nas contravenções penais”, e classificou-o como “um atingido nos seus objetivos pessoais que atira contra mim as lamas que o envolvem”. Ainda disse que enquanto fosse presidente da Câmara, d’Agostini não poria mais os pés ali. O escritor e jornalista Arruda Castanho, então vereador pelo PDC, sentiu-se atingido e aparteou, dizendo que ao presidente nada cabia fazer, senão exigir que a prefeitura apresentasse o referido processo, ou processar d’Agostini, sendo qualquer outra medida um abuso de autoridade. Salém não deu o braço a torcer e proibiu o jornalista das Folhas de voltar à Câmara. Evidentemente, a proibição era tão despótica quanto inútil, e Lauro d’Agostini continuou freqüentando a Câmara normalmente. Mas a imprensa nunca esqueceu aquela desfeita, e comprou uma briga eterna com Salém.

Realizaram-se, em outubro daquele ano, as eleições para o governo de São Paulo. Jânio Quadros e Porphyrio da Paz – respectivamente prefeito e vice-prefeito – foram eleitos. Além de deixarem a prefeitura acéfala, Jânio e Porfírio exerceram os cargos obtidos no célebre “22 de março” por menos de dois, dos quatro anos de mandato, o que significava que uma nova eleição, marcada para maio de 55, teria que ser realizada. O novo prefeito teria, então, um mandato-tampão até as eleições municipais de 57, quando terminaria, originalmente, o mandato de Jânio. Até que a eleição extraordinária de maio ocorresse, porém, a prefeitura teria que ser assumida pelo presidente da Câmara. Salém imediatamente apresentou sua candidatura à reeleição. Seu novo oponente era outra figura impoluta: o professor Valério Giulli, do PDC, partido que Salém sempre odiou, e ao qual se referia como “a igrejinha”. O pessepista venceu Giulli em um único escrutínio. Mais uma vez, sua vitória causou profunda estranheza. Para a população mais politizada e para a imprensa, era incompreensível que um político de atitudes e caráter tão questionáveis, como Salém, pudesse conquistar a presidência da Câmara por dois anos consecutivos, e especialmente naquele ano, em que teria que ocupar a prefeitura, ainda que por pouco tempo.

Porphyrio e Jânio
Tomou posse como prefeito em fevereiro de 1955. Seu mandato transitório seguiu a linha inovadora iniciada por Jânio, e deixou mais lembranças boas do que más. Concluiu pequenas obras deixadas por seu antecessor, como a instalação de escadas rolantes na Galeria Prestes Maia e a reforma do Teatro Municipal; fez aprovar e sancionou a lei de Jânio que criava o Pronto-Socorro Municipal, reformou o Parque da Aclimação, instalou holofotes no estádio do Pacaembú, o que permitiu a realização de jogos noturnos no estádio, e começou a pavimentação dos dois primeiros quilômetros da marginal direita do Rio Tietê, dando início, finalmente, ao projeto de Prestes Maia que estava engavetado desde 1940. Sua prioridade, entretanto, foi a C.M.T.C., seguindo mais uma das diretrizes de Jânio. O próprio Salém costumava dizer que foi “mais prefeito da C.M.T.C. do que de São Paulo”. Datam de sua gestão a implementação de catracas e a criação das chaminés que expelem a fumaça pela parte de cima do ônibus, todos projetos engavetados que ele aprovou e sancionou. Salém também diminuiu de 14 para 5 o número de funcionários responsáveis pela manutenção de cada veículo, na medida em que unificou as marcas utilizadas pela empresa, vendendo as minoritárias, e acabando, assim, com a absurda existência de 4 ou 5 almoxarifados diferentes em cada garagem.

Fioravante Iervolino

Nem tudo eram rosas, porém, entre o prefeito e o presidente da C.M.T.C. Nomeou o vereador pessepista Fioravante Iervolino - figura proeminente em Guarulhos e dono de uma empresa particular de transportes públicos - para o cargo, mas já em março, os dois se desentenderam. Salém revogou um decreto que aumentava as tarifas de ônibus e bondes, do fim do governo de Jânio, e exigia, em contra-partida, que fossem demitidos 1.500 funcionários da empresa, que julgava excedentes. Como Iervolino se negasse a cumprir a ordem, sob alegação de que o decreto de Jânio estava certo e o aumento de tarifas era o único meio de salvar a empresa, Salém o demitiu sumariamente e viajou para o Rio, a fim de reunir-se com Café Filho. De volta a São Paulo, no dia seguinte, soube que Iervolino não tomara conhecimento da demissão, pois esta só poderia ser efetuada através de uma assembléia geral da empresa. Enfurecido, o prefeito dirigiu-se ao escritório que o vereador ocupava, na C.M.T.C., e depois de um áspero bate-boca, se estapearam até que chegou gente para contê-los. Nos dias que se seguiram, os dois continuaram o bate-boca através da imprensa, e a coisa só acabou quando Lino de Matos venceu a eleição para a prefeitura em maio e Salém voltou para a presidência da Câmara, que estava sendo exercida interinamente por seu vice-presidente, o vereador Jarbas Tupinambá de Oliveira. A demissão de Iervolino teve uma conseqüência interessante; em seu lugar, ainda que por um curto período, Salém colocou o general Euclydes Figueiredo, veterano de 32, mártir do Estado Novo e pai do presidente João Figueiredo.


Mas a tranqüilidade de Salém duraria pouquíssimo tempo, porque em outubro ele foi diretamente envolvido com um escândalo financeiro de proporções gigantescas, conhecido como “O caso da tesouraria da Câmara Municipal”. Resumindo, com base em toda a imprensa da época, o pessepista passara uma lei que subordinava a tesouraria e a contabilidade da Câmara à presidência; contratou um laranja, José de Barros Júnior, para ser o tesoureiro e começou a sacar quantias altíssimas dos cofres da Casa, que depositava em uma conta aberta para o tesoureiro, e que eram, então, repassadas, em forma de empréstimo, para os irmãos João e Antônio Adib Chammas, donos do Moinho São Jorge, que estavam tendo problemas para liberar uma partida de trigo, retida no porto de Santos. É lógico que o valor sacado por Salém era muito superior ao empréstimo, e que os juros que cobrava dos dois irmãos eram exorbitantes. Quando o rombo foi descoberto, Barros Júnior foi o primeiro a ser procurado, e pouco falou. Uma comissão de inquérito foi constituída para apurar os fatos, e percebendo que Salém jogaria sobre ele a culpa de tudo, Júnior voltou atrás e confessou sua participação. Detalhou em pormenores a operação e incriminou o presidente da Câmara e os irmãos Chammas.

Antônio Adib Chammas
Salém fez questão de não se desligar da presidência, atitude que o Estadão, meses depois, atacaria ferozmente: “Salém não tomou nem mesmo a primeira providência que um homem de bem, vítima de uma suspeita, adotaria em condições idênticas ou semelhantes. Não se afastou do cargo, não procedeu como o indivíduo seguro de sua honestidade, que facilita as diligências para que, no prazo mais breve possível, seja proclamada a sua inocência”. Ao contrário. Na qualidade de presidente da Câmara, Salém fez absolutamente tudo para obstaculizar as investigações. Tentou impedir a leitura dos relatórios da comissão em plenário, dificultou o acesso da comissão a documentos, intimidava funcionários internos, inventava votações para o arquivamento da sindicância, e, paralelamente, trabalhava a opinião pública com cuidado, de olho nas eleições do legislativo, que se avizinhavam. Conclusão: Salém conseguiu passar para o povo de São Paulo a impressão de que era vítima de uma cruel perseguição, e no centro daquele torvelinho de corrupção, se reelegeu vereador com 15.297 votos, a maior votação da Casa.

Luís Martins, jornalista que mantinha, no Estadão, uma coluna intitulada “Coisas da Cidade”, não escondeu seu estarrecimento com o resultado das urnas: “Mas será possível que muitos paulistas bem-intencionados ainda não tenham visto o que é essa perigosa quadrilha, cuidadosamente organizada para saquear o Estado e o Município? Será possível que ainda não tenham reparado na curiosa coincidência de não haver em São Paulo um crime de concussão, de peculato, de desvio de verbas, de negocismo escuso, de liberalidade com os dinheiros públicos, em que não esteja metido um correligionário do ex-interventor, ou pelo menos um indivíduo formado na sua escola, à sombra de sua influência política? Os Paulos Lauros, os William Salém, não estão aí, à vista de todos?”


Depois de um ano, sem que se pudesse levantar, ao certo, o valor exato do montante desaparecido da tesouraria, Salém foi indiciado por peculato e corrupção passiva, os irmãos Chammas foram indiciados por corrupção ativa e Barros Júnior foi indiciado apenas por corrupção passiva. Não cumpre aqui esmiuçar a investigação feita sobre o desvio de dinheiro. Basta dizer que o Ministério Público rejeitou todos os indiciamentos, menos o de Barros Júnior, que teve sua prisão preventiva decretada, seus bens seqüestrados judicialmente, e respondeu sozinho pelo crime.

