desde o momento em que criei a comunidade dedicada a Guarnieri, no orkut, comecei a escrever textos sobre suas parcerias musicais, ignoradas pelo público mais novo e inteiramente ausente da internet. Tendo escrito a respeito e disponibilizado trilhas de espetáculos como Arena Conta Zumbi, Botequim e Ponto de Partida, aproveitei sites magníficos como o Loronix e fiz um garimpo das músicas que trazem Guarnieri como letrista, e que porventura não tivessem entrado nos antigos LPs com a trilha dessas peças. A esse esforço juntaram-se abnegadamente pessoas da comunidade e no fim de algumas semanas eu tinha pronto aquilo que batizei de “Cancioneiro de Gianfrancesco Guarnieri”.
Publiquei-o no orkut em 9 de abril de 2006, em texto extenso no qual comentei a origem e as circunstâncias de cada gravação, incluindo no fim o link para download de todas as 25 versões que encontrei para essas músicas. O próprio Guarnieri e sua família aprovaram e elogiaram a iniciativa, o que me estimulou a seguir em frente, atrás de versões difíceis, praticamente desconhecidas, que não constavam nos sites que geralmente me guiavam, como o cliquemusic.com.br e o discosdobrasil.com.br. Tendo o mestre e sua família ao lado, me auxiliando, além de vários outros amigos e membros da comunidade, incentivados pelo acerto que foi o Primeiro Cancioneiro, um mês e meio depois, em 27 de maio, veio o “Cancioneiro de Gianfrancesco Guarnieri - Vol.II”, desta vez com 29 versões. Erros que cometi pela pressa com que pesquisava e escrevia, foram corrigidos, novas informações foram adicionadas e mais um passo largo foi dado no sentido de reunir a obra de Guarnieri e ensinar as gerações mais novas sobre essa faceta pouco conhecida do grande autor.
Menos de dois meses após a publicação do Segundo Cancioneiro, que Guarnieri e sua esposa Vanya ouviram juntos, apreciando aquelas gravações maravilhosas, antigas, que nem eles mesmos tinham mais, o mestre morreu. Foram necessários quase três anos para que eu tivesse ânimo de lidar com esse material novamente. Em 29 de janeiro de 2009, veio o “Cancioneiro de Gianfrancesco Guarnieri - Vol.III”, com mais 31 versões de suas composições como letrista. Juntando os três cancioneiros, são mais de 85 versões. É um número altamente significativo, considerando que metade dessas versões sequer consta das relações do cliquemusic.com.br e do discosdobrasil.com.br. Desde então não vi mais necessidade de continuar. O material vem rareando, não apenas porque os LPs que poderiam trazer diferentes versões estão cada vez mais escondidos nos porões das gravadoras e nas empoeiradíssimas coleções particulares, mas porque, com efeito, talvez tenhamos chegado ao limite daquilo que foi gravado.
O que fiz aqui, e que se verá a seguir, foi condensar em um só os textos que escrevi e dividi-lo em três partes. Cada uma delas terá seu link de download. Este é o mais completo cancioneiro de Guarnieri até o momento, com 88 versões de suas músicas, e mais alguns bônus tracks, com músicas relacionadas, de alguma forma, ao dramaturgo. Encerro esta pequena introdução com um agradecimento especial a Larissa Maragno, sem a qual nada disto teria sido feito. Ela esteve sempre presente, solícita, prestativa, generosa, paciente, com sua boa-vontade infindável e seu astral maravilhoso. Minha gratidão a ela é eterna. E deixo dois comentários que fiz quando publiquei os textos no orkut: 1) Este "Cancioneiro" evidentemente não é definitivo. Trata-se apenas de uma iniciativa amadora e despretensiosa de trazer a vocês a produção musical de Guarnieri. É pena que o grande Almir Chediak não esteja mais entre nós, porque Guarna seria o objeto de um belíssimo songbook. 2) A busca pelo material dos cancioneiros me remeteu sempre ao poema Aos pósteros de Brecht, adaptado por Guarnieri e Boal para o Zumbi, porque esse esforço de todos nós no resgate da maravilhosa obra do saudoso Guarnieri é a própria conquista da "terra da amizade", a que alude o poema, "onde o homem ajuda o homem". Muito obrigado a todos vocês.
Bernardo
__________________________________________________
Adoniran Barbosa
A faceta musical de Guarnieri surgiu com sua primeira peça, Eles não usam Black-Tie, em que a letra do sambinha Nóis não usa os Blequetais ganhou música de Adoniran Barbosa. Com as dezenas de remontagens da peça nos anos seguintes, ela foi ganhando novas letras de Guarnieri e novas músicas, sejam de Carlos Lyra, Ary Toledo, ou o artista que estivesse próximo ao Arena, na ocasião. A produção lírica continuou na segunda peça, para a qual Guarnieri escreveu a letra da música-título, Gimba, musicada por Jorge Kaszas. Na montagem cinematográfica da peça, surgiu a primeira parceria que se tornaria um clássico: O Morro - Feio não é bonito, com música de Carlos Lyra. Flávio Rangel dizia que este era o samba favorito de Tom Jobim, justamente por casusa do verso "feio, não é bonito". Da parceria com Lyra surgiriam ainda Glória in Excelsis, das duas ou três que ambos chegaram a compor para uma "Missa Agrária" que ficou apenas no projeto, e Lá vem o bloco, composta para o festival da Record de 1966, em que A Banda e Disparada venceram o primeiro prêmio.
