Que saudade da ORNABI... três, quatro andares? Oito, nove salas? Centenas de milhares de obras, o prazer de andar de pavimento em pavimento tropeçando e trombando com obras primas, com Alencar, com Machado, com Ruy, com Nabuco... quantos livros não li no silêncio e na tranqüilidade das recônditas reentrâncias de cada salão? Como testemunhas, somente o retrato de Seu Luis com Brasil Bandecchi e outro com Pontes de Miranda. O resto, como dizia Hamlet, era silêncio. Sossego. E de vez em quando, ao longe, a voz esganiçada do Seu Luis. Saudade pura.
Certa vez, passeando pelo terraço me deparo com algumas pilhas de livros amarrados com cordas de nylon. Chego perto e vejo que os volumes roídos pelas traças eram dos anais da Câmara Municipal na legislatura de 1948 a 1951. Por magnífica coincidência, utilíssimos e indispensáveis para minha pesquisa sobre Jânio quando vereador. Seu Luis comentou que pertenceram a Brasil Bandecchi, colega de Jânio naquela notável legislatura. Pergunto-lhe o preço. Responde que nunca sequer pensara em vender aquilo mas chutou 400 reais pelos sessenta volumes. Me olhou desconfiado, como que prevendo minha reação negativa. Enganou-se: "Vendido", disse eu. "Só que eu tenho um problema, Seu Luis. Não tenho cheque e não tenho cartão. Posso vir aqui e pagar 100 reais por mês". "Shtá feito", responde ele, cheio de bonomia. E graças à sua generosidade pude levar a coleção. Eu parecia um burro de carga carregando os volumes todos, em duas viagens, numa mochila gigante, até o terminal Bandeira.
Noutra ocasião me liga: "Meu amigo, separei aqui para você a coleção do Maquis", jornal de violenta orientação udenista, editado na década de 50 por Amaral Netto. "Você shtá pesquisando o Jânio e o Maquis shtá cheio d' reportagens sobre ele". Sabia e me ajudava. Já me contara que conheceu o ex-presidente quando este ainda era aluno do Largo São Francisco. Conhecera Gabriel, pai de Jânio, cujo consultório médico ficava a poucos metros dali, na Sé. Adhemar, então, fora padrinho de seu casamento. Muitas histórias. Mesmo esquema. Levo todos e fui pagando aos poucos. Quantos não teriam pago mais do que eu? Quantos não teriam pago à vista? Onde encontro essa amizade hoje? Esse interesse de que os livros caiam nas mãos certas?
O papo sempre descontraído e divertido com o querido Seu Luis... Sem ele, o centro já não é mais o mesmo... a esquina da Quintino Bocaiúva com a Benjamin Constant parecia estacionada no tempo graças à ORNABI. Sentia-se à noite uma sensação tão extraordinária de nostalgia, de bondes parados, de alunos de terno e chapéu, de elevadores de madeira, de café passado na hora, do cheiro da garoa tocando o chão quente... era estar no centro em 1945.
Por volta de 2008, creio, o Seu Luis, já com quase 90 anos, se desfez do acervo gigantesco de livros da ORNABI e se aposentou. Pouco antes disso acontecer, seu dia-a-dia foi felizmente registrado em dois pequenos documentários. O primeiro, que parece ser trabalho de alunos da FAAP, chama-se "Histórias & Sebos - Quintino, 167, Sala 9".
Histórias Sebos from Bernardo Schmidt on Vimeo.
O segundo, excelente, é de Camilo Cassoli e se chama "Livraria ORNABI". Embora curto, capta algo da essência desse maravilhoso livreiro. Assistam.
Seu Luis se foi em janeiro de 2011, aos 92 anos.
Saudades, Seu Luis.
Histórias Sebos from Bernardo Schmidt on Vimeo.
O segundo, excelente, é de Camilo Cassoli e se chama "Livraria ORNABI". Embora curto, capta algo da essência desse maravilhoso livreiro. Assistam.
Seu Luis se foi em janeiro de 2011, aos 92 anos.
Saudades, Seu Luis.
Livraria Ornabi from CurtaDoc Acervo on Vimeo.
Que tristeza saber que o velho Luis foi embora. Eu adorava a Ornabi, a conversa com ele, a gentileza da esposa, tudo era muito gratificante. Tive a satisfação de ir ao apartamente dele certa vez, quando fui levar uma coleção de livros de economia. Depois que fechou eu soube que ele tinha retornado a Portugal. É uma grande lembrança e fará falta sempre. Fique com Deus Sr. Luis.
ResponderExcluirSeu Luís, "meu rico leitore"... ah ah ah aquele seu sotaque lusitano saudava o seu freguês frequente. Tenho ao meu lado as obras que formam uma imensa biblioteca. Penso nos livros, no Seu Luís, em mim mesmo e chego à conclusão de que somos homens de outro tempo. Sombra que se projetam sobre esses tempos de luz fria e impessoal.
ResponderExcluirLindos comentários do Zé Clemente e Sérgio Jacómino. Disseram tudo. Sem palavras. Luis Oliveira Dias, sorrindo, certamente.
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