sábado, 25 de janeiro de 2014

Iconografia dos Prefeitos de São Paulo na República Velha


Antônio Prado, primeiro prefeito
da República Velha
Meus caros,
a Internet é o que fazemos dela. A frase parece manjada mas é verdadeira. Em minha pesquisa sobre Jânio ou qualquer outra cansei-me de ouvir perguntas do tipo “você já procurou o que tem no Google?”

Já. Aliás, não só procurei como me dei conta há muito tempo que no Google estará aquilo que EU colocar. Na maior parte do tempo não tem nada, e quando tem, é superficial. Serve para quem precisa fazer uma provinha de múltipla escolha amanhã. Mas não é, em absoluto, material confiável de pesquisa. Publica-se hoje um texto raso e sem qualquer aprofundamento, e o compartilhamento é tão rápido que em questão de dias esse texto pode estar em milhares de sites ao mesmo tempo, embora contenha equívocos de nomes, datas e locais.

Como já disse antes, essa preguiça de fazer a pesquisa inédita transformou o Google em uma fonte que se esteriliza rapidamente pela repetição indiscriminada de erros. Para “roubartilhar”  neologismo maravilhoso!  há milhões de pessoas. Para contribuir com material inédito e corrigir o que está errado, há um punhado de pessoas. No caso de fotos, que é o que tratamos aqui, é igual: o site A publica uma fotinho de fulano. O site B copia e publica a foto menor ainda. Vem o C, aumenta e pixeliza a foto, e republica. No fim temos dezenas de repetições de uma única foto que não estava sequer em alta resolução quando foi postada.

A única - e péssima - foto que existe de
Raymundo Duprat na Internet



Políticos e figuras maiores de nosso governo desde colônia, império, até república: prefiro não dizer o quanto estamos atrasados nisso. É deprimente. No hemisfério norte, em geral, a memória política e histórica está conservada. Os detentores de arquivos foram inteligentes e não deixaram personagem que tivesse algum relevo sem retrato que pudesse identificá-lo na net. Quando escrevo um artigo em que preciso me valer de sites internacionais para identificar alguém, fico absolutamente tranquilo pela certeza de que encontrarei na hora. Quando a busca é de um brasileiro, há duas alternativas: não há, ou há uma foto, em geral de baixa qualidade, repetida trinta vezes.

Caricaturas dos anos 1900, dez e vinte sobre a mesma foto de Antônio Prado

Neste post procuro dar minha contribuição para a memória iconográfica de nossos prefeitos durante a República Velha. E acrescentando informações e detalhes que estão faltando por aí, ou que têm aparecido com equívocos. Não há nenhum exagero em dizer que estes homens fizeram São Paulo. São os pais de São Paulo, junto a Fábio Prado, Prestes Maia e Faria Lima. Deixaram sua marca no DNA do município, são todos nomes de ruas, avenidas, praças e até municípios, e no entanto são completamente desconhecidos. Nunca foram estudados, raramente são citados e são pouquíssimas as pessoas que viram em algum momento imagens deles.

Vamos mudar isso agora.

Divirtam-se.
Bernardo Schmidt
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ANTÔNIO DA SILVA PRADO (1899/1911)

Antônio Prado na época em que foi prefeito de São Paulo

Primeiro, um pouco de história: A Lei Municipal nº 374, de 29 de novembro de 1898, reorganizou o Poder Executivo e criou o cargo de “Prefeito Municipal”, escolhido pelos vereadores entre os membros da própria Edilidade, com mandato de um ano. O primeiro foi Antônio da Silva Prado, reeleito pela Câmara nove vezes. Em 1907, a Lei Estadual nº 1.103 instituiu eleições diretas para a prefeitura, aumentando o mandato para três anos, o que o igualava ao mandato dos vereadores. O eleito foi o próprio Silva Prado, que permaneceu na prefeitura até janeiro de 1911.

Na caneta — considerando que iniciou seu mandato em 7 de janeiro de 1899 e saiu da prefeitura em 15 de janeiro de 1911 — Prado foi prefeito por doze anos e uma semana. Foi o homem que permaneceu mais tempo na prefeitura em toda a história. É acompanhado de perto por Prestes Maia (11 anos em dois mandatos) mas ultrapassa todos.

Antônio Prado, na época da fundação do Partido Democrático
Antônio da Silva Prado — ou “Conselheiro Antônio Prado”, como ficou conhecido, pelo cargo que ocupou durante os últimos quatro anos do Império — nasceu em São Paulo, em 25 de fevereiro de 1840. Advogado da turma de 1861, no Largo São Francisco, sua biografia é uma das mais ricas e cheias de acontecimentos da segunda metade do século XIX e dos primeiros 20 anos do século XX. Como este post é de mero resgate iconográfico não entrarei em detalhes nos múltiplos cargos que ocupou, a imensa participação no comércio e na indústria, o pioneirismo em tudo e o que significou para a urbanização da cidade de São Paulo.

Prado, na juventude
Basta dizer que foi jornalista, vereador, deputado provincial, deputado geral, senador, ministro de duas ou três pastas e conselheiro do Império. Se bateu pela abolição da escravatura, promoveu a imigração, fundando colônias no Espírito Santo, no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, foi co-fundador da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, do serviço de telégrafos, do Jockey Clube, do Automóvel Clube e do Balneário do Guarujá. 