Em 65 o dramaturgo conheceu aquele que viria ser seu principal parceiro musical: Edu Lobo. Da parceria com Edu nasceram obras-primas como a trilha do musical Arena Conta Zumbi e as canções compostas para as peças Memórias de Marta Saré e Me dá o mote.
Em 1967 veio Arena conta Tiradentes, de Guarnieri e Boal, e as músicas das principais canções do espetáculo foram compostas por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Théo de Barros e Sidney Miller. Destas canções, somente Espanto, de Guarnieri e Théo de Barros, foi gravada. As outras três composições permanecem inéditas em LP ou cd. Já tenho uma gravação caseira (meu melhor obrigado a você, querido DAVID JOSÉ) da música Dez Vidas, de Sidney Miller, e estou em processo de escolha para realizar uma gravação profissional dela. Assim que conseguir trarei aqui para vocês.
Toquinho
No fim da década de 60, Guarnieri caiu de pára-quedas numa composição inacabada de Toquinho e Jorge Ben. Deu-lhe um retoque e a música Zana acabou sendo o início da bela parceria de Toquinho e Guarnieri, que nos rendeu as canções de quatro peças, Tudo de Novo, Castro Alves Pede Passagem, Botequim e Um grito parado no ar. A parceria de Guarnieri e Sérgio Ricardo consiste de três músicas compostas para a peça Ponto de Partida, de 1976. Em 1980 Guarnieri compôs a letra para a música Clareira Aberta, de Chico Mário, irmão de Henfil e Betinho. Creio que representa o fim de suas criações musicais.
Algumas considerações:
Carlos Lyra |
2 – Sendo a composição mais conhecida de Guarnieri, superabundam por aí gravações de Upa, Neguinho. Separei 19 versões para os cancioneiros. Poderia ter colocado mais umas 15, se quisesse; gravações bobas, oportunistas, sem maior qualidade musical. Mas meu intuito nunca foi somente o de introduzir as pessoas à obra de Guarnieri, mas de que ela fosse conhecida pela voz e pelos instrumentos de músicos gabaritados, tão talentosos quanto os compositores cuja obra estavam interpretando.
4 – A única música com letra de Guarnieri que recebeu versão em inglês é Memórias de Marta Saré, que virou Crystal Illusions. Feio, não é bonito teve regravações para discos de Carlos Lyra no México e nos Estados Unidos, e por terem sido lançados especificamente nesses mercados, tiveram somente seus nomes traduzidos (El Jacal e The Hill). Até existem algumas canções de Lyra em espanhol, mas Feio, não é bonito infelizmente não entrou nessa seleção.
Para esta empreitada benéfica, que traz gratuitamente ao lume um material precioso que está empoeirando por aí, contei com a ajuda de amigos generosos e abnegados. Difícil citar todos, e impossível não citar pelo menos alguns, como Gilberto Brasil, Vander Colombo, Ruth Pacheco, Hugo Kochenborger, Vadir Picolo, Marcos D'Olivais e Nilson Aguiar. José Juvenal Gomes me mandou o magnífico Gimba cantado por Marlene. Cecília Thompson me abriu seu baú de recordações e foi através dela que consegui muitas das maravilhas que se encontrarão aqui. Renata Ferreira me auxiliou sem fazer perguntas, sem se queixar, sem cobrar, nada. Somente pelo prazer de ajudar e de ver o estado de êxtase em que eu ficava cada vez que ela me aparecia com algo raro e precioso. Bruno DeLaRosa é outro que me ajudou generosamente não só com músicas que eu já estava desistindo de encontrar, mas também com seu conhecimento extenso de músico e apreciador da MPB. Tivemos excelentes discussões madrugada adentro acerca das parcerias de Guarna com Toquinho e Edu Lobo.
Zeca Louro |
Agradeço também ao dileto amigo Marcus Falcão pelo pronto envio de Upa, Neguinho com Patrícia França e o Quinteto Violado; Patrícia (infelizmente não tenho o sobrenome da moça, que se deletou do orkut), pela Canção do Medo, divinamente interpretada, ao vivo, por Marlene; e Renato (o sobrenome não consta de seu perfil no orkut), pelo envio do Feio, não é bonito de Jair Rodrigues, que eu procurei desde o Primeiro Cancioneiro, sem sucesso. Mando também um beijo à minha doce e prestativa amiga Bellacrys e a todos aqueles que me ajudaram e incentivaram – no melhor estilo do próprio Guarnieri – de maneira desinteressada e generosa. E agradeço sobretudo à Vanya Sant'Anna, que sempre deixou de lado seus importantes afazeres para responder com paciência evangélica meus questionários intermináveis. A todos, muito obrigado!
_______________________________________________
Cancioneiro Completo
de Gianfrancesco Guarnieri
Nóis não usa os Blequetais (Adoniran Barbosa/Guarnieri)
1 – A primeira letra de Guarnieri recebeu música de Adoniran Barbosa em 1958, quando Eles não usam Black-Tie estava em cartaz no Arena. Foi lançada como lado B de um compacto simples de 78rpm da RGE, que trazia a música Pafunça, parceria de Adoniran com Oswaldo Molles, no lado A.