João Salgado Sobrinho

No início de 56, em meio às apurações do “caso da tesouraria”, explodiu um novo escândalo. Novo em termos, porque se tratava, mais uma vez, de uma suspeita de compra de votos para a eleição da presidência da Câmara no ano anterior. A velhacaria foi denunciada pelo deputado estadual do PRT, João Salgado Sobrinho, que, chamado a depor, preferiu negar que fizera qualquer declaração. Independente de seu recuo, mais uma comissão de inquérito foi criada, e descobriu a participação de um elemento estranho à Câmara, na trapaça: o banqueiro Jorge Abdalla. Aparentemente, saía do Banco Interestadual do Brasil, do qual Abdala era um dos donos, o dinheiro com que Salém financiava sua campanha, pagando a cada vereador 200 mil cruzeiros por voto. Até aí, não impressionava ninguém; era apenas mais uma suspeita de eleição fraudulenta que William Salém tomava parte, em conluio com um banqueiro. A surpresa veio quando surgiram indícios de que quem manobrou a operação, cooptando Abdala e os vereadores, foi ninguém menos do que o simplório vice-governador Porphyrio da Paz (provavelmente a mando de Jânio, que costumava dar corda a certos inimigos, por ver como futura concorrência a ascensão política de colegas abalizados e corretos como Valério Giulli).

Porphyrio
Arruda Castanho, agora deputado estadual pelo PSB, concluía seu mandato de vereador na época daquela eleição e prestou depoimento dizendo haver escutado da boca do vereador pessepista Altimar Ribeiro de Lima “que a dificuldade para a vitória na eleição da mesa seria o dinheiro, pois que ninguém poderia competir, nesse terreno, com o sr. William Salém”. Ainda acusou Porphyrio de levantar um milhão de cruzeiros junto a Abdala, de quem o general era amigo íntimo, para a compra dos votos. A situação de Salém se complicou quando o depoimento de Castanho foi cotejado com o de Barros Júnior, sobre o escândalo da tesouraria. Disse o ex-tesoureiro que às vésperas daquela eleição, o pessepista teria conseguido um “empréstimo” de 1 milhão de cruzeiros com o mesmo banqueiro. Verificadas as semelhanças inegáveis entre os dois depoimentos, adivinhem o que aconteceu: o inquérito prosseguiu por algum tempo, se encerrou e nada foi feito.

César Arruda Castanho

O fato de Salém haver escapado de ser processado pelo “escândalo da tesouraria” não o impediu de ter dores de cabeça com seus desdobramentos. Em abril de 57, o jornalista e vereador Freitas Nobre, do PSB, levou à Câmara toda a papelada que coligira sobre a falcatrua, incluindo documentação inédita. Foi à tribuna e afirmou que o rombo financeiro, na administração de Salém, orçava em torno de 3 milhões de cruzeiros, e não em apenas 1 milhão e meio, como se pensava até então. Veemente, demandou saber quais as providências que a Casa estava tomando para a perfeita elucidação daquele episódio de corrupção. A resposta do presidente da Câmara, Elias Shammass, colega de Salém no PSP, para esse assunto, era padronizada e jogava toda a responsabilidade em Barros Júnior: o caso estava na justiça e os bens do ex-tesoureiro já haviam sido relacionados, para saneamento de qualquer prejuízo. Mais tarde, no final do grande expediente, Salém, que até então estivera ausente, apareceu no plenário e foi para a tribuna se defender. Com um estilo de negação que hoje provoca risos, o vereador afirmou, impávido, que acontecera “justamente o contrário”, e que as verificações em torno do caso não comprovavam que o desfalque tivesse realmente ocorrido. Farto de tanta falsidade, Freitas foi ao microfone de apartes e os dois trocaram farpas. O pessepista acoimou seu detrator de “leviano e irresponsável”. O socialista descorçoou:

Ladrão! Ladrão! O sr. é um ladrão!

Foi a gota d’água. Salém tirou seus óculos e avançou para cima de Freitas Nobre. Atirando socos para todos lados, acabou esbofeteando, por engano, o vereador Coryntho Baldoíno, do PL, que nada tinha a ver com o pato e quase foi a nocaute. Transido de ódio, Salém berrava:

Devolverei o insulto!

Devolva primeiro o dinheiro! – respondeu Freitas, arrancando gargalhadas do público que se encontrava nas galerias, deliciado com o inusitado pugilato. No meio da barafunda generalizada, ainda se podia ouvir Coryntho Baldoíno gritando: “O sr. é um verme! Um verme!”, a William Salém.

Sobre o desvio de dinheiro dos cofres da Câmara, escreveu Luís Martins em sua coluna, no Estadão: “Ninguém será punido, ninguém perderá o mandato, ninguém irá para o xadrez. Daqui a algum tempo, ninguém mais falará no assunto. Quando houver novas eleições em São Paulo, Salém apresentar-se-á candidato e será eleito”. O articulista era, sem dúvida, de notável clarividência, pois foi exatamente isso que ocorreu em janeiro de 59, quando Salém voltou pela terceira vez à presidência da Câmara. E como não podia deixar de ser, a única lembrança que ficou de sua última gestão à frente do legislativo paulista foi um projeto aberrante, que reestruturava o quadro funcional da Câmara, e que foi rapidamente apelidado de “Monstrinho”. Apresentado nos últimos dias de seu mandato, o Estadão definiu o ‘Monstrinho’ como um projeto pelo qual “o sr. Salém, nos últimos dias de sua conhecida gestão como presidente da Câmara Municipal, nomeou uma infinidade de funcionários para o Poder legislativo municipal”.

No fim do ano, Salém foi eleito para seu terceiro mandato consecutivo de vereador, com 8.512 votos, e entrou no ano de 1960 recebendo uma verdadeira chuva de críticas ao ‘Monstrinho’. O projeto era tão lesivo ao erário, que em abril, o vereador José Lurtz Sabiá, do PRP, que deixava a Casa naquele dia (conseguira apenas uma suplência, no último pleito), usou-o como base para uma proposta de cassação do mandato de Salém. Na sessão do dia 13, daquele mês, Sabiá subiu à tribuna e leu seu projeto de resolução. Em seguida subiu o pessepista. Começou fazendo pouco do projeto e de Sabiá, qualificando o vereador de “pobre diabo”. A segunda parte de seu discurso é de intolerável mau-gosto: “É um triste fim este, o que marca no último dia de seu mandato, o passarinho que entendeu ser a Câmara Municipal de São Paulo uma gaiola, onde pudesse grasnar, porque não é o sabiá que trina, não é o sabiá que vai colorir as nossas manhãs com a beleza de seu trinado. Este é o autêntico urubu que apenas aprendeu a grasnar nas ruas de São Paulo e quer transportar para o augusto plenário da Câmara Municipal de São Paulo as impressões que colhe no meio da carniça, onde está acostumado a viver e a proliferar”.

O comentário, suprimido dos anais da Câmara por ser demasiadamente acintoso, incomodou até mesmo os correligionários de Salém. E Sabiá, astutamente, preferiu não respondê-lo no mesmo diapasão. Antes, procurou se manter no patamar de dignidade que exigia o cargo que estava deixando: “S. Excia., o nobre vereador William Salém, me ofendeu pessoalmente. Mas não me fere, porque, infelizmente, S. Excia., que a mim se dirigiu com chacota, e até com lirismo, não tem autoridade moral para ofender um humilde moço que aqui veio com o voto honrado do povo de São Paulo, e não como ele, que veio a esta Casa com votos comprados, através de negociatas”. Posto em votação, por fim, o projeto de Sabiá foi derrotado por 23 votos a 11.

Adhemar de Barros
Por esse período, as relações de Salém com Adhemar, que já vinham se deteriorando há tempos, azedaram de vez. O cacique pessepista, agora prefeito, era um homem atrabiliário, e começou a suspeitar que Salém, a exemplo do que ocorrera com Lino de Mattos, em 58, estava se passando gradativamente para o janismo. O estopim do rompimento foi, primeiramente, um recurso impetrado por Adhemar para anular o ‘Monstrinho’, e a eleição para a presidência da Câmara de 1960, na qual o prefeito ignorou a ambição do pessepista, de ocupar o mesmo cargo pela quarta vez, e apoiou o udenista Marcos Mélega, que foi eleito. Segundo um depoimento recente de Salém, esse “envenenamento” de Adhemar foi obra de pessepistas ressentidos, em especial, de Cantídio Sampaio. Preterido, afastou-se de seu antigo chefe, e a Folha de S. Paulo ajudou a destruir de vez qualquer possibilidade de reconciliação entre os dois, quando publicou um artigo com manchete em letras garrafais, dizendo “Adhemar acusa Salém: exigiu cem milhões para aprovar o orçamento”, referente a aprovação, ainda em 59, do orçamento para o ano seguinte.


Adhemar

O comentário foi feito informalmente, por Adhemar, a uma comissão de funcionários municipais que pleiteavam um reajuste de seus salários, e ouvido por um repórter da Folha que não pensou duas vezes em publicá-lo. No dia seguinte à publicação, o chefe de gabinete de Adhemar lançou um curioso desmentido à imprensa. O documento negava que o prefeito tivesse dado entrevistas, e em relação a Salém, dizia que a quantia requisitada pelo vereador era para pagamento de funcionários recém-contratados e “aumento dos subsídios dos vereadores”. Salém ficou possesso quando soube da acusação de Adhemar. Reuniu a imprensa na Câmara e declarou que levaria o prefeito “às barras do tribunal”, para ver se ele confirmava ou negava o que havia dito. Depois de um arrazoado sobre o orçamento aprovado para 60, comentou com desdém o desmentido que veio da prefeitura: “É uma emenda que, se não se torna pior que o soneto, pelo menos não o melhora em nada. Deve o prefeito assumir a responsabilidade de seu destempero. Quanto a uma retratação, só a aceitarei partindo da pessoa que ofendeu, e não por prepostos”.