Monarquista convicto, Prado se elegeu para a Constituinte de 1891 mas não compareceu às sessões e foi para a Europa. Só voltou quando lhe foi dada a missão de governar o município. Sobre sua passagem pela prefeitura seria necessário um livro extenso e meticuloso. O que se diz é que ao tomar posse, "cuidou imediatamente de vencer as dificuldades financeiras da Câmara, fez revisão das contribuições e das taxas, empregou todos os meios legais para prover de recursos o tesouro do município e organizar os serviços locais indispensáveis. A arrecadação das rendas ficou regularizada, a capital do Estado compreendeu, perfeitamente, o valor de uma administração honestíssima, votada inteiramente ao seu engrandecimento material, beleza arquitetônica, arborização das ruas, ajardinamento, limpeza pública, etc." (Diário Nacional, 24/4/29)

E isso sem mencionar que foi em sua gestão que se construiu o Teatro Municipal.

O encontro de dois titãs da abolição, em 1906: Joaquim Nabuco e Antônio Prado,
em foto de Augusto Malta para a Fon Fon, publicada em 4/5/29

Prado não se deixou abater pela velhice; com 86 anos viu surgir em seu palacete, sob seus auspícios e sua inspiração, o Partido Democrático, que ia sacudir a política brasileira pelas décadas seguintes.

Informações sobre Prado são superficiais na net, e não me surpreende. Ele pertence à classe dos políticos que viveram tanto que acabaram desestimulando possíveis biógrafos (caso de Borges de Medeiros, Wenceslau e alguns outros), e embora sua vida política tenha sido polivalente, São Paulo era seu palco principal de operações e infelizmente os políticos da esfera municipal (e estadual também, diga-se de passagem) têm sido olimpicamente ignorados pelos historiadores. Um exemplo interessante é que o site da Assembléia Legislativa traz provavelmente o melhor esboço biográfico do conselheiro em toda a Internet. E no entanto erra tanto na data de seu nascimento (13/6/1840) quanto de sua morte (24/4/1929).

Em relação a fotos, Prado foi até muito fotografado para a época, mas as fotos estão em coleções privadas, jornais e livros antigos, e a coisa se repete: o compartilhamento descontrolado da mesma foto minúscula, ou fotos fora de contexto. Veremos a foto dele jovem, em 1888 ilustrando qualquer coisa referente a ele, mesmo artigos sobre sua passagem pela prefeitura.

Prado, em uma de suas últimas fotos

Quando sua saúde se deteriorou Antônio Prado foi para o Rio. Seu filho era então prefeito do Distrito Federal e talvez a maior parte de sua família estivesse lá. Seu estado geral se agravou em meados de abril de 1929 e ele morreu às 12:40h do dia 23.


RAYMUNDO DA SILVA DUPRAT, o “Barão de Duprat” (1911/1914)

Raymundo da Silva Duprat, o Barão Duprat

O caso de Duprat é diferente. Além de completamente esquecido, as fotos dele por aí são da pior qualidade. Até a editora Abril, que imaginamos ter um acervo magnífico, publicou outro dia um artigo sobre antigos prefeitos e usou uma foto de péssima qualidade para ilustrar o trecho sobre Duprat. E é a fotinho que roda a Internet.

Ele nasceu em Recife, Pernambuco, em 11 de dezembro de 1863 e fez o tradicional trajeto do nordestino rumo ao sudeste. Passou pelo Rio, fez escala em Santos e acabou em São Paulo, onde entrou para o comércio. Em 1882 vamos encontrar registros de um Raymundo Duprat trabalhando no elenco do ator Simões e se apresentando em teatros como o São José, em São Paulo, e o Santa Izabel, no Rio. Será possível que é ele? O católico fervoroso e devoto teria tido seu namoro efêmero com Thalia?


O certo é que se estabeleceu em São Paulo na última década do século XIX como contador da Companhia Industrial de São Paulo e membro da diretoria da Associação Comercial. Em 1902 adquiriu uma tipografia e transformou-a na então conhecida Tipografia e Papelaria Duprat & Cia., em sociedade com seu irmão.

Duprat, eleito três vezes para a prefeitura, em
mandatos sucessivos de um ano
Com o comércio e a imprensa a seu alcance, foi eleito para a Câmara em 1905, 1908 e 1911. Em outubro de 1910 foi decretada a Lei Estadual nº 1.211, que restabeleceu as eleições indiretas e diminuiu novamente para um único ano o mandato do prefeito. Os vereadores elegeram Duprat — dito “Barão de Duprat”, graças ao título de nobreza que o Papa Pio X resolveu, sabe-se lá por que razões, distribuir a alguns industriais brasileiros, em 1907 — e o reelegeram sucessivamente até janeiro de 1914.

Duprat parecia ser aquela figura de gabinete, simpática mas muito formal, e de contato raro com o povo. Estava entre o bancário e o banqueiro. Não era protagonista, mas geralmente era o fiel da balança, por isso tinha prestígio político e comercial. Na prefeitura o que se diz comumente é que fez um excelente trabalho levando adiante os projetos deixados em andamento por Antônio Prado, entre eles o viaduto Santa Ifigênia. Mas teria sido responsável, nos três anos de seu mandato, pelo “jardim da Praça Buenos Aires e início da construção do Parque da Avenida Paulista, do Parque do Anhangabaú, alargamento da rua Líbero Badaró e abertura da grande avenida São João” (Correio Paulistano, 18/5/26).