A curiosidade é que no compacto a composição é creditada a "Peteleco" e "Tião". Peteleco na verdade era o cachorro de Adoniran, e o pseudônimo seria usado tanto por Adoniran quanto por sua esposa, em algumas co-autorias (o que não deixa de ser uma ironia, já que "Adoniran Barbosa" por si só já era o pseudônimo de João Rubinato, que se transformou em Adoniran Barbosa para homenagear seus amigos Adoniran Alves e Luís Barbosa). E Tião era ninguém menos do que o próprio Guarnieri, utilizando seu nome na peça. No cartaz promocional da RGE, mesma coisa; a música era de Peteleco e Tião, e Adoniran aparecia somente como intérprete.
Leon Hirszman
2 – A música foi regravada pelo próprio Adoniran em 1981 para o filme que Leon Hirzman realizou a partir da peça de Guarnieri. Ficou bem melhor que a versão de 58.
3 – Como parte do projeto "Poeta, mostra tua cara", em 96, Solange Kafuri dirigiu um show com Guarnieri, Marília Medalha e o grupo vocal Catavento, com participação especial de Edu Lobo e Carlos Lyra. A amizade se firmou entre Guarnieri e o grupo, e quando o Catavento decidiu gravar um cd homenageando Adoniran Barbosa, no ano seguinte, chamou o letrista para cantar junto. É uma gravação divertidíssima, em que Guarnieri alterna os vocais com o grupo.
Letra:
O nosso amor é mais gostoso
Nossa saudade dura mais
O nosso abraço mais apertado
Nóis não usa os bleque tais
Minhas juras são mais juras
Meus carinho mais carinhoso
Suas mão são mãos mais puras
Seu jeito é mais jeitoso
Nóis se gosta muito mais
Nóis não usa os bleque tais
Gimba (Jorge Kaszas/Guarnieri)
Em 1959, ano seguinte à avassaladora estréia de Black-Tie, Guarnieri escreveu Gimba para Maria Della Costa a convite de Sandro Polloni, diretor da companhia e marido de Maria. Pela primeira vez trabalhando em palco italiano, a peça assumiu ares de grande espetáculo e teria duas músicas originais. Inexperiente nesses assuntos, já que a "trilha" de Black-Tie consistia em uma música dada de presente por Adoniran, entre garrafas de cachaça e cinzeiros transbordando, Guarnieri falou com o pai, o maestro Edoardo Guarnieri. Edoardo recomendou seu colega de partidão, o maestro húngaro Jorge Kaszas, para trabalhar com o filho. Kaszas, pelo que pude apurar, se foi em 2002. Que eu saiba, eles só compuseram duas músicas para a peça, que são estas apresentadas a seguir.
Sebastião Campos e Maria Della Costa, em "Gimba"
1 - A primeira gravação desta música foi feita pelo ator e barítono Ivan de Paula, que atuou no espetáculo no papel de "Negrão". Está num bolachão de 78 rotações lançado pela Mocambo/Rosemblit provavelmente em maio de 59. Creio que a impressão deste disco foi exclusiva para as rádios, mas não tenho certeza. O que eu sei é que ele não foi jamais relançado ou convertido para 33 rotações. É desse bolachão que vem a música que vocês vão ouvir, e como eu não sou técnico de som e nem tenho idéia de como se remasteriza um disco velho, não estranhem o chiado, muito típico dos discos de 78 rotações, e que procurei reduzir o máximo.
Uma observação: este disco é raríssimo e só existe em alguns centros culturais espalhados pelo Brasil. Mas como todos nós sabemos, a burocracia impera nesses centros culturais e seus funcionários são geralmente gente entediada que não faz idéia do material com que está lidando e também não faz questão de facilitar sua divulgação, portanto é com satisfação que passo por cima disso e trago a vocês as músicas prontas e livres de complicações. É gratificante pensar que depois de mais de 45 anos em silêncio, este velho bolachão cantou novamente.
2 - Em setembro de 1959 – portanto quatro meses depois do lançamento do disco de Ivan de Paula – Marlene gravou sua versão de Gimba pela Odeon. Marlene estava no auge de sua popularidade como rainha do rádio e sua gravação foi um sucesso. O fonograma foi recentemente remasterizado pelo Instituto Moreira Salles, então a qualidade é muito boa.
Walter Wanderley
3 - Mais conhecido por ser o marido que espancava Isaurinha Garcia, o pianista Walter Wanderley (1932/1986) gravou esta música em 1960, num compacto que trazia uma música americana qualquer no Lado A, e Gimba no Lado B. Sua versão é instrumental e eu sinceramente a considero de uma mediocridade terrível. A composição de Jorge Kaszas merecia uma orquestra, e não esse arranjozinho com órgão que só funciona em elevador de hotel três estrelas. De qualquer forma, a música depois entrou num LP de Walter chamado Sucessos dançantes em ritmo de romance, então a qualidade de som é ótima.