Em maio de 60, mais um atropelamento para a coleção de Salém. Ele estacionara seu já famoso cadillac em local proibido da rua XV de novembro. Um policial que passava pelo local lhe aplicou uma multa e se preparava para seguir sua ronda quando um diretor do serviço de trânsito apareceu e lhe comunicou que o veículo tinha que ser guinchado. O policial obedeceu, e enquanto esperava pelo guincho, Salém saiu do prédio onde se encontrava e rasgou a multa, indignado. Identificou-se como vereador, entrou em seu cadillac e saiu. Na tentativa de deter Salém, o policial acabou sendo derrubado pelo automóvel, ferindo o ombro. Pegou sua bicicleta e alcançou Salém na Líbero Badaró, em um sinal fechado. Postou-se em frente ao automóvel e exigiu que o vereador descesse. Salém ameaçou passar por cima do policial, e o fez, quando o sinal abriu, mas atropelou apenas a bicicleta, pois o policial teve tempo de pular para o lado, sem se machucar. A cena provocou a ira dos transeuntes, que cercaram o automóvel e obrigaram o vereador a descer. Pouco depois chegou uma rádio-patrulha. O depoimento de Salém foi tomado num bar da Praça do Patriarca. Seu automóvel foi guinchado e o policial ferido o processou, mas o vereador foi absolvido, em julho de 61.

Ainda houve tempo para mais uma encrenca, em 1960. José Sabiá voltou à Câmara, com a saída de um vereador, e a arenga entre ele e Salém chegou às vias de fato, em dezembro. Em entrevista a um programa de televisão, o vereador e ex-prefeito creditou sua fortuna pessoal ao recebimento de heranças de parentes longínquos. Sabiá assinou, então, no semanário A Crítica, artigo em que desmentia cada uma das razões do ex-pessepista, expondo inúmeros de seus podres políticos. Ao tomar conhecimento do artigo, Salém adentrou o plenário da Câmara no momento em que Sabiá aparteava o discurso do vereador Silva Ribeiro, do PL, e o atacou por trás, desfechando vários socos em seu desafeto, que, sem tempo para se defender, caiu sobre uma cadeira, com o rosto sangrando. Apartada a briga, Salém foi retirado do plenário e Sabiá foi levado para o gabinete da presidência. Pouco depois ele voltou, apenas para avisar que iria à polícia apresentar queixa-crime contra seu agressor. Em novembro de 61, porém, Salém foi novamente absolvido. Mais covarde do que a agressão pelas costas, foi o juiz que decretou a absolvição. O noticiário da Folha de S. Paulo, acerca do assunto, mostra claramente que a decisão da justiça veio eivada de canalhice: “O edil (Salém), todas as vezes em que foi interrogado, declarou que, ao dirigir-se ao sr. José Lurtz Sabiá, este o repeliu, batendo no microfone existente na Câmara. Do choque, originou-se o ferimento. O magistrado, reconhecendo que essa versão se ajusta perfeitamente à prova, absolveu o vereador”.


Tanto a versão se ajustava “perfeitamente” à prova, que em outubro de 61, a vítima da cólera de Salém foi o próprio presidente da Câmara, Manoel Figueiredo Ferraz, genro de Adhemar. Possivelmente preocupado com seu cadillac, o vereador tentou impedir que fosse votado um projeto que aumentava o imposto de licenciamento de veículos. Solicitou da presidência uma verificação de presença, o que lhe foi negado, visto que a votação já havia começado. Histérico, gritou que considerava aquilo um “ato de violência”, e que reagiria da mesma forma. Dirigiu-se em passos rápidos a Figueiredo Ferraz, que ignorava o tumulto e fazia soar a campainha, mas foi imediatamente contido pelos vereadores mais próximos. Noticiou o Estadão, no dia seguinte: “Embora não consumada a agressão, ficou plenamente configurada a tentativa. O sr. Salém chegou a desvencilhar-se dos óculos, na previsão de possível revide”. Prometeu que iria recorrer à Comissão de Justiça, pela anulação da votação, e que se não fosse atendido, recorreria ao Judiciário.

A eleição de Prestes Maia, em março de 1961, provocou uma ruptura na linha adhemarista que marcou as administrações municipais desde 54, com Salém, Lino de Matos, Toledo Piza e o próprio Adhemar. O novo prefeito, que voltava ao cargo depois de 16 anos, pertencia à UDN, era um homem sério e em nada comungava com o adhemarismo. A prova disso é que rapidamente se pronunciou contrário ao ‘Monstrinho’, que tanto sangrara os cofres públicos. Salém passou a defender seu projeto na tribuna da Câmara, ao mesmo tempo em que encetava, com seus colegas mais chegados, uma oposição virulenta ao prefeito, que incluía desde a obstrução de projetos até a patética intervenção Estadual no município. Maia, a exemplo de Paulo Duarte, não se intimidou e respondeu, pela imprensa, que os ataques que recebia de alguns vereadores nada tinham a ver com sua administração. Declarou que um deles lhe pedira um cargo no BNDE, outro pedira por um irmão, metido em uma falcatrua na C.M.T.C. e “outras vezes, a zanga dos que o atacam é determinada por motivos de ordem estética, como acontece com certo político, muito interessado em proteger determinada funcionária”.

Prestes Maia

As afirmações de Maia indignaram Salém e seu grupo, que reclamaram a necessidade de uma “marcha popular sobre o Ibirapuera” (onde se encontrava a prefeitura), e prometeram uma ação conjunta contra o prefeito. O Estadão bateu pesado em Salém: “O ex-discípulo do improbus administrator seria, naturalmente, um dos comandantes da falange, chefia que, de imediato, classifica o sentido moralizador do movimento. (...) Na administração passada, enquanto não se incompatibilizou com seu guia espiritual, foi ardoroso defensor dos mais equívocos projetos remetidos à Câmara pelo presidente dos pessepistas. Nada afirmamos: mas as leituras das atas dos vereadores confirmará que a sua atuação tem sido das mais perniciosas, do ponto de vista do interesse público”. O fim do artigo é arrasador: “Ao fim e ao cabo, o sr. Salém e seus cupinchas demagogos parecem revoltar-se contra o sr. Prestes Maia porque os ladrões foram varridos do Ibirapuera...”.

Maia venceu a batalha. Em novembro de 62 o ‘Monstrinho’ foi definitivamente embargado na Justiça. Ironicamente, foi o recurso de Adhemar que acabou anulando o projeto. O Diário Popular chegou a aventar a possibilidade de Salém “ser chamado para esclarecer a transposição de verbas feita para atender a esse projeto”, o que não chegou a ocorrer, porque antes mesmo que a decisão da justiça fosse divulgada, Salém já havia renunciado ao cargo de vereador. Filiado ao PTB de Ivette Vargas, ele se elegeu deputado federal nas eleições de outubro. Com 9.716 votos, foi o deputado eleito com o menor número de votos em sua coligação (PTB/PSB), que emplacou nove deputados federais.

Salém ocupou a vice-liderança do PTB por algum tempo, na Câmara Federal, mas, mais uma vez, a única recordação que vem à mente, de sua passagem por Brasília, é a de que nem tomara posse, ainda, como deputado, e já era citado em um horrendo escândalo de suborno de escrutinadores. No próprio dia da eleição, um candidato de Santo André se sentiu lesado na contagem de votos, e na averiguação desse caso, alguns outros emergiram, inclusive o de Salém. Em maio de 1963, um relatório foi divulgado. A comissão de sindicância do TRE de São Paulo denunciou a adulteração dos mapas de apuração de pelo menos duas zonas eleitorais, falsificação de votos, e acusou Salém de suborno. Diz o relatório: “Conforme o mapa de fls. 87-88, foram verificadas as urnas e determinadas as apreensões de cédulas com suspeita de fraude e, com dolorosa surpresa verificou a Comissão que William Salém obtivera, por meios ilícitos, regular votação em Mairiporã, Itapevi, Vila Mangalot, Vila Madalena, Moinho Velho e Cruz das Almas. (...) No exame da urna 2.786, de Itapevi, foi encontrado apenas um voto para Salém, porém, no mapa de apuração enxertaram o total de 14 votos. E nas urnas 2.791, 2.794-5, 2.896 e 2.840 nenhum voto foi encontrado para o mesmo candidato, porém, os mapas lhe atribuem 35, 16, 10, 10 e 8 votos”. Há inúmeras acusações idênticas a essa. E o relatório do TRE afirmava, objetivamente: “Tal trabalho de verificação veio confirmar, meridianamente, que nessa 23ª Junta Apuradora havia pelo menos uma pessoa favorecendo a William Salém, enxertando resultados falsos nos mapas de apuração ou falsificando números nas cédulas”.