Partidário de Albuquerque Lins, que apoiou sua candidatura, Duprat deve ter pisado em calos poderosos dentro de seu próprio partido, o PRP (o único que elegia ou deixava de eleger prefeitos, naquela época) porque setores da imprensa o chicoteavam de forma inclemente: “Barão Duprat é um nome execrado e abominado por todo paulista de bom senso, pois S. Excia. até hoje nada fez em favor do município, como prefeito”, dizia uma revistinha chamada O Pirralho, pouco antes de Duprat deixar a prefeitura. Duprat é chamado de “inepto administrador, míope prefeito e boçal barão papalino”, além de “indivíduo que a vesga politicagem de 1910 transformou, da noite para o dia, de caixeiro de papelaria em prefeito municipal”. Só que O Pirralho deixou antever sua inclinação política, pois revela-se satisfeito com a ascensão de Washington Luís à prefeitura, sucedendo Duprat: “Felizmente, será eleito Washington Luís. É desnecessário que repitamos que o ilustre remodelador da Força Pública será o mesmo trabalhador incansável, reformando e embelezando a nossa capital, desgraçadamente vítima das garras aduncas dos cavadores ignóbeis, membros da caterva do Sr. Duprat”.

Maldade desse grupo que fazia política com o fígado, e injustiça flagrante com o esforçado e distinto Duprat. E talvez até ateste a seu favor que naquela época de tanto apadrinhamento, ele tenha sido prefeito por apenas três anos, quando Pires do Rio ficou quatro, os outros ficaram seis e Prado ficou doze. Foi o único, desde a criação do cargo, até o fim da República Velha.

Duprat foi eleito vereador novamente em 1914, 1917, 1920 e 1923. Foi presidente da Câmara Municipal de 1914 a 1924. Para sua honra e de seus filhos, embora fosse um barão e tivesse galgado os degraus do sucesso político e comercial, ele morreu pobre, em 17 de maio de 1926.


Disse Gilberto Vidigal, na ocasião, em nome da União de Funcionários Municipais de São Paulo, que uma coroa de flores não era suficiente para "materializar a gratidão e o sentimento de imperecível lembrança que vivem no íntimo de nós, os que convivemos com ele e dele recebemos provas de inconfundível bondade. Há de perdurar, por largo tempo, em meio de nós, a imagem do Barão Raymundo Duprat, cujo espírito, assaz leve, vencerá glorioso as caminhadas etéreas do além, já que foi, na terra, com pertinaz constância, o modelo de quem ambicionou a felicidade alheia, procurando o bem, e realizando, como melhor podia, a Justiça e a Bondade" (Correio Paulistano, 19/5/26).


WASHINGTON LUÍS (1914/1920)


O grande “Paulista de Macaé” — apelido que Washington Luís recebeu por fazer política a vida inteira em São Paulo embora tivesse nascido em Macaé, no Rio, em 26 de outubro de 1869 — era um homem vaidoso, e com o tempo perdeu a feiúra de adolescente e se tornou maduro e charmoso. O queixo enorme foi se ajeitando por baixo do cavanhaque e ele foi pegando gosto pela câmera. E como sua carreira esteve sempre em curva ascensional (até a interrupção abrupta do golpe de 30), foi dos políticos mais fotografados de seu tempo.

Washington Luís, no início do século XX

Washington se formou no Largo São Francisco em 1891 e depois de uma rápida passagem por Barra Mansa foi para Batatais, no interior de São Paulo. Ali começou sua carreira política, como vereador e intendente. Revolucionou o pequeno município, diz seu biógrafo Célio Debes. Em 1904 elegeu-se deputado estadual por São Paulo, em 1906 foi para a secretaria de Justiça e da Segurança Pública, recém-criada, que englobava os serviços legais, prisionais e de segurança em todo o Estado. Lá permanece intocável até 1912, quando se elege deputado estadual e termina o mandato de Júlio Mesquita. Em fevereiro de 1913 se reelege para a Assembléia. Foi o próprio Washington que relatou a Lei estadual nº 1.392, que transformou novamente em triênio o mandato dos prefeitos.

Incentivado por Bernardino de Campos, Washington se candidatou a prefeito na eleição municipal de 30 de outubro de 1913, disputada em regime distrital e de colégio eleitoral, e venceu o adversário Oscar Porto. Tomou posse em 15 de janeiro de 1914. Com a Lei estadual posterior nº 1.501, de 1916, as eleições municipais voltaram a ser diretas, para um mandato de três anos, e os prefeitos não precisavam mais ser escolhidos somente entre os vereadores. Washington se reelegeu e administrou o município até meados de 1919, quando se candidatou a governador, ou, como se dizia à época, presidente do Estado.