4 – Esta é uma versão instrumental do maestro Luiz Arruda Paes e sua orquestra. Luiz (1926/1999) era instrumentista, regente e compositor, mas foi na área dos arranjos que ele se celebrizou. Trabalhou como maestro da TV Tupi do primeiro ao último dia de funcionamento dessa emissora. Era respeitadíssimo, foi um dos fundadores da Jazz Sinfônica de São Paulo e sua versão de Gimba é bem melhor do que a de Walter Wanderley (perdão aos fãs de Walter). Está num LP chamado Brasil Moreno, de 1960.
Letra:
Ô Gimba...
Gimba... (na versão de Marlene)
Ninguém do meu morro esqueceu
malandro bamba que eu muito conheci
malandro triste cansado de viver, sofrer
O morro inteiro chora por ti. ("canta por ti", na versão de Ivan)
Gimba, todo morro te chorou.
Deixou a mulata pra gente consolar,
deixou a navalha pra gente usar na hora H,
sumiu da vida, cansado de cansar.
Gimba, oi Gimba, oi Gimba, aiai...
vestido de zinco ficou.
O samba hoje é triste, de soluço.
Sem Gimba o morro acabou.
Salve Salve General (Jorge Kaszas/Guarnieri)
Lado B do LP de Ivan de Paula que traz Gimba no Lado A. Que eu saiba, é filho único e jamais foi regravada.
Letra:
Lá, lá, lá, lá
oi Salve o Gimba!
Salve, salve General
seu retorno enche o morro de alegria
hoje pra nós é carnaval
chegou o mestre da valentia
presidente dos valentes!
Presidente dos valentes
o morro veio a levantar, pois é
relembrando o tempo que já passou
Salve, salve meu senhor!
O meu samba te abraçou
Presidente dos valentes
o morro veio a levantar
pra mostrar à muita gente
que a nossa favela dá o que falar.
Lá, lá, lá, lá
oi Salve o Gimba!
Glória in Excelsis (Carlos Lyra/Guarnieri)
1 – Carlos Lyra e Guarnieri compuseram Glória in Excelsis para uma "Missa Agrária" que ficou apenas no projeto. Além dessa havia duas outras músicas ("Hino dos Inocentes" e "Perante a Lei") que jamais receberam gravação oficial. Só o que existia eram as gravações da introdução de Glória seguida por Carcará, de José Cândido e João do Vale, costume inaugurado com o espetáculo Opinião e copiado por TODO MUNDO. A primeira gravação foi de Nara e está no cd com a trilha da peça. A segunda – que apresento aqui – foi de Bethânia, que substituiu Nara. Está no primeiro disco da irmã de Caetano, lançado em 1965. Desnecessário dizer que é maravilhosa.
Bethania canta "Glória" na
introdução de "Carcará" no 4º Festival da Balança, "o maior festival universitário do Brasil"
2 – Mais uma versão de Bethânia, sem alterações na estrutura, mas muito melhor porque ela a canta ao vivo no célebre Festival da Balança, de 1966 (festival patrocinado pelo Centro Acadêmico João Mendes Jr., da Faculdade de Direito do Mackenzie), e sua emoção transborda na interpretação. Até mesmo quando ela inclui ninguém menos do que o estilista Denner, naquele datado e estranhíssimo texto patriótico, no meio de Carcará.
3 – Durante 40 anos não houve uma gravação integral de Glória in Excelsis. Talvez por isso mesmo, em 2006 Lyra preparou uma espécie de CD acompanhado de um livro (Cd Book Eu e a Bossa, lançado oficialmente em 2008) onde falou de sua carreira e aproveitou para regravar uma penca de suas magníficas composições. Para nossa sorte, ele lembrou-se de Glória e gravou-a pela primeira vez. A composição recebeu um ritmo de xote (inadequado, a meu ver) e não é muito prazeroso engolir o sofisticadíssimo Lyra cantando com um falsérrimo sotaque nordestino. É a própria Bethania que deveria fazer a rendição definitiva de Glória. Ainda assim, é pérola raríssima e fico satisfeito de trazê-la a vocês, finalmente.
Letra:
Glória a Deus Senhor nas alturas
E viva eu de amarguras
Nas terras do meu senhor
Não, não é só do meu sofrimento
É mais tristeza e lamento
É todo o meu povo em dor
Eu sei bem que Deus meu pai
Que vê tudo, na verdade
Sabe o bem, sabe a maldade
Vai saber minha razão
E também vai condenar
Vai negar o seu perdão
Ao Senhor que anda esquecido
Que os homem são tudo irmão
Glória a Deus Senhor nas alturas
E viva eu de amarguras
Nas terras do meu senhor
Um pequeno detalhe: nas gravações caseiras da época, Guarnieri trocava a letra da estrofe final para “Glória a Deus Senhor nas alturas, e viva nóis de amargura, nas terras do mau sinhô”.
O Morro – Feio, não é bonito (Carlos Lyra/Guarnieri)
Carlos Lyra |
1 - A música teve diversas gravações em 1964 e seria necessário correr atrás da data de lançamento de cada LP (coisa que não fiz) para descobrir qual veio primeiro. CREIO que a primeira gravação foi de Jair Rodrigues. Vem do segundo LP da carreira de Jair, O Samba como ele é, de 64. Embora o grande talento de Jair ainda estivesse no nascedouro, é um belo registro.