Mas o depoimento mais revelador e contundente foi o de Flávio Bierrenbach, da 27ª Junta Apuradora, que acusou Salém abertamente de tentar suborná-lo. Contou que Salém o observou por longo tempo, no reservado da fiscalização, quando os votos começavam a ser contados. Em dado momento, enquanto explicava sua presença ali dizendo aos correligionários que “os olhos do patrão engordam o cavalo”, aproveitou um instante de atenção de Bierrenbach e lhe deu uma piscada sugestiva. Quando os correligionários saíram, Salém perguntou-lhe sem qualquer cerimônia se o escrutinador poderia “dar um jeitinho na contagem de votos”, e informou seu número de registro na eleição. Diante de um relato tão impressionante, o TRE não fez por menos e convocou os dois para uma acareação. Frente a frente com Salém, Bierrenbach repetiu exatamente a mesma história. Para o espanto da comissão, o ex-vereador não o desmentiu. Antes, saiu-se com a deplorável desculpa de que não fôra compreendido, e que só abordara o rapaz, dando seu número, porque queria a opinião de escrutinadores sobre uma reforma eleitoral, e saber da possibilidade de haver fraude com o número de seu registro.

Nada aconteceu a Salém. Mas desta vez, não foi mera impunidade ou morosidade da justiça. Antes que o processo chegasse ao fim, seu nome foi incluído na última lista do AI – 1, e em 29 de junho de 1964 ele foi cassado. Por trás da cassação, não estava sua filiação ao PTB, porque Salém nada tinha de subversivo, pelo menos no sentido ideológico. Segundo seu próprio depoimento posterior, quem esteve por trás de tudo foi Adhemar, que não obtendo êxito em várias tentativas de reaproximação, ofereceu sua cabeça aos revolucionários. Teve os direitos políticos suspensos por dez anos. Em 74, Médici prorrogou a suspensão por mais dez anos.

Um ano depois de sua cassação, foi visto rodando pela cidade, ostentando no pára-brisa de seu cadillac o emblema do Congresso Nacional, que lhe permitia, entre outras coisas, estacionar em locais proibidos. Luís Martins não perdoou: “O que deveria ser cassado era o cadillac. Sem direitos políticos, o sr. William Salém não é mais deputado, mas continua sendo William Salém. E que lhe importa não ser deputado, se pode usar no cadillac o emblema do Congresso? Quer dizer: se pode continuar atropelando impunemente guardas e menores? Não há outra solução, portanto; o jeito é cassar-lhe o cadillac”.

Em 69, Adhemar morreu. Os dois se viram pela última vez no Viaduto do Chá, pouco antes, num encontro acidental. Salém andava por ali e trombou com seu velho chefe, que ia para seu escritório, na Praça Ramos. Conversaram cordialmente, mas sem a intimidade dos velhos tempos.

Ao fim de longo período de ostracismo, Salém voltou a ser notícia, graças a uma nova briga com a imprensa. Em julho de 79, a coluna “Painel”, assinada pelo jornalista Bóris Casoy e publicada diariamente na Folha de S. Paulo, deu nota de uma reunião ocorrida na casa de Salém, onde estiveram presentes o então governador Paulo Maluf e Euclydes Figueiredo Filho, irmão do presidente Figueiredo, entre outros. Diz a nota: “Ninguém pode duvidar que vivemos um momento de abertura – afirmava, ontem, um líder arenista. E citava o exemplo da possível volta à política do sr. William Salém, ex-vereador e ex-prefeito, cassado por corrupção. Salém recebeu, há dias, em sua residência, um seleto grupo que com ele comemorou o aniversário da revolução de 32”. Salém não gostou desse trecho da nota e processou Bóris por difamação e injúria. Exigiu do jornalista uma prova concreta de que havia sido cassado por corrupção. O processo se arrastou por meses e meses, até que em junho de 81, o juíz Manoel Carlos Vieira de Moraes rejeitou a denúncia. Seu argumento não foi nada sutil; referiu-se a Salém como alguém que desde 1954 esteve “envolvido nas mais diversas ocorrências, ilustrando as páginas policiais e os noticiários político e parlamentar, sempre participando de acontecimentos escandalosos, agressões, desvios de numerário em Casa Legislativa, desacato à autoridade, tentativa de atropelamento, acusações diversas, inquéritos policiais, denúncias do Ministério Público, etc.”

Boris Casoy

Não tendo nada a perder, já que em seu caso, qualquer publicidade seria boa num eventual retorno à vida pública, Salém não se deu por vencido e apelou para o Tribunal de Alçada Criminal, insistindo que Casoy não apresentara provas de que seu mandato fôra cassado por corrupção. Em agosto veio o golpe de misericórdia: os advogados da Folha apresentaram um memorando do coronel Francisco Fernandes Júnior, chefe de gabinete da secretaria geral do Conselho de Segurança Nacional. No documento, o CSN pela primeira vez revelava o motivo de uma cassação, e declarava que: “...foi o querelante, nos termos da legislação vigente àquela época, punido por corrupção”. Sua carreira política chegou ao fim. Formalmente considerado corrupto pelo governo, o campeão de votos de 55 tentou voltar à vereança pelo PDS em 82, mas foi derrotado, conseguindo apenas uma suplência com seus pouco mais de 13 mil votos. Em 86, tentou a Constituinte, onde pretendia advogar a favor da pena de morte, mas teve um aneurisma cerebral e sua saúde não lhe permitiu sair em campanha. Foi novamente derrotado, e retirou-se da política. Viveu os 24 anos seguintes tranqüilo com a família em seu palacete, no Jardim Europa, e morreu em junho de 2010, aos 89 anos.


No fim das contas, o que foi William Salém? Um político perseguido e injustiçado, que pagou pela corrupção de seu chefe? Ou o político mais nocivo e criminoso que São Paulo já viu, depois de Adhemar de Barros, nos anos 50 e 60? Um homem destemido e corajoso que não levava desaforo para casa ou um desequilibrado mental que se valia de aulas de judô com os Gracie, na juventude, para resolver tudo na pancadaria, como um cão raivoso? Um político que fazia valer sua autoridade ou um pulha que saía atropelando pessoas, sem o menor respeito pela vida alheia? Só o leitor poderá decidir. Salém foi um político esperto e um homem inteligente; isso até seus inimigos figadais reconhecem. E tinha uma memória invejável. Assim como Paulo Maluf. Assim como Adhemar. Aliás, há alguns anos, perguntado sobre a corrupção de seu antigo líder, Salém deu uma resposta que nos faz pensar:

Comparada com a de agora, a corrupção naquela época era uma piada!

Bernardo Schmidt
(Novembro de 2000, atualizado em 24/3/2011)

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Ver também:
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segunda-feira, 14 de março de 2011

Luiz Antonio Fleury Filho fala de Quércia, Tancredo e Ulysses


Luiz Antonio Fleury Filho em 06/09/1990
(Foto de Bernardo Schmidt)
Entrevistei Luiz Antonio Fleury Filho em 9 de novembro de 2001. O ex-governador (1991/1995) teve uma convivência pequena mas intensa com Jânio durante seu período como secretário de Segurança e governador. Mais importante: Fleury foi o último candidato a quem Jânio publicamente apoiou para qualquer cargo. Pensava eu que esta seria uma conversa rápida e objetiva. Ledo engano. Nossa prosa durou SETE HORAS. O Fleury que fui rever (o primeiro encontro que tive com ele foi em 1990) em seu escritório paulistano de deputado federal, eleito três anos antes, não era simplesmente um ex-governador, mas um conversador excepcional, cativante, e um político cheio de histórias divertidas e lembranças relevantes que vão de Tancredo a Brizola, passando por Ulysses, Montoro, Jânio e Orestes Quércia. Nosso encontro, que começou na hora do almoço e só foi terminar – a contra-gosto de ambas as partes – depois das nove, teve uma primeira parte dedicada a Jânio, mas as impressões de Fleury sobre o ex-presidente publicarei em momento oportuno, na biografia que estou escrevendo do homem da vassoura. Liquidado esse assunto, não me furtei de perguntar ao ex-governador a respeito de assuntos como sua convivência com Ulysses, Tancredo e o rompimento com seu padrinho político, Orestes Quércia. Fleury respondeu a tudo com tranqüilidade e seu depoimento se reveste de importância ainda maior, com a passagem do tempo e o desaparecimento de Quércia. É um documento para a história recente de São Paulo e do Brasil.
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O Rompimento com Orestes Quércia

LUIZ ANTONIO FLEURY FILHO – A última conversa que eu tive com o Quércia foi em dezembro de 94, depois dele ter perdido a eleição para presidente da república. E ele rompeu comigo em fevereiro de 95, eu estava viajando, no enterro do Roberto Rolemberg, que era presidente estadual do PMDB, meu grande amigo, e que faleceu, e no enterro o Quércia me culpou e jogou isso pro PMDB, precisava culpar alguém pela derrota fragorosa que ele teve, ficou atrás do Enéas e me culpou, dizendo que eu não tinha dado a ele o apoio que ele merecia.