No comando do município, Washington cristalizou a impressão que já vinha deixando por todos os cargos que ocupava: era um grande administrador. Na prefeitura, levou adiante os ambiciosos planos de reurbanização do Anhangabaú começados por Prado e seguidos por Duprat, mas concentrou-se primeiramente no saneamento das finanças. O município estava no vermelho e não diminuindo sensivelmente essa dívida, não havia possibilidade de continuar. Ele criou as feiras-livres, conhecidas como “mercados francos”, o que permitiu que toda sorte de gêneros alimentícios chegasse sem intermediários e a um preço bem mais baixo à mesa do consumidor. Também foi o primeiro a trabalhar por aqui o conceito de casas populares.

Washington e sua esposa Sophia a caminho dos funerais de Bernardino de Campos, grande propagandista dos méritos do Paulista de Macaé, e que faleceu em janeiro de 1915, pouco antes deste completar um ano no cargo de prefeito

Altino Arantes costumava dizer que foi vergastado, em sua passagem pelo governo do Estado — paralela à de Washington na prefeitura — com a praga dos cinco “G”: guerra, geada, greve, gafanhotos e gripe. Na esfera citadina não se pode dizer que o prefeito tenha sofrido qualquer conseqüência com a deflagração da guerra mundial, a geada em algumas regiões do Estado ou da (terrível) praga de gafanhotos que assolava o interior paulista. Mas foi, ombro a ombro com o governador, negociar com os grevistas de julho de 1917, que só aceitavam dialogar com eles e não com os patrões, e teve possivelmente a maior de suas provações como prefeito no combate à gripe que pegou nossa medicina medieval e carniceira de surpresa e matou centenas de milhares de pessoas, sendo dez mil pessoas na cidade de São Paulo.

Como prefeito ele também deu início ao magnífico trabalho de resgate da memória política do município e do Estado. Lançou em livro suas conferências de 1903 sobre o assunto no IHGSP — A Capitania de São Paulo — e ordenou a decifração e publicação das atas da câmara de 1555 a 1826. Sobre essa extraordinária iniciativa de Washington, eis o que disse o erudito Affonso de Taunay: “Ao assumir o governo da cidade, dedicadamente se empenha em salvar da irremediável ruína a coleção de documentos pela qual se reconstitui a vida dos paulistanos desde os anos da fundação. Mais algum tempo e nada restaria de semelhante acervo! Está ele hoje salvo. Já fez o Dr. Washington imprimir mais de doze mil páginas de documentos municipais. E São Paulo, caso único no Brasil, pode orgulhosamente mostrar às mais velhas cidades do país a série quase ininterrupta das decisões de suas municipalidades. Foi um serviço de extraordinária benemerência que ao nome do seu inspirador há de dar mais relevo, aos olhos dos estudiosos do nosso passado”. (Correio Paulistano, 21/10/18)

Também foi de iniciativa do prefeito Washington a criação de um brasão de armas para o muicípio. Verificando que São Paulo não o possuía, instituiu um concurso para a escolha do melhor projeto e desse concurso saiu vitorioso o desenho de José Wasth Rodrigues em colaboração com o poeta Guilherme de Almeida. É nele que vemos a célebre inscrição Non Ducor Duco, que quer dizer "Não sou conduzido, conduzo".

Washington se elegeu governador e deixou a prefeitura em 15 de agosto de 1919. Quem cumpriu o resto de seu mandato na prefeitura foi seu vice, Rocha Azevedo. O Paulista de Macaé governou até 1924, foi eleito presidente, deposto pelo golpe de 30, exilado, voltou ao Brasil em 47 e morreu em 4 de agosto de 1957, aos 88 anos.

ÁLVARO GOMES DA ROCHA AZEVEDO (1919/1920)


Com Álvaro Gomes da Rocha Azevedo entramos de cabeça na necessidade imperiosa de um resgate iconográfico. Seu verbete na Wikipédia tem três linhas. A melhor fonte para Rocha Azevedo na Internet é o site Dicionário de Ruas, que possui um apanhado razoável de informações, embora não traga fotos. Não há, até onde sei, uma única foto desse eminente político na web, e nem em livros contemporâneos. É até oportuno que ele esteja citado com alguma profundidade no dicionário de ruas, porque é seu nome de rua, “alameda Ministro Rocha Azevedo”, a única referência que a posteridade guardou dele.

Rocha Azevedo (centro) e Cardoso Ribeiro (à dir.), respectivamente secretários da Fazenda e da Justiça de Washington Luís, nos funerais de Ruy Barbosa, em abril de 23

Rocha Azevedo nasceu no município mineiro de Campanha, em 26 de janeiro de 1864. Veio para São Paulo com 14 anos, formou-se pelo Largo São Francisco em dezembro de 1888 e, republicano desde sempre, comemorou o advento do novo regime em Mocóca, onde advogava nessa época. Lá foi juiz municipal, juiz de órfãos, juiz de Direito, juiz substituto em Jundiaí, juiz de Direito em Caconde e no início de 1893 veio para a Capital advogar. Foi vereador nas legislaturas de 1905, 1908, 1914, 1917 e 1920. Foi figura perene na Comissão de Constituição e Justiça e vice-presidente da Câmara de 1915 a 1920 consecutivamente. Em abril de 1919 o vice-prefeito João Maurício de Sampaio Vianna renunciou ao cargo e Azevedo foi escolhido para substituí-lo. Meses depois, quando Washington Luís renunciou à prefeitura para assumir o governo, a prefeitura foi para Azevedo, que governou de 16 de agosto de 1919 a 15 de abril de 1920.