2 – Até onde eu sei, a primeira gravação oficial de Carlos Lyra para Feio, não é bonito é de um LP que ele gravou em 64 com o saxofonista americano Paulo Winter (1939) chamado The Sound of Ipanema – Paul Winter with Carlos Lyra. Posso estar enganado. De uma forma ou de outra, é uma gravação interessante, no estilo das que João Gilberto fez com Stan Getz ou Jobim com Gerry Mulligan. Esta, aliás, é a tal que recebeu o nome de "The Hill", fazendo com que eu ficasse crente de que havia uma versão em inglês da música.
Pery e Nara: inigualáveis lançadores de sucessos
3 – Pery Ribeiro gravou a canção no LP Pery Muito Mais Bossa, de 64. Hoje a gravação está um pouco velha, mas o filho de Dalva de Oliveira e Herivelto Martins continua com uma bela voz e foi sempre um grande lançador de sucessos.
4 – A versão de Nara, constante de seu primeiro LP, Nara, de 1964, é quadrada e sem a mínima graça. Mas como eu não sou exatamente fã de Nara, minha opinião é suspeita.
5 – Um dos costumes de Elis e Jair Rodrigues no Fino da Bossa era cantar pout-pourris de compositores ou temas. Neste, lançado no LP Dois na Bossa, de 1965, o pout-pourri é dedicado a músicas que falam do morro. Ficou a cargo de Elis cantar a parceria de Lyra e Guarnieri, mas é um prazer ouvir a música toda e constatar a maravilhosa química que existia entre esses dois talentos extraordinários que são Elis e Jair.
O Morro não tem vez
(Jobim/Vinícius)
Esse Mundo é Meu
(Sérgio Ricardo/Ruy Guerra)
Feio, não é bonito
(Lyra/Guarnieri)
Samba do Carioca(Lyra/Vinícius)
Esse Mundo é Meu (reprise)
(Sérgio Ricardo/Ruy Guerra)
A Felicidade
(Jobim/Vinícius)
Samba do Negro
(Roberto Corrêa/Sylvio Son)
Vou andar por aí
(Newton Chaves)
O Sol nascerá - A Sorrir
(Cartola/Erlon Chaves)
Diz que fui por aí
(Zéketti/H. Rocha)
Acender as velas
(Zéketti)
A voz do morro
(Zéketti)
O Morro não tem vez (reprise)
(Jobim/Vinícius)
6 – O segundo pout-pourri com Jair e Elis, lançado apenas em 1994 no terceiro cd de uma coleção que teve o inacreditável mau-gosto de não mencionar o nome de Jair em seu título (Elis Regina no Fino da Bossa - ao vivo), é dedicado a Carlos Lyra. Desta vez é Jair que canta Feio, não é bonito, e é divertidíssimo ouvir a reação de Elis dizendo "Ahhhh... essa eu conheço!", quando ouve a primeira frase da música.
Minha namorada
(Lyra/Vinícius)
Primavera
(Lyra/Vinícius)
Se é tarde me perdoa
(Lyra/Ronaldo Bôscoli)
Cartão de Visita
(Lyra/Vinícius)
Feio, não é bonito
(Lyra/Guarnieri)
Maria Moita
(Lyra/Vinícius)
Maria Ninguém
(Lyra)
Maria do Maranhão
(Lyra/Nelson Lins e Barros)
Aruanda
(Lyra/Geraldo Vandré)
Samba do Carioca
(Lyra/Vinícius)
7 – Em 1965 Edu Lobo gravou um LP ao vivo com Nara Leão e o Tamba Trio. No ano seguinte foi a vez dele gravar o LP Reencontro - Silvinha Telles, Edu Lobo, Tamba Trio e Quinteto Villalobos. A canção de Lyra está num pout pourri que inclui primeiramente O Morro não tem vez (Jobim/Vinícius), Feio, não é bonito e Zelão (Sérgio Ricardo). A primeira é cantada pelo Tamba Trio e Zelão é cantada por Edu. Quem canta Feio, não é bonito é Sylvia Telles. Ela não era extraordinária como Elis ou Maysa, mas era uma ótima cantora de Bossa Nova e verdadeiramente amada por seus fãs e colegas do meio artístico. O valor do LP é redimensionado pelo fato de que Sylvia morreu em dezembro daquele ano de 66, com apenas 32 anos.
8 – Se Sérgio Mendes tinha um mérito, além de seu talento, era o fato de se juntar com músicos tão competentes ou mais do ele próprio. Neste LP de 1966, Sérgio Mendes in person at El Matador, gravado ao vivo e que foi seu primeiro trabalho lançado nos Estados Unidos, ele está acompanhado de craques como Chico Batera, Tião Neto no baixo, Rosinha de Valença no violão e Wanda Sá nos vocais. É uma versão bonitinha e correta.
9 – Em 1966 a grande Leny Andrade gravou o LP Leny Andrade no México, acompanhada de músicos brasileiros, e no track list ela também incluiu Feio, não é bonito em um pout pourri que começava com Aruanda (Lyra), Feio, não é bonito e Exaltação à Mangueira (Enéas Brites da Silva/Aloísio Augusto da Costa). Só podemos festejar. A música de Lyra e Guarnieri na voz de Leny é um privilégio para todos nós.