Aí, fazendo um retrospecto, voltando ao passado, em primeiro lugar o Quércia jamais teve interferência no meu governo. Eu adotei uma posição, que foi uma posição até que me custou algumas inimizades, que era a de que ninguém continuaria exercendo a mesma função que exercia no governo Quércia, então eu mudei o secretariado completamente. Alguns secretários permaneceram. Exemplo: Cláudio Alvarenga, que eu havia indicado pra Secretaria de Governo, permaneceu na Secretaria de Governo, e a Alda Marco Antônio que estava indo muito bem na Secretaria do Menor, continuou na Secretaria do Menor, fazendo um excelente trabalho. Todos os outros secretários não permaneceram nos seus cargos. Isso me custou, como eu disse, algumas incompreensões de amigos meus. Por exemplo, eu indiquei o Rubens Approbato Machado pra ser Secretário da Justiça do Quércia. Então o Rubens me ajudou muito na campanha, e tudo, é meu grande amigo até hoje mas ficou um pouco magoado de não ter continuado, mas eu tinha que adotar um critério pra não cometer o erro que o [Celso] Pitta cometeu, de não mudar nenhum secretário, e aí ou você muda todos ou você não muda ninguém e fica com pecha de boneco. Então eu optei por mudar todo mundo. Alguns secretários que tiveram um trabalho muito grande eu remanejei, por exemplo o Frederico Mazzucchelli, do Planejamento, que era um homem ligado ao Almino [Afonso], inclusive, no início, que eu pus na Fazenda. O [Eduardo] Maia [de Castro Ferraz], que era presidente do Baneser, eu pus no Planejamento, era uma equipe com quem eu evidentemente convivia no PMDB, e o Fernando Morais, que era secretário da Cultura, eu coloquei como secretário da Educação, houve alguns acertos, mas vários eu realmente não aproveitei, o que, repetindo, causou alguns estremecimentos.

O Quércia, na verdade, no início, me pediu um lugar pro [José] Machado [de Campos Filho], que eu coloquei como secretário da Habitação, um lugar para o Alfredinho, primo dele, que eu coloquei como presidente da Eletropaulo, e um lugar para o Antonio Sérgio, que era presidente do metrô, e ele me pediu pra que eu colocasse como secretário, e eu o coloquei como secretário dos Transportes Metropolitanos. Antes de eu tomar posse estourou uma denúncia contra o Antonio Sérgio, e eu adotei um procedimento no meu governo, que era o de que se surgisse uma denúncia com algum tipo de substância, eu afastava o secretário, ou o diretor, seja lá quem fosse, até que se esclarecesse o fato. Se o esclarecimento fosse positivo, ótimo, voltava, senão, não voltava; o Antonio Sérgio foi antes da posse, então eu o desconvidei. Logo depois da minha posse, surgiram as denúncias contra o Alfredinho e eu o afastei da presidência da Eletropaulo. Eu acho que ali, ali, o Quércia começou a verificar que eu teria vôo próprio, e acho que ali ele já começou a bolar como é que ele ia romper comigo. Quando saíram os mais notórios quercistas do primeiro escalão – porque o Quércia ficou oito anos no governo, quatro como vice-governador, quatro como governador – e ele tinha gente do primeiro ao décimo escalão, muitas iniciativas eu vi que patinavam em razão disso, e isso acabou me dificultando, o final do governo, principalmente.

O meu secretário da justiça, no início foi o Manoel Alceu Afonso Ferreira, que era advogado e é até hoje, advogado do Estadão, e o Quércia sempre foi um tradicional inimigo do Estadão, então ele também não gostou quando eu escolhi o Manoel Alceu pra ser meu secretário, que eu escolhi porque é extremamente competente e fez um grande trabalho. E logo quando eu assumi chega uma lista pra nomeação do Tribunal de Alçada, e encabeçando a lista estava o Aloísio Toledo César, que era articulista do Estadão, e de quem o Quércia tinha verdadeiro ódio, só que o Aloísio era meu amigo, era um grande amigo do Cláudio Alvarenga também, e acima de tudo era um sujeito extremamente competente, como advogado e estava encabeçando a lista, e eu sempre nomeei o primeiro da lista, pra tudo. Pra reitor, pra procurador geral, pra pelo quinto constitucional, eu só quebrei essa regra por duas vezes, que foram casos que eu tinha que quebrar, que eu posso até te contar daqui a pouco, mas a regra era essa: veio em primeiro lugar na lista, está nomeado. Até amigos meus, que entraram em lista e que eu não nomeei ficaram bravos comigo mas eu tinha um critério e eu aprendi na minha vida que quando você tem um critério, tudo fica mais fácil, porque você tem só que defender o seu critério, você não tem que defender caso a caso. Eu tinha um critério. O primeiro da lista está nomeado. O Aloísio aparece na lista, o Quércia me liga pedindo pra não nomear e eu nomeei o Aloísio. Mas eu nunca deixei de apoiá-lo, a relação continuava tranqüila, pelo menos de minha parte, conversávamos, tudo, não havia nenhum mal-estar, nenhuma rusga, etc.

Com Orestes Quércia, 1990
Aí, por circunstâncias da vida, eu começo a me destacar. Durante todo o meu governo, até o final do governo, inclusive, eu sempre estive entre os cinco governadores melhor avaliados do país, e eu até brincava muito com o Ciro [Gomes], porque o Ciro sempre vinha como o primeiro, o segundo colocado, só que a população do Ceará correspondia na época ao número de alunos que eu tinha matriculado na rede pública, seis milhões e duzentos mil habitantes, era o número de alunos que eu tinha na rede pública. E é diferente você estar entre os cinco melhores governadores do país tendo uma mídia como a mídia de São Paulo, que é extremamente exigente, geralmente é contra o governo, etc., e eu sempre estive entre os cinco primeiros, e saí do governo, o último Datafolha do meu governo, é de 23 de dezembro de 94, me dá 78% de aprovação. O Quércia é um homem profundamente inseguro. É uma coisa interessante. Ele é desconfiado – isso eu estou analisando depois de que tudo aconteceu – ele era presidente nacional do partido, e de repente eu passo a ser dentro do partido, uma referência, e o nome mais forte pra uma candidatura à presidência da república.

Então o que acontece: em 93, final de 92, início de 93, ele era presidente nacional do PMDB, e começa uma articulação dentro do PMDB, liderada pelo Pedro Simon, no sentido de que o presidente não fosse reeleito. E esse movimento começa, e essa tese começa a ganhar corpo dentro do PMDB. E o Quércia naquele momento percebeu que ele provavelmente perderia a convenção nacional e renunciou ao mandato de presidente nacional do PMDB. E aí ele esperou; eu estava em San Diego, na Califórnia, participando de uma assembléia, quando isso aconteceu, e ele publicou uma carta dizendo que havia uma série de traidores que estavam trabalhando contra ele, e que por essa razão ele estava renunciando à presidência do PMDB, e assumindo no lugar dele o [José] Fogaça, que era o primeiro vice-presidente. Naquele momento eu deveria ter rompido com ele. Aquele foi um momento em que se eu estivesse no Brasil eu provavelmente teria rompido com ele, mas eu estava fora, eu estava no exterior, e o meu pessoal que estava aqui, analisando os fatos, achou que se eu rompesse com ele eu estaria colocando a carapuça de traidor. Mas ele causou um prejuízo brutal, porque ao acusar um “traidor” e não identificar ninguém, ele acabou colocando essa pecha em todo mundo, por exemplo, o Jarbas Vasconcelos, em Pernambuco, passou a ser chamado de traidor, o Pedro Simon, no Rio Grande do Sul, os adversários, o Íris Rezende passou a ser chamado de traidor, eu passei a ser chamado de traidor, porque como ele generalizou e não deu nomes, todo mundo passou a ser chamado de traidor. E aí, alguns secretários meus ligados a ele começam também um movimento e dão algumas declarações me criticando, dizendo que eu deveria ter defendido o Quércia, e tal, aí eu demiti todo o pessoal que teve esse tipo de atitude, fiz uma reformulação do secretariado, etc. e tal.

Minha posição sobre a sucessão era a seguinte: eu disse a ele que ele tinha pouca chance. Falei pra ele, “eu estou do teu lado, agora, eu acho que você tem pouca chance. Eu acho que seria melhor você escolher alguém e você fazer o sucessor”, até porque, eu acho que foi um erro dele ter saído do governo do estado e tirado o Dr. Ulysses da presidência do PMDB, foi um negócio que pegou pesado. Eu acho que ele errou, porque ele ficou exposto demais e começou toda aquela campanha contra ele.

Aí eu faço a reformulação, o episódio foi superado, nós continuamos tendo um bom relacionamento, no plano pessoal não houve nenhuma alteração de comportamento, e aí quando chega em 94, começa um movimento encabeçado pelos senadores do partido para que eu fosse o candidato a presidente, e inclusive o [Antônio] Brito, que era ministro do Itamar, estava muito bem, o Brito poderia ter sido candidato, mas resolveu ser candidato a governador do Rio Grande do Sul. E eu tive uma conversa com o Brito, e ele “Não, Fleury, eu vou ser candidato lá no Rio Grande do Sul, o candidato a presidente tem que ser você”, havia toda uma movimentação, e eu estava realmente muito bem em termos nacionais, e poderia ter sido um candidato muito forte a presidente da república. Aí o Quércia resolve se lançar candidato a presidente e precipita toda a decisão do PMDB. E aí me coube o papel, pela segunda vez, eu mando fazer uma pesquisa em fevereiro de 94 e mostro pra ele que ele ia ficar atrás do Enéas. Nós já tínhamos uma pesquisa que mostrava isso. Eu falei pra ele “Olha, eu se fosse você saía candidato a governador de São Paulo”, mas ele insistiu em ser o candidato, e ele tinha força dentro do partido e acabou sendo o candidato a presidente, eu o apoiei, mas foi um ano em que as regras estabelecidas para a campanha impediam que aparecesse na televisão outra pessoa que não fosse o candidato, e também impedia a divulgação de cenas externas. Eu o apoiei para presidente da república, fiz campanha, levei a candidatura até o final, só que ele precisava achar uma desculpa política pro fracasso, porque uma coisa que a gente aprende na vida pública, é que você pode ter uma derrota eleitoral, isso é normal, faz parte da vida, agora você não pode ter uma derrota política. O Quércia teve uma derrota política em 1994, porque ele ficou atrás do Enéas. Ninguém votou nele. Ele teve menos votos em São Paulo do que o Barros Munhoz [candidato derrotado do PMDB ao governo].