Caricatura de Rocha Azevedo da época em que
 era Secretário da Fazenda de Washington Luís
(O Malho, 4/8/23)

O triênio legislativo de 1920 a 1923 Azevedo não cumpriu porque Washington Luís, agora governador, o convidou para compor seu secretariado. No quatriênio do Paulista de Macaé á frente do Estado, Azevedo ocupou as pastas da Fazenda e da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Por seus inúmeros serviços como secretário de governo, Washington Luís o nomeou, em 8 de abril de 1924, ministro do Tribunal de Contas do Estado. Tomou posse em 6 de maio do mesmo ano.

Não há obras significativas que possam ser identificadas com os oito meses de Rocha Azevedo na prefeitura, cuja repartição já funcionava, graças a Washington Luís, no prédio de nº 307 da Líbero Badaró. Não obstante, Rocha Azevedo era uma pessoa respeitada e bem-quista em São Paulo. Era genro do fundador da Paulista, Joaquim Eugênio de Lima. Morreu cercado da família e dos amigos, em 30 de outubro de 1942.

FIRMIANO DE MORAES PINTO (1920/1926)

Firmiano de Moraes Pinto

Firmiano Pinto é o caso mais grave desta lista. É nome de rua no Belém, nome de vila no Ipiranga, busto de Luiz Morrone na Praça Buenos Aires, teve quase 40 anos de vida pública e ninguém hoje tem a mais remota idéia de quem seja. Não há uma única foto sua em lugar nenhum. Seu verbete no dicionário de ruas tem quatro linhas inúteis. Na Wikipédia, uma linha. E foi prefeito durante seis anos. Sete, se contarmos que chegou a ser intendente em 1894, antes da criação do cargo de prefeito! É daquelas figuras que, sem embargo do nome, do prestígio e da carreira, a história simplesmente engoliu.

Por que será? Firmiano esteve à frente da prefeitura durante os festejos do centenário da independência, durante a revolução de Isidoro, em 1924, durante o tenebroso governo do “poltrão de Viçosa”, Arthur Bernardes. É certo que em termos nacionais a prefeitura pouco significava, politicamente, mas mesmo assim, é de São Paulo que estamos falando. Talvez ele tenha passado seus dois mandatos descascando pepinos partidários, já que era figura de relevo no PRP e não lhe tenha sobrado tempo para grandes realizações. Pode ter feito tantos inimigos que seus méritos foram cuidadosamente escondidos depois do golpe de 30. Ou talvez tenha se preocupado com a manutenção do que já havia ao invés de construir ainda mais.

Firmiano, em pé, entre Joaquim Guimarães Natal
(de terno claro) e Zeferino de Faria
Encontrei na Fon Fon fotos suas inaugurando o monumento “Glória Imortal aos Fundadores de São Paulo”, de Amadeu Zani, em 1925. Só que esse monumento foi planejado por Prado, licitado por Duprat e foi Washington quem recebeu o bronze, o granito e demais materiais. O monumento demorou 16 anos para ficar pronto por pura burocracia e, a rigor, Firmiano não fez mais do que inaugurá-lo. Eis o que dele diz o livro São Paulo e Seus Homens no Centenário, de 1922. É uma biografia concisa que, por sinal, nada fala sobre seu mandato pelo 8º distrito na última legislatura da assembléia provincial, de 1888 a 1889, até a proclamação da República:

O Dr. Firmiano Pinto, filho de Itú, onde nasceu a 4 de maio de 1861, começou em 1880 a sua carreira pública, no cargo de amanuense da secretaria do Governo. Foi escolhido no ano seguinte para o cargo de secretário da Polícia, e, em 1886, nomeado Juiz Municipal e de Órfãos de Limeira. Eleito vereador à Câmara Municipal de São Paulo em 1894, ocupou, o mesmo ano, o cargo de intendente daquela Capital. Em 1895, o 1º distrito confiou-lhe um mandato de deputado à Câmara Federal, do qual se desempenhou brilhantemente. Foi secretário de Estado dos Negócio da Fazenda e Agricultura do governo do Dr. Campos Salles, e mais tarde, da Agricultura com o Dr. Peixoto Gomide.

Voltou em 1898 à Câmara Federal, reeleito pelo 1º distrito, onde soube, pela soma de virtudes que ainda hoje o singularizam na vida política de São Paulo, conquistar as mais radicadas e justas simpatias. Foi comissário do Estado de São Paulo na França e Suíça em 1912. Nos períodos intermediários das suas funções administrativas e políticas tem-se dedicado à lavoura.

Em junho de 1925, lendo o discurso de inauguração do monumento de Amadeu Zani. À esq., o governador Carlos de Campos

O último parágrafo não deixa de ser irônico, considerando como se conduziam as eleições naquela época:

Eleito pela primeira vez prefeito desta Capital em 1920, o Dr. Firmiano Pinto de tão bela maneira vem dirigindo o nosso município que não causará estranheza alguma aos que lhe acompanham a trajetória administrativa a sua reeleição para o elevado posto a que em boa hora foi chamado pela vontade inteligente e divinatória dos paulistas.