10 – Lyra regravou a música com o nome de El Jacal para um LP de 1969 chamado Carlos Lyra – Sarava. Por vezes entendo por que Lyra está de saco cheio de gravar as mesmas músicas 200 vezes.
Lyra na capa de "Saravá",
com a esposa Kate
11 – O pernambucano Heraldo do Monte é um famoso violonista e arranjador que começou com Walter Wanderley na década de 50 e mais tarde tocou, como membro efetivo ou apenas acompanhando, a Orquestra de Carlos Piper, o Zimbo Trio, Os Cinco-Pados, Arthur Moreira Lima e Michel Legrand. Batida Diferente – Heraldo do Monte e seu conjunto bossa nova foi seu primeiro disco solo e no Loronix está consignado que seu lançamento é de 1960. Como a música é de 1963, é possível que haja um equívoco. Em todo caso, é uma boa versão instrumental.
12 – Lyra fez nova regravação, desta vez no cd Bossa Lyra, de 1993. É uma beleza. Lyra deixou o clima de samba no começo mas partiu rasgadamente para a Bossa Nova quando entra com o verso Feio, não é bonito.
13 – Beth Carvalho, como uma de nossas melhores sambistas, foi na direção contrária de Lyra e resgatou o clima de samba de raiz e foi até o fim com ele. É uma bela gravação. Do Songbook Carlos Lyra, de 1994.
14 – Em 1998, o saxofonista Paul Winter parece ter ficado com saudade do Brasil e gravou um cd com o afamado instrumentista carioca Oscar Castro Neves, onde reprisou Feio, não é bonito. Versão simpática.
Letra:
Salve as belezas desse meu Brasil
Com seu passado e tradição
E salve o morro cheio de glória
Com as escolas que falam no samba
Da sua história
Feio, não é bonito
O morro existe
Mas pede pra se acabar
Canta, mas canta triste
Porque tristeza
E só o que se tem pra contar
Chora, mas chora rindo
Porque é valente
E nunca se deixa quebrar
Ah! Ama, o morro ama
Um amor aflito, um amor bonito
Que pede outra história.
Sem Você (Carlos Castilho/Guarnieri)
Carlos Castilho era músico e irmão de Bebeto Castilho, contrabaixista, flautista e cantor do Tamba Trio. Carlos foi diretor musical e músico do espetáculo Arena Conta Zumbi e responsável direto pelo sucesso da peça, com seus arranjos simples e bonitos com violão, flauta e bateria. Um grande maestro. Amigo de Guarnieri, deu-lhe músicas para que pusesse letra (e vice-versa, creio). Não conheço a parceria completa deles, mas já estou atrás. O que consegui encontrar foi esta música lançada em compacto por uma cantora chamada Anamaria Bom. A música chama-se Sem Você (lado B do compacto; no lado está uma música chamada "Queimada") e foi provavelmente composta na época do Zumbi. Sem ser nenhuma obra-prima, a música me agradou bastante e até merece uma segunda chance. A letra tem aquele jogo de repetição alternada de palavras que Guarnieri gosta e utilizou também em Tudo de Novo. Aliás, partindo do princípio de que o autor só escrevia sobre coisas importantes a ele ou a seu povo, podemos deduzir que naquele momento ele estava amargando uma paixão das brabas.
Carlos se suicidou em 1985. E só Deus sabe onde se encontra Anamaria Bom.
Letra:
Sem você
minha vida se apaga e tudo vai mudar
tanta coisa pra fazer,
tanta luta pra viver
tanto amor que a gente tem pra dar
mas eu sei que sem você pra mim
só pode ser
Lutar sem viver
cantar mas sofrer
querer e não ter
amar sem poder
Sem você
minha vida é nada e tudo vai calar
tanta gente a se acabar
tanta gente a precisar
desse amor que a gente tem pra dar
mas eu sei que sem você pra mim
não vou poder
Amar para crer
sofrer mas cantar
não ter e querer
viver pra lutar
Vem, vem pra mim
não me deixa acabar
vem, vem me dar
muito amor para crer (bis)
Upa, Neguinho (Edu Lobo/Guarnieri)
Da mistura entre o poema Canción de cuna para despertar a un negrito, do cubano Nicolas Guillén (publicado em 1958 em seu livro "La paloma de vuelo popular"), que contém o verso "¡Upa, mi negro, que el Sol abrasa!", e uma trotada inteiramente espontânea de Guarnieri com seu filho Paulo, na presença de Edu Lobo, nasceu Upa, Negrinho, incluída na trilha de Arena Conta Zumbi. Elis a eternizaria como Upa, Neguinho.
1 – Até onde pude apurar, a primeira gravação de Elis para essa canção foi feita ao vivo no segundo volume de Dois na bossa, de 1966. Uma beleza de gravação, que se escora quase que unicamente no vozeirão de Elis, e vem cheia de sua inigualável energia em shows. Acompanhamento do Bossa Jazz Trio.