Foi constrangedor, então ele tinha que culpar alguém, e uma coisa é inegável: o Quércia manteve e mantém até hoje o controle do PMDB de São Paulo, tanto que ganhou do Michel [Temer] agora, então ele jogou para o partido que tinha sido derrotado por minha causa. Que na verdade eu não o teria apoiado como ele precisava ser apoiado. E foi quando eu estava no enterro do Roberto Rolemberg que ele fez essa declaração, e aí usou uma frase que o [Roberto] Duailibi até usou no livro dele, que em relação a mim ele era o culpado. E aí ele deu uma entrevista pro Juca Kfouri, onde ele disse que eu o havia traído na eleição de 94. Quando eu cheguei eu procurei o Juca, não quis me manifestar sobre a entrevista em Jales, no enterro do Rolemberg, mas procurei o Juca, e falei pro Juca que queria dar uma entrevista. Aí dei uma entrevista e bati muito forte. Pesado. Eu confesso a você que eu estava muito calmo na entrevista, mas aí o Juca pôs no ar o Quércia falando, e aí eu disse aquilo que eu realmente pensava. Foi mais ou menos assim, eu vou repetir porque isso é público, você pode usar, inclusive, pode procurar nos arquivos que não tem problema, mas foi mais ou menos da seguinte maneira: que eu estranhava que ele me chamasse de traidor, porque se eu era um traidor, por que ele esperou eu sair do governo pra romper comigo, antes de mais nada? E que na verdade a vida do Quércia era uma vida de traição. Por quê? Porque em 1982 ele traiu o Montoro e o Covas, porque ele havia concordado com o Covas pra vice e por trás articulou para ser vice do Montoro, então traiu os dois. Depois em 85 ele traiu o Fernando Henrique, porque disse que apoiava o Fernando Henrique e por baixo ele apoiou o Jânio pra ser prefeito de São Paulo. Depois, em 89 ele publicamente disse que apoiava o Dr. Ulysses, mas de todo o secretariado dele, só eu e mais um ou dois secretários é que fizemos a campanha do Dr. Ulysses em São Paulo, e eu não vi o Quércia se mexer pelo Dr. Ulysses, ou cobrar de algum secretário apoio ao Dr. Ulysses em momento algum. O Quércia nunca tocou nesse assunto. Ficou fora.

Depois, na minha eleição eu não era candidato dele. Eu só fui candidato dele porque pragmaticamente eu era capaz de ganhar a eleição, tanto que a equipe que ele colocou aqui não era a equipe nº 1 do Chico Santa Rita, era a equipe nº 2. Na verdade eu não conheço a equipe nº1 mas a 2 se mostrou muito competente e eu adoro a equipe que trabalhou comigo, são meus amigos até hoje. Isso é outra coisa que eu aprendi: numa candidatura majoritária, primeira condição pra você ganhar uma eleição é que a tua equipe se apaixone pela tua candidatura, e esse pessoal se apaixonou pela minha candidatura.

Quércia, José Aristodemo Pinotti e Fleury na campanha municipal de Campinas em 1992
Sobre a traição dele ao Almino [vice de Quércia, preterido na escolha do candidato ao governo] eu nem cheguei a falar porque tinha um outro aspecto. Uma coisa que chamou a atenção durante a minha campanha é que eu parei a campanha três dias porque eu vi que o Dr. Ulysses não seria reeleito deputado federal. Aí eu chamei o Luís Carlos Santos – e nós tínhamos pesquisas que mostravam que o Luís Carlos ia estourar em matéria de voto – pedi ao Luís Carlos que cedesse alguns prefeitos que estavam apoiando ele pra apoiar o Dr. Ulysses, peguei o Mauro Bragatto, que era na época candidato a estadual, pus o Dr. Ulysses debaixo das asas do Mauro Bragatto, o Mauro Bragatto percorreu toda a região de Presidente Prudente com o Dr. Ulysses, e eu não entendia porque o Quércia não apoiava o Dr. Ulysses, cheguei a conversar com o Quércia, falei “Quércia, nós precisamos ajudar o Dr. Ulysses porque ele não vai ser eleito, é o presidente nacional do partido”, e depois eu entendi que ele queria ser o presidente nacional, e ele já estava traindo o Dr. Ulysses. Se o Dr. Ulysses não se elegesse deputado, era mais fácil pra ele assumir a presidência do partido.

Depois ele traiu o partido, em 94, quando, sabendo que ia ficar atrás do Enéas – porque eu mostrei isso a ele em fevereiro – mesmo assim ele levou o partido pra essa aventura, que foi a candidatura dele, e praticamente foi o momento em que o PMDB começa a perder substância nacional. E não é só isso; ele traiu o [Alberto] Goldman. O Goldman, que era o defensor dele dentro do partido pra todas as horas, e o Goldman mudou de partido por causa dele. Traiu o Aloysio [Nunes Ferreira], que saiu do PMDB por causa do Quércia, e traiu o [José Aristodemo] Pinotti. Em 95, o Pinotti estava se preparando pra ser candidato novamente a prefeito de Campinas. O Quércia fez o Pinotti mudar o título dele pra São Paulo, dizendo que ele ia ser candidato a prefeito em São Paulo e lançou o [João Oswaldo] Leiva. Lembra? Que ficavam os dois, porque o Pinotti entrou na Justiça, uma hora aparecia o Pinotti, outra hora aparecia o Leiva, lembra? Quer dizer, ele traiu o homem que trouxe ao mundo todos os filhos dele, que era o Pinotti, e que foi sócio dele, então quem é o traidor? Coloquei tudo no programa. Então quem é o traidor? E me traiu também, porque em 94 eu era o candidato preferido pra presidência da república, e ele impediu a minha candidatura. Então, quem é o traidor da história?

Com Fleury e sua esposa Ika, no dia do primeiro turno da eleição, em 03/10/1990

Mas aí eu continuei, porque aí o Juca me pergunta: “Mas a que o Sr. atribui isso?” Eu falei “olha, na verdade, eu acho que de certa forma eu represento tudo aquilo que o Quércia sempre sonhou ser e nunca conseguiu. Por quê? Pra começar eu sou muito feliz comigo mesmo. Eu sou gordo, mas estou bem com a minha gordura, não preciso fazer ginástica, provar que eu sou atleta, e correr todo dia pra mostrar que eu sou viril, que eu sou macho. Não pinto o cabelo, meu cabelo é grisalho, naturalmente grisalho, nunca pintei, respeito quem pinta, mas nunca pintei. E outra coisa: eu falo inglês e francês correntemente. O Quércia está se esforçando, tem aula com um professor de inglês, é um homem esforçado e dedicado, um dia ele vai falar inglês. E outra coisa: eu tenho respeito intelectual das pessoas. As pessoas me respeitam intelectualmente. Eu sou professor universitário, sou promotor de justiça, o Quércia fez dois concursos pra promotor e não passou. Eu só fiz um e passei no primeiro. E tenho o respeito intelectual das pessoas. No meio universitário eu sou respeitado. Eu faço palestra, eu posso ir em qualquer universidade fazer palestra – podem até discordar das minhas idéias, mas eu sou respeitado como professor universitário, e como intelectual – tenho livros escritos e publicados”, e terminei falando o seguinte: “Eu ando de avião de carreira e nunca fui vaiado”.

Quércia, em 06/09/1990
(Foto de Bernardo Schmidt)

Bom, eu soube que ele ficou uma fera, aí deu uma entrevista pra Istoé me chamando de canalha, aí já partiu pra baixaria. E na minha campanha pra deputado houve um conluio, e não foi um conluio acidental, houve inclusive contatos, que eu sei que aconteceram, entre o Maluf, o Quércia e o Covas, pra que eu não me elegesse. Os três eram candidatos a governador e me sabotavam, o meu partido se aliou ao Covas, o PTB, e eu apareci quatro vezes no programa de televisão porque eu tive que recorrer à justiça. Isso agora, em 98. Eu deixei os últimos 15 dias pra colocar outdoor com o meu nome. O meu outdoor ficou exatamente 24 horas. O dono da central de outdoor chegou no meu escritório e devolveu o cheque, dizendo “olha, eu recebi orientação do palácio, que se continuar o teu outdoor, nunca mais eu faço campanha nenhuma”, me devolveu o dinheiro. Foi violenta, a coisa. Foi uma campanha violentíssima, e até desleal porque eu não podia aparecer na televisão. Eu entrei com direito de resposta contra os três e foi indeferido dizendo que eu não era candidato a governador, então minha eleição foi uma eleição muito complicada. Eu tive dificuldade de recursos, até, porque o governo falou: “Quem ajudar o Fleury não recebe até o final do governo”. Foi brava a coisa. Tive 70 mil votos ali, e muita gente que eu encontrei depois falou “eu nem sabia que você era candidato”.