Firmiano de Moraes Pinto — bisneto do prefeito — atento a esse desmazelo da história com os representantes do executivo paulistano na República Velha, teve a gentileza de me enviar uma foto de seu bisavô e um rico apanhado de fatos referentes à sua vida. Agradeço o gesto abnegado e benemérito, que ajudará historiadores de hoje e do futuro no trabalho de preservação da memória de nosso município e será, como este artigo inteiro, a única fonte confiável de informações sobre esse enigmático prefeito que se perdeu nas gretas da posteridade:


Firmiano de Moraes Pinto nasceu em Itú a 4 de Maio 1861, filho de Antonio José Pinto e D. Francisca Emilia de Moraes, sendo o caçula dos 10 irmãos. Estudou em escolas públicas em São Paulo, tendo sido um de seus mestres o Padre Chico, Monsenhor Francisco de Paulo Rodrigues (1840-1915), fundador da cadeira 11 da Academia Paulista de Letras. Formou-se em Direito em 1882, pela Faculdade de Direito de São Paulo e logo depois de diplomar-se foi Secretário da Polícia do então Presidente da Província de São Paulo, Francisco Carvalho Soares Brandão. Iniciou sua vida profissional exercendo o cargo de Juiz Municipal na Cidade de Limeira, marcando sua magistratura pelo fato de haver sido o primeiro juiz do Brasil a colocar em execução a Lei Áurea, libertando todos os escravos de seu município. Após a Proclamação da República foi atraído para a vida política do país, estimulado por amigos devido à sua atuação como juiz e por sua forte convicção republicana. Esteve na Intendência Municipal de São Paulo, foi Secretário estadual da Agricultura e da Fazenda, além de Deputado Federal.

Convidado diretamente pelo Dr. Washington Luís Pereira de Souza para ser seu sucessor na Prefeitura da Capital, foi eleito com sugestiva votação e candidatando-se a reeleição, vitoriou-se por esmagadora maioria. (...) Desenvolveu a área urbanizada da Penha, que se limitava a colina, através do loteamento de antigas propriedades rurais que deram origem a Vilas Esperança, Matilde, Guilhermina, Guaiuva, etc. Para homenagear seu amigo e mais prestigioso engenheiro arquiteto da época, deu o nome de Praça Ramos de Azevedo ao largo da Esplanada do Teatro Municipal, devendo-se ainda a ele, com apoio a colônia italiana, o monumento da Carlos Gomes, erigido ao lado do Teatro, esculpido pelo genovês Luigi Brizzolara e fundido no nosso Liceu de Artes e Ofícios, com exceção das apresentações da Musica e Poesia que são de mármore Carrara. O Teatro, o monumento e o ajardinamento do Parque do Anhangabaú faziam parte do projeto paisagístico elaborado por Bouvard em 1911. Colocou novamente a disposição da população a musicalidade do famoso órgão da Igreja de São Bento.

O outro marco de sua administração foi o Parque Dom Pedro II, destinado a abrigar o Parque das Indústrias. As obras tinham sido iniciadas em 1918 mas o projeto foi paralisado em virtude da epidemia de gripe que assolou a cidade, tendo sido retomado e concluído em sua gestão como Prefeito. (...) Autorizou a compra do terreno pertencente aos padres pensionistas para construir o Cemitério São Paulo. Em 1920, viabilizou junto a empresa loteadora do Jardim América, Companhia City — City of São Paulo Improvements and Freehold Land Company Limited, através de permuta, a expansão da área do Clube Athletico Paulistano até a Rua Argentina. Estimulou em 1921 o loteamento do Jardim Europa, que de início chamava-se “Chácara Japão” e igualmente a Vila Olímpia, pelo Coronel Luis Pinto Ferraz como desdobramento da Chácara Itaim, que pertenceu ao General Brigadeiro José Vieira Couto de Magalhães.

Derrubou o famoso chamado quarteirão dos quatro cantos para abrigar a Praça que leva o nome do título de José Bonifácio de Andrada e Silva, a “Praça do Patriarca”. Renovou o contrato de iluminação com a Light e introduziu na cidade os bondes vermelhos apelidados pela população de “Camarões”. Criou e desenvolveu o projeto da construção do Mercado Municipal no Parque Dom Pedro II, em substituição ao antigo projeto não desenvolvido para construir o entreposto na várzea do Carmo. Como Prefeito da Cidade de São Paulo incentivou e colaborou com a Semana de Arte Moderna cedendo Teatro Municipal para que o evento assim se realizasse.


De todas suas atuações como Prefeito de São Paulo a que mais se destacou foi como Herói da Revolução de 1924, tendo sido o único governante a permanecer em seu posto na cidade invadida pelos revoltosos liderados pelo General Isidoro Lopes. Nos 23 dias que perdurou a revolução, o Prefeito Firmiano de Moraes Pinto defendeu a Cidade de São Paulo e sua população de modo implacável, atuando como líder na formação de inúmeros movimentos, bem como na estruturação de várias Comissões de Emergência, entre outras: Abastecimento, Saúde e Transportes. Apoiado pela solidariedade de toda a população e com a doação de recursos das figuras mais ilustres e poderosas da cidade, conseguiu, apesar dos prejuízos, manter a ordem e a tranqüilidade da Cidade. Ao final da revolução foi acusado pelo Governo Federal de cúmplice do General Isidoro por sua bravura de enfrenta-lo frente a frente de maneira civilizada e corajosa. Firmiano de Moraes Pinto defendeu-se das acusações que lhes foram imputadas com grande brilho, através do advogado Dr. Francisco Antonio de Almeida Morato (1868-1948), e seu recurso ao Supremo Tribunal foi julgado como ação benemérita por Sentença do Supremo Tribunal. Foi este o seu mais alto premio: o real reconhecimento da população, elegendo-o Deputado Federal para o período de 1926 até 1930.