2 – A versão de Edu vem do LP Edu e Bethania, de 1966, e é tão empolgante quanto um livro de geometria. Mas ao Edu nós perdoamos tudo.
3 – Em meados da década de 60, a fim de se livrar de pepinos contratuais, Walter Wanderley criou o pseudônimo de "Mike Falcão". Com esse vulgo lançou nada menos do que três LPs. Em 1966 lançou No embalo do Samba com Mike Falcão, e uma das faixas foi a célebre composição de Edu e Guarnieri. Já sei que Walter era um bom pianista, muito respeitado e não acho essa versão ruim, acho que até é bem passável, mas infelizmente eu tenho calafrios e me sinto dentro de um elevador, ou na sala de espera de um dentista cada vez que escuto aquele orgãozinho tocado por ele.
4 – Rosinha de Valença (1941/2004) era uma ótima violonista e foi descoberta por Aloysio de Oliveira e Baden Powell. Nascida na cidade fluminense de Valença e batizada originalmente com o nome de Maria Rosa Canelas, Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta) a rebatizou como "Rosinha de Valença", porque segundo ele, a moça "tocava por uma cidade inteira". Tocou com Sérgio Mendes, Bethania, João Donato, Martinho da Vila e muitos outros. Sua versão vem do LP Rosinha de Valença ao vivo, de 1966, que sabe-se lá por que recebeu esse nome, já que não é ao vivo, mas tem músicos do calibre de Paulinho Moura e Oscar Milito. Eu sinceramente esperava algo mais arrojado, mas enfim, ouve-se com algum prazer.
5 – O Rio 65 Trio foi mais um entre as dezenas de trios de MPB que se formaram naquela época. Este era composto por Dom Salvador, Edison Machado e Sergio Barroso. Não há muito mais a dizer sobre esta gravação de 1966, que entrou no LP A Hora e a vez da MPM, sigla que hoje ninguém faz idéia do que seja, mas significa "Música Popular Moderna".
6 – O americano Lennie Dale era ator, cantor e dançarino da Broadway e num desses espetáculos chamou a atenção do grande produtor do Teatro de Revista Carlos Machado, que o trouxe para o Brasil. Lennie veio e ficou. Gravou LPs de bossa nova pela Elenco, produziu shows no Beco das Garrafas e nos anos 70 fez parte de um grupo performático de travestis chamado Dzi Croquettes (parodiando as dançarinas do Radio City Music Hall, que se chamam "The Roquettes"). Lennie morreu de Aids aos 60 anos, em 1994.
É do LP A 3ª Dimensão de Lennie Dale, gravado com o Trio 3-D em 67, pela Elenco, a versão de Lennie para Upa, Neguinho. Confesso que fiquei prazerosamente surpreso. Apesar do sotaque e de alguns escorregões na letra ("Vija" que coisa mais linda... mas liberdade só "pode" esperar...), Lennie e o Trio 3-D transformam a canção em uma apoteose jazzística que se destaca entre todas as versões. Penso que se Sammy Davis Jr. ou Billy Eckstine tivessem gravado Upa, Neguinho, a linha seguida teria sido essa.
7 – Em 1968, Elis fez sua primeira gravação da música em estúdio, para o LP Elis Especial. Um belíssimo arranjo do mestre Erlon Chaves.
8 – Mais uma versão de Elis, gravada ao vivo com o Bossa Jazz Trio, durante um festival em Cannes, que não sei ao certo quando ocorreu, mas talvez tenha sido no início da década de 70. Elis era realmente fantástica. Ela desafina depois de uma gargalhada no meio da música, mas até a desafinada dela é bonita.
9 – A versão de Sérgio Mendes e seu grupo "Brasil 66" (no qual figuravam pesos-pesados como Oscar Castro Neves e Tião Neto) está no LP Fool on the Hill, lançado em 68 nos Estados Unidos. Sérgio alterna os vocais com a cantora e compositora americana Lani Hall. A versão de Sérgio hoje é algo datada, mas na época ele provocou sensação com seus arranjos.
10 – Maestro, pianista, arranjador e compositor, o paulista Lyrio Panicalli (1906/1984) era considerado uma dos maiores maestros da Rádio Nacional, e tinha admiradores confessos como Tom Jobim. Em 1968 ele lançou o LP Brazil, new dimensions in sound e incluiu a canção. É uma linda versão instrumental.
11 – Outro dos inúmeros trios surgidos na década de 60, o Le Trio Camara – Edson Lobo, Fernando Martins e Nelson Serra – gravou Upa, Neguinho para o álbum que levou o nome do trio, em 1968. Como em todos esses trios, o piano marca e domina toda a canção. Eles eram muito conceituados e famosos inclusive fora do Brasil. É uma versão competente.
12 – Ironicamente, a melhor versão desses trios todos é do mais despretensioso de todos eles: o Inema Trio (Douglas, Tom e Dito). Eles – e mais 9 artistas iniciantes – foram os vencedores de um festival promovido por Flávio Cavalcanti em 1968, chamado "A Grande Chance". Na mesma época o trio venceu um festival na Bahia e se dissolveu pouco depois. Sobrou a dupla Tom e Dito, que continuou fazendo bonito em festivais como o FIC e o Abertura, até o fim, na década de 80. O Inema era um trio vocal, e não instrumental, e a versão deles é bem bonita.