Eu acho que o Quércia foi um bom governador de São Paulo. Ele tem as suas falhas, mas há que se reconhecer que ele fez um bom governo. E saiu com uma aprovação excepcional. Eu fui muito leal ao Quércia, paguei e pago até hoje um preço muito alto por essa lealdade que eu tive a ele. E eu acho o Quércia um sujeito determinado, inteligente, dedicado à família, ele protege a família dele como um leão. São qualidades que ele tem, eu acho que é um sujeito “ladino” no bom sentido da palavra. O defeito dele em relação a mim é que ele não gosta de sombra, um problema político que acabou indo pro lado pessoal porque ele levou para o lado pessoal. Mas eu tenho que reconhecer que ele fez um bom governo, até porque eu fiz parte do governo.

Tancredo

Eu fui presidente da Confederação Nacional do Ministério Público, toda essa estrutura moderna do ministério público, eu sou um dos responsáveis por ela. E uma característica pessoal minha que todo mundo fala é a coragem. Até uma certa ousadia, vai além da coragem, um certo destemor, no bom sentido, não em termos físicos, mas em termos de atitude. Aí o Tancredo, governador de Minas, começa a ser cogitado pra ser candidato a presidente da república, começou a ser falado o nome dele. E foi um pouco depois do episódio das Diretas, do qual eu participei diretamente, sem trocadilho. A primeira entidade nacional a apoiar a campanha das diretas foi exatamente a Confederação Nacional do Ministério Público, e eu era presidente, declaramos apoio, e tal, o Montoro foi um dos grandes responsáveis pela campanha das Diretas, o Dr. Ulysses, Tancredo, Teotônio, Brizola teve uma participação importante...

Bom, aí surge uma greve do Ministério Público de Minas Gerais. Uma coisa inédita, foi a primeira vez que o Ministério Público entrou em greve, e o pessoal de Minas, e o presidente da associação do Ministério Público de lá perde a condição de diálogo, a greve radicaliza-se ao extremo. O pessoal de Minas então me liga, como presidente da confederação, pra tentar fazer uma intermediação junto ao governador pra reaproximar as partes. Eu entro em contato com o pessoal de Minas e me coloco à disposição, “eu vou até aí falar”, e tal, e fui conversar com o Tancredo, que era o governador. Quem, aliás, fez a intermediação para que o encontro acontecesse foi o presidente da assembléia de então, que era do PMDB, o Genésio Bernardino, depois foi deputado federal, e tudo, depois não conseguiu a reeleição. Eu tinha 35 anos e era o líder nacional do Ministério Público. Aí eu vou conversar com o Tancredo. E o Dr. Tancredo me recebe, e eu me recordo bem que quando nós entramos tinha várias outras pessoas, aí ele deu um sinal, todo mundo sai da sala. Ficamos só nós dois. Então foi uma conversa assim como nós dois estamos, téte-a-téte. E o Dr. Tancredo tinha uma característica que era muito interessante; ele era um homem suave no trato, agradabilíssimo na conversa, mas que tinha plena consciência da sua autoridade e a exercia na sua plenitude. E não abria mão da sua autoridade. Aliás, é uma característica do Dr. Tancredo, do Jânio, só que o Jânio tinha gestos espetaculares, o Tancredo não, o Tancredo era exatamente o contrário, mas os dois tinham essa consciência de autoridade, que é uma coisa importante. Absolutamente cativantes.

Fleury, na época em que trabalhava
 no Ministério Público

Mas eu me recordo, o Dr. Tancredo, nós conversamos, tal, e ele me disse o seguinte: “Presidente, o Sr. diga a seus colegas que eu não posso abrir mão da minha autoridade. No momento em que eles voltarem ao trabalho, no mesmo dia eu recebo uma delegação. E aí nós retomamos a negociação, acho que a ponderação é justa, mas se eles não retornarem ao trabalho, sinto muito mas eu não vou recebê-los”. Eu respondi “acho que o Sr. tem razão, promotor não devia fazer greve, eu penso como o Sr., e eu vou lá defender isso na assembléia geral, estão todos me aguardando, tem uma assembléia geral, e eu vou defender que eles retornem ao trabalho e virei com eles aqui”. Ele falou: “Perfeitamente”. Aí eu virei pra ele, falei assim “Dr. Tancredo, o Sr. foi promotor”, o primeiro cargo público do Dr. Tancredo foi promotor de São João Del-Rey, eu disse a ele, “e eu queria que a minha entidade fosse a primeira a apoiar o Sr. para a presidência da república”. Ele me responde “mas eu não sou candidato”. Eu falei “tudo bem, Dr. Tancredo, mas vão me perguntar sobre isso aí fora”. E ele “bom, meu filho, se perguntarem pra você, você diga que apóia”, e deu uma risadinha muito sutil. Eu entendi o recado, evidentemente, e depois eu até perguntei pra ele “mas Dr. Tancredo, porque é que o Sr. fez questão de conversarmos só nós dois?”, ele falou “Dr. Fleury, conversa de mais de dois é comício”. Ele era um homem genial.

Tancredo, na juventude
Aí eu saio e vem toda a imprensa em cima de mim. Eu digo “Bom, eu vim aqui por duas razões. Primeira: pedir ao Dr. Tancredo que receba uma delegação do Ministério Público, pra acabar com esse impasse, e tal, eu vou agora pra assembléia geral, conversar com os meus colegas, espero que eles voltem ao trabalho e que as coisas se encaminhem para uma solução, e também pra declarar ao Dr. Tancredo o apoio da Confederação Nacional do Ministério Público, que eu represento como presidente, à candidatura dele à presidência da república”. “Mas ele é candidato?”, perguntaram, falei “o Dr. Tancredo falou que não é, mas se ele for ele terá o nosso apoio”. Aquilo foi a manchete de todos os jornais, em Minas, a Confederação Nacional do Ministério Público foi a primeira entidade a apoiá-lo. Eu não tinha a autorização nem da minha diretoria. Aí eu cheguei e expus aos meus colegas a idéia, todos eles concordaram se eu fosse junto, eu dormi em Minas Gerais, eles retornaram ao trabalho no dia seguinte e à tarde o Dr. Tancredo nos recebeu. Se reiniciou a negociação e ele acabou dando o reajuste que eles estavam pleiteando. Foi a primeira organização da sociedade civil, vamos dizer assim, que apoiou o Tancredo, o que era uma aposta altamente arriscada porque era o momento em que o Maluf era o favorito, ainda, e ele era o favorito porque ele era o candidato do establishment, vamos dizer assim, daquele momento, e depois virou. E eu não tinha apoio da minha diretoria, não tinha conversado com ninguém, fui lá e banquei. Reuniu-se a diretoria, porque começou a pipocar telefonema de todo lado, tinha muita gente – como por exemplo, o pessoal do Rio Grande do Sul – que era Arena, até debaixo d’água. Aí o pessoal do Rio Grande do Sul, “pô, como é que você faz isso?” “Você compromete!” “E se ganhar Maluf, como é que a gente fica?”, e tal, mas na política você tem que correr determinados riscos.

Depois nós fizemos uma reunião de diretoria em que a diretoria resolveu se solidarizar com a minha atitude, e aí fizemos em Brasília uma reunião que deveria ter uns 400 promotores do Brasil inteiro, de apoio à candidatura do Dr. Tancredo no Hotel Nacional. Ele compareceu e eu fiz um discurso entregando pra ele as reivindicações da categoria, e ele fez um discurso de improviso, porque o Dr. Tancredo tinha isso: ele falava muito bem de improviso, mas se preparava antes. Eu tive três ou quatro conversas com ele pra dizer o que a gente queria ouvir. E ele foi lá e fez um discurso que foi aplaudido de pé. Ele não era um orador empolgante, mas ele era da velha guarda, que dava gosto de você ouvir pelo conteúdo, nem tanto pela eloqüência, muito mais pelo conteúdo. Ele era muito coerente. O Jânio, por exemplo, era um orador primoroso, no gestual, na forma de falar, ele era envolvente, era um orador extremamente envolvente, o Dr. Tancredo era um orador mais racional. Tive então a oportunidade de conhecer bem o Dr. Tancredo. Ele era brilhante. Não demonstrava nenhum sinal de senilidade, estava em grande forma.

Ulysses

Eu também comecei a me aproximar do Dr. Ulysses na época das Diretas, e depois, quando eu fui presidente da Confederação, que foi a partir de 83, eu tive uma vida que era quase a vida de deputado, eu ia pra Brasília praticamente toda semana, porque já vislumbrava que nós íamos chegar num momento de fazer uma nova constituição e eu queria que quando isso acontecesse as idéias sobre o Ministério Público já estivessem cristalizadas dentro dos parlamentares, e isso acabou acontecendo. Graças a Deus o plano deu certo. Então eu tinha muito contato e era muito ligado ao PMDB, um contato muito bom com o Dr. Ulysses. Depois, quando eu fui candidato a governador, houve esse episódio no final da campanha, que eu ajudei o Dr. Ulysses. Ele foi o último, em matéria de votação, no PMDB. Ele passou raspando. E o Dr. Ulysses sempre soube que eu não era favorável à tese do Quércia ser presidente nacional do partido. Por duas razões: primeiro porque eu achava que o Quércia ia se expor desnecessariamente, e segundo porque o Dr. Ulysses queria continuar como presidente, eu sabia disso. Cheguei a sustentar essa idéia junto ao grupo mais próximo do Quércia, e foi mal-recebida, evidentemente, eu sempre achei que o Quércia deveria manter o Dr. Ulysses na presidência do PMDB, e o Dr. Ulysses faria a articulação para ele ser candidato a presidente. E não ele ficar na presidência, porque iria se expor e poderia se desgastar, como acabou se desgastando.