Em seu governo ainda teve dissabores com os rumorosos casos do asfalto e da telefônica. Mesmo doente e abatido viajou dia e noite para chegar a tempo à reunião de opor-se ao veto a um ato que lhe pareceu lesivo aos interesses dos munícipes. Em sua gestão, foi comemorado condignamente o Primeiro Centenário da Independência do Brasil, sendo anfitrião das espetaculares festas comemorativas, recebendo o Presidente da Republica, Epitácio Pessoa, o Rei Alberto da Bélgica, a Rainha Elizabeth entre outras pessoas ilustres. Para tal centralizou as obras urbanísticas na inauguração do Movimento do Ipiranga, de autoria do escultor Ettore Ximenor.


Tendo sido amante das atividades hípicas, apoiou a construção da Sociedade Hípica Paulista, no antigo Sitio Capão, na quadra formada pelas ruas Teodoro Sampaio, Pedroso de Moraes, Arthur de Azevedo e Mourato Coelho. Ingressou no quadro associativo do Jockey Club de São Paulo pouco depois de sua fundação tornando-se grande criador e proprietário. Foi diretor e presidente do Jockey Club de São Paulo de 1922 a 1925, portanto acumulando esta atividade com a de Prefeito da Capital. Foi no seu mandato presidencial na ocasião das comemorações do Centenário da Independência que instituiu o Grande Premio São Paulo e iniciou estudos para a construção de um outro hipódromo, maior e mais adequado ao nível internacional. Era freqüentador assíduo do Hipódromo da Mooca, onde era possível encontra-lo junto ao seu amigo inseparável, o ex-presidente da Republica, Washington Luis, ambos sempre ao lado de suas mulheres que salientavam-se por sua elegância.


Firmiano de Moraes Pinto faleceu aos 77 anos em 1938, deixando a viúva Cândida Botelho de Moraes Pinto, filha dos Condes do Pinhal, Antonio Carlos e Anna Carolina de Arruda Botelho, e os filhos Cândida Botelho de Moraes Pinto, casada com Guilherme Prates, Sarah Botelho de Moraes Pinto, casada com Edgard da Rocha Conceição, Maria Carlota Botelho de Moraes Pinto, casada com Sylvio de Andrade Coutinho, Antonio de Moraes Pinto, casado com Izabel Ferreira Cerquinho, Alberto de Moraes Pinto, casado com Helena Monteiro Soares e Firmiano de Moraes Pinto Filho casado com Zelina Monteiro Soares. O casal Firmiano e Candida de Moraes Pinto ainda tiveram as filhas Francisca Emilia e Carolina de Moraes Pinto, falecidas ainda infantes.

A Cidade de São Paulo ofereceu o tributo ao benemérito Prefeito e ao também honrado chefe de Família com a herma de 3 metros executada pelo laureado escultor João Baptista Ferri. Tamanha é gratidão da cidade de São Paulo por todos os seus feitos que ele foi homenageado com uma festa na comemoração de seu centenário, em 4 de maio de 1961, imortalizando com a herma executada pelo artista italiano Luiz Morrone e erigida na tradicional Praça Buenos Aires no bairro de Higienópolis.

Firmiano Pinto voltou para a Câmara Federal depois de sair da prefeitura. O golpe de 30, porém, veio encerrar também a carreira de Firmiano, como de praticamente todos os seus colegas de geração, com raras exceções. Ele morreu às 15:45h do dia 8 de fevereiro de 1938.

JOSÉ PIRES DO RIO (1926/1930)

José Pires do Rio

Esse era vinho de outra pipa. O último prefeito de São Paulo na República Velha estava no mesmo nível de Prado e Washington. Talvez até superior. Era notável como inteligência, como político, realizador e administrador. Já tracei aqui o perfil biográfico de Pires do Rio, então vou resumir: ele nasceu em Guaratinguetá, interior de São Paulo, em 26 de novembro de 1880. Formou-se em Engenharia e Farmácia em Ouro Preto, trabalhou na obra dos portos do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, lecionou hidráulica na Escola Politécnica da Bahia e foi inspetor federal nas estradas de ferro Madeira-Mamoré e Belém-Bragança. Exerceu o ministério de Viação e Obras Públicas de Epitácio, em 1919, onde realizou obras contra a seca no nordeste, construiu a ponte sobre o rio Paraná e promoveu expansão nos Correios e Telégrafos do Estado de São Paulo. No último ano daquele quatriênio presidencial, Pires exerceu interinamente a pasta da Agricultura, Indústria e Comércio. Findo o mandato de Epitácio, voltou para São Paulo e se candidatou a deputado federal, cargo que exerceu até outubro de 1925, quando candidatou-se a prefeito.