A cantora chilena Sônia Von Schrebler
13 – Sônia Von Schrebler é uma cantora chilena que começou sua carreira nos anos 40 fazendo dupla com a irmã Myriam. Na década de 70 se separaram e Sônia seguiu carreira solo com o nome de "Sonia, la unica". O LP En Bossa é da década de 70 (embora Zeca Louro declara erroneamente que é da década de 60, no Loronix), e é lá que encontramos esta hilária versão de Upa, Neguinho, que vem num portunhol de arrancar gargalhadas, atualmente.
14 – Baden Powell gravou sua versão instrumental da música no LP L'Art de Baden Powell, gravado em Paris, em 1971. Embora sem maiores vôos, é muito bonita, como quase tudo feito por Baden.
15 – A última versão de Elis que incluo aqui é um bootleg feito num show de Elis em Tóquio, em 1979. Uma beleza.
16 – Em 1992, com apenas 21 anos, a pernambucana Patrícia França foi lançada com estardalhaço na minissérie Tereza Batista, da Rede Globo. No ano seguinte foi convidada por seus conterrâneos do grupo Quinteto Violado para participar do álbum Algaroba. O resultado – malgrado a inexperiência de Patrícia – até que foi bom, mas a parceria acabou ali. A versão de Upa, Neguinho contida nesse LP é bonita e original. Não é sofisticada como a de Elis ou repassada em virtuose como a de Baden, mas é talvez a mais brasileira de todas. Tem um delicioso clima sertanejo que no fundo tem tudo a ver com a composição original de Guarnieri e Edu. Enquanto a música fica por conta do violonista Marcelo Melo, Patrícia vai recitando o poema História Pátria do pernambucano de Palmares, Ascenso Ferreira:
Plantando mandioca, plantando feijão,
colhendo café, borracha, cacau,
comendo pamonha, canjica, mingau,
rezando de tarde nossa Ave-Maria,
Negramente...
Caboclamente...
Portuguesamente...
A gente vivia.
De festas no ano só quatro é que havia:
Entrudo e Natal, Quaresma e Sanjoão!
Mas tudo emendava num só carrilhão!
E a gente vadiava, dançava, comia...
Negramente...
Caboclamente...
Portuguesamente...
Todo santo dia!
O Rei, entretanto, não era da terra!
E gente pra Europa mandou-se estudar...
Gentinha idiota que trouxe a mania
de nos transformar
da noite pro dia...
A gente, que tão
Negramente...
Caboclamente...
Portuguesamente...
vivia.
17 – o Uma bela gravação contemporânea da canção é da grande cantora Claudya com o Zimbo Trio, que vem do cd Entre Amigos, de 1994.
18 – O mérito desta gravação que Almir Chediak encomendou a Caetano Veloso para o Songbook Edu Lobo, de 1995, é a originalidade da gravação. Ao contrário de Edu, Claudya (e praticamente todas as pessoas que gravaram esta música), Caetano deixou Elis de lado e criou sua própria versão, que começa inclusive com um acorde do Pato Preto, de Tom Jobim. Muito interessante.
19 – A cantora Joyce – pelo que eu sei – gravou Upa, Neguinho duas vezes num espaço de 4 anos. A primeira vez em um cd chamado Delírios de Orfeu, de 1994, e em 98, no cd Astronauta – Canções de Elis. É deste segundo cd a versão que trago aqui. Considero linda a idéia da homenagem. Embora não tendo a voz encorpada e substanciosa de Elis, Joyce sempre foi uma cantora e compositora sutil e cheia de personalidade.
Letra:
Upa, neguinho na estrada
Upa, pra lá e pra cá
Virge que coisa mais linda
Upa neguinho começando a andar
Upa, neguinho na estrada
Upa, pra lá e pra cá
Virge que coisa mais linda
Upa neguinho começando a andar
começando a andar
começando a andar
E já começa a apanhar
Cresce neguinho me abraça
Cresce e me ensina a cantar
Eu vim de tanta desgraça
Mas muito te posso ensinar
Mas muito te posso ensinar
Capoeira, posso ensinar
Ziquizira, posso tirar
Valentia, posso emprestar
Mas liberdade só posso esperar
Se vocês querem saber minha opinião, ainda sou mais a versão do próprio Guarnieri em Arena Conta Zumbi.
Download da 1ª Parte do Cancioneiro de Gianfrancesco Guarnieri
_______________________________________________
Errata: Renovando os links de download desta primeira parte do cancioneiro não consegui distinguir entre as versões de Elis para o "Upa Neguinho" com o Bossa Jazz Trio (8ª versão da música) e em Tóquio (15ª versão). A 8ª é supostamente a versão com o Bossa Jazz, mas tem caracteres japoneses no próprio arquivo de mídia, o que me deixou em dúvida. Com isso, deixei apenas essa e retirei a 15ª.
_______________________________________________
Bernardo amigo, que riqueza! Fico sem palavras. Gostaria de ver reconhecido, de todas as formas possíveis, esse trabalho magnífico, impar: o resgate dos nossos grandes nomes. Obrigada.
ResponderExcluirComo disse Juca de Oliveira: "ganhei o dia!"