Bom, aí o Dr. Ulysses deixou a presidência do partido, e o discurso dele na despedida, eu tinha na minha gaveta, quando eu fui governador, e na mudança pra esta casa se extraviou, estou querendo ver se eu acho, porque é uma das peças de oratória mais bonitas que eu já li, tem um trecho que ele diz o seguinte, “daqui pra frente, volto à planície, tiro a farda de general e visto a farda de combatente. Mas uma coisa eu quero deixar bem claro: eu não vou morrer de pijama”. É um discurso lindo, lindo, lindo, uma das peças literárias mais bonitas... o Oswaldo Manicalli deve ter isso, que era o fiel escudeiro dele, é uma peça de oratória belíssima. O Dr. Ulysses não era um grande orador, não era bom de palanque, não era um sujeito de fazer vibrar multidão, mas ele fazia uso da palavra como poucos, os discursos dele são muito densos, têm muito conteúdo, ele não era um sujeito apelativo.

Fleury e Ulysses
Aí aconteceu o seguinte: eu, toda segunda-feira, recebia os deputados federais, toda terça-feira, os deputados estaduais. Quando o Dr. Ulysses deixa a presidência do partido, na primeira segunda-feira que eu estava atendendo deputados federais – eu atendia por ordem de chegada – eu comecei a atender, e tal, e aí quando foi por volta de uma hora da tarde eu atendi o último, que era o Dr. Ulysses. Quando ele entrou eu pergunto “Dr. Ulysses, mas o Sr. está aí desde que horas?”, ele respondeu “Ah, eu cheguei às nove”. Aí eu chamei o oficial de gabinete e falei “Olha, eu vou atender os deputados federais toda segunda-feira, mas o Dr. Ulysses eu atendo na hora que ele chegar. O Dr. Ulysses não espera na sala, ele vai entrar”. E pedi desculpas a ele. Aí levei ele pra almoçar, ele almoçou comigo. Conversamos, tal, ele me chamava de “Flêrrí”, falava com a pronúncia afrancesada, e passou a ir às tardes. Eu atendia os deputados pela manhã, ele ia pra Brasília às segundas-feiras à noite. Seis horas da tarde ele passava no palácio, conversava comigo, a gente se atualizava, tal, e ele pegava o avião e ia pra Brasília. Assuntos políticos, assuntos pessoais, brincadeiras, ele era um sujeito muito bem-humorado. Ele era um sujeito com aquela cara meio patibular mas era um brincalhão.

Eu tive passagens excepcionais com o Dr. Ulysses, ele era um sujeito muito disposto, especialmente pra idade dele, e quando ele foi candidato a presidente eu participei, fiz campanha pro Dr. Ulysses, inclusive gravei televisão, pedindo voto, e tal, era secretário de Segurança, estava muito bem, a segurança em São Paulo estava melhorando, e ele ficou muito grato, foi quando eu comecei a ter um contato mais próximo com ele, com a Dona Mora, com a Celina e o Tito, que eram os enteados dele, e passamos a ter um relacionamento mais próximo. E me recordo de uma reunião na casa dele em que estava se discutindo o que ele devia falar e o Miguel Reale Jr., o Miguelzinho, falando das idéias, em termos de segurança, e administração penitenciária, e falou, falou, falou e falou, aí eu falei “Dr. Ulysses, o Sr. quer ganhar a eleição, né? Fala: ‘Preso tem que trabalhar’”. Nossa, quase apanhei! Mas o Miguel e eu sempre tivemos divergências intelectuais, né? E o Miguel fez a reforma do código de 84, eu critiquei muito, eu também sou penalista, então sempre tivemos aí as nossas diferenças, mas em 89 estávamos nós dois do lado do Dr. Ulysses, foi antes dos tucanos, e tal. Aliás, diga-se de passagem, quando o PSDB foi formado, eu fui convidado pra ir pro PSDB, eu era secretário Segurança e fui convidado pelo Montoro. O Montoro me ligou, tal, tivemos uma conversa na casa dele, me convidou, ele e o Fernando Henrique, foram eles que me convidaram para ir, mas eu estava na secretaria, tinha compromissos programáticos, de lealdade, e não podia sair do partido.

Bom, depois quando eu já era governador e ele fora da presidência do partido, a gente, como eu disse, toda semana tinha uma conversa, rápida, mas tinha. Toda segunda-feira. E aí vem o episódio do Collor, e o Dr. Ulysses, no início, era frontalmente contra o impeachment, frontalmente contra. Ele dizia o seguinte: “O povo é igual ao leão. Depois que prova o gosto do sangue, da carne humana, ele não vai se contentar com um só”. E se você analisar os fatos, sem entrar no mérito, você vai ver que houve uma mudança em termos de tratamento, em relação a político, em que se generalizou, “todo político é safado”, e muita gente foi imolada no altar da moralidade sem merecer, vou dar um nome: Ibsen Pinheiro, que foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal por onze a zero. O Alceni Guerra, foi um verdadeiro linchamento. Então o Dr. Ulysses tinha muito receio disso, e eu me lembro de uma reunião, o Quércia, ele eu, exatamente pra conversar sobre isso, ele pediu que eu chamasse o Quércia para uma conversa, nós três, e ele expôs esse receio e foi quando ele usou essa expressão, e ele falou pro Quércia: “Pode ter certeza que depois do Collor, o próximo é você”. E aí aconteceu o seguinte: o Collor em determinado momento ataca o Dr. Ulysses [em uma reunião na casa do parlamentar Onaireves Moura, em que Collor usou o termo “bonifrate das forças reacionárias” para caracterizar Ulysses], chamou ele de velho, senil, e aí o Dr. Ulysses foi no Jô Soares e diz “velho sim, velhaco nunca”. E o Dr. Ulysses me liga e fala “Fleury, esse moço perdeu o juízo. Olha, não vamos pagar por aquilo que nós não fizemos”. Aí ele vai no Jô, no dia seguinte, me fala “fui convidado, vou ao Jô”, ele foi e aí o processo se precipita.

"Ao Bernardo, pesquisador incansável e 'papo' de se esquecer das horas, com os votos de sucesso do Fleury. 09/11/01"

E aí começa o processo de formação do ministério do Itamar. E o Dr. Ulysses e eu conversando o tempo inteiro, até que naquele feriado que ele estava na casa do Renato Archer, em Angra, eu estava em Campos do Jordão. Aí ele me ligou quando saiu o anúncio de alguns ministros. Que ele não gostou. Ele me ligou imediatamente, falou “você assistiu a televisão?”, respondi “assisti, sim, Sr.”. Ele falou “precisamos conversar! Não dá pra aceitar isso, precisamos ajudar o Itamar, acho que ele está cometendo alguns erros”. Eu respondo “tudo bem, Dr. Ulysses, como é que o Sr. quer fazer?” Isso era um sábado à noite. Ele falou “eu vou amanhã pra São Paulo, de manhã”, que era domingo, e perguntou “quando é que você volta pra São Paulo?”, eu respondo “vou amanhã cedo, também”, e ele “tá bom, então podemos conversar amanhã, no final da tarde? Porque assim eu vou segunda cedo pra Brasília, e você poderia ir à noite”. Falei “tá bom, Dr. Ulysses, tá combinado, então”. Aí no domingo de manhã, Campos amanheceu completamente nublado, não tinha teto pra decolar. Eu liguei pra ele na casa do Renato, falei “Dr. Ulysses, aqui está sem teto pra decolar, então vamos fazer o seguinte: vamos deixar nossa conversa pra amanhã cedo, em São Paulo, o Sr. podia tomar café da manhã comigo, porque eu vou no final da tarde, vou de carro, então vou chegar mais tarde. Amanhã cedo a gente conversa, aí o Sr. vai pra Brasília”. Não era nada tão urgente, mas ele estava aflito. Ele falou “não, não, eu vou pra São Paulo hoje de qualquer maneira”. Perguntei “o tempo aí tá bom?”, ele falou “aqui tá bom, tá meio nublado mas dá pra ir”. Falei “tá bom, Dr. Ulysses, então a gente se encontra amanhã, e amanhã o Sr. toma café comigo”. Ele pergunta “a que horas?”, falei “oito horas no palácio, tá bom?”, ele disse “tá bom”, “então amanhã a gente se fala, até logo”. E aí, morreu.

Essa nossa conversa foi mais ou menos oito e meia da manhã, ele acordava cedo, eu também acordo cedo, e aí quando foi no final da tarde o Oswaldo, me ligou, comunicando, e eu soube que o Severo foi junto. O Severo, que foi meu secretário de Ciência e Tecnologia. Mas enfim, o Dr. Ulysses eu te diria o seguinte: eu lamento só ter privado da intimidade dele de uma forma mais intensa por pouco tempo, porque ele era um gigante, era um homem de uma dimensão extraordinária. Acho perfeita uma frase que disseram sobre ele, não lembro mais quem foi, que ele era um homem de tamanha dimensão, que o túmulo dele só poderia ser o mar, porque qualquer cova seria pequena pra grandeza desse homem. Ele era uma figura ímpar. Era um sujeito de uma coragem, de uma inteligência, de uma capacidade de articulação... era um monstro.
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