Pires do Rio por Belmonte (O Malho, 26-3-27)
Ocorreu entre o presidente Washington Luís e o prefeito Pires do Rio o que ocorreu na década de 50 entre JK na presidência e Jânio Quadros no governo; uma parceria que fez o Estado avançar décadas no setor rodoviário. Se Washington era o “presidente estradeiro”, encontrou em Pires o “prefeito estradeiro”. Eis o que diz elucidativo artigo do Correio Paulistano em 23 de maio de 1937, sobre o assunto:

Por ventura a metrópole poderá olvidar as notáveis realizações levadas a cabo por esse ilustre engenheiro paulista? O Sr. Pires do Rio deve ser considerado como uma dos maiores governadores que temos tido. S. Excia. encarou, de frente, o problema do calçamento. Cuidou de todas as saídas da cidade, a da Lapa, na estrada para Campinas; de São Miguel, na saída para o Rio de Janeiro; a do Ipiranga, no caminho para Santos; a do Jabaquara, etc. Depois das rodovias, voltou suas vistas para a pavimentação, beneficiando quase todos os bairros da cidade. A revolução de 30 encontrou Pires do Rio já cuidando do centro urbano: já estavam prontas as ruas Direita e XV de Novembro. Em começo a rua da Liberdade... E o Mercado Municipal? E a abertura da avenida Anhangabaú, hoje 9 de Julho? E a conclusão das obras da avenida São João? E os trabalhos preliminares da retificação do Tietê? E a ampliação dos serviços de higiene e limpeza pública? É preciso não olvidar, embora gratidão não seja virtude obrigatória...

Caricatura de Figueroa em O Malho de 8/2/1930, para comemorar o segundo mandato de Pires do Rio. Na legenda original se lê: "O Sr. Pires do Rio tem, como administrador, três qualidades preciosas: é honesto, é trabalhador e é inteligente. Homem de espírito, de cultura e de educação, não lhe é difícil, portanto, impor-se aos olhos dos seus contemporâneos como uma das figuras mais expressivas do Brasil Novo. Assim, torna-se muito justa a homenagem que, na página deste número, o nosso cronista em São Paulo presta ao grande prefeito".

Poderia citar também as pontes artísticas do Tamanduateí, a Ladeira do Carmo e assim por diante. Mas focalizo o comentário sobre a avenida 9 de Julho: a colaboração entre Pires do Rio e o engenheiro e arquiteto Francisco Prestes Maia — que trabalhava na secretaria de Viação — foi outra daquelas parcerias que estão no DNA de São Paulo. Há o “Plano de Avenidas”, que Maia elaborou naquela época, e cerne de tudo que esse grande amparense faria a partir do momento em que ele próprio chegasse à prefeitura, em 1938. Mas se há algo pelo qual Pires do Rio deve receber imediatamente um crédito que não recebeu nunca, é pela paternidade do Parque do Ibirapuera. Muito se fala de Manequinho Lopes, Fábio Prado e até meu amado e saudoso Assumpção Ladeira, que foi quem apresentou o requerimento, em 48, que colocou o projeto nos trilhos, mas a verdade é que esse parque tem um único pai, e se chama José Pires do Rio. Em relatório apresentado pela prefeitura em 1926 ele já dizia:

Os terrenos da Várzea de Santo Amaro que formam a Invernada dos Bombeiros e a antiga Chácara de Ibirapuera, pertencem ao Estado e ao município. Situados na planície que começa no sopé da colina da avenida Paulista, e fica entre o fim da rua Brigadeiro Luiz Antônio, a Estrada de Santo Amaro, o córrego Uberaba, à cuja margem esquerda fica Indianópolis, limitados por Vila Clementino e Vila Mariana, esses terrenos da Invernada dos Bombeiros e da Chácara Ibirapuera se prestam, admiravelmente, à construção de um imenso jardim ou parque, com área igual à do Hyde Park de Londres, igual à metade do Bois de Bologne, de Paris. A menos de dez minutos de bonde da Liberdade ou de Higienópolis, na vizinhança de Vila Mariana e do Jardim América, temos essa grande extensão de terreno público e vazio de construções. Impunha-se a iniciativa de um vasto parque, útil à higiene da população urbana. (Bandeiras de Brecheret, 1985)

O governador Júlio Prestes e o prefeito José Pires do Rio, dezembro de 1927

Haveria mais a dizer sobre a obra de Pires. Ele, assim como todos, de certa forma, está a merecer o trabalho de pesquisa que o recoloque em seu patamar de importância para o município, o Estado e o país. Mas por enquanto é o suficiente.

Pires do Rio foi o único dos prefeitos da República Velha a assumir um cargo público depois do golpe de 30: ele foi ministro da Fazenda do governo transicional de José Linhares. Também escrevia uma coluna para o Jornal do Brasil e estava em Nova Delhi, na Índia, quando foi fulminado por um mal súbito. Morreu em 23 de julho de 1950.
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Bibliografia
  • Careta
  • A Cigarra
  • Fon Fon
  • A Lua
  • O Malho
  • O Pirralho
  • Revista da Semana
  • Correio Paulistano
  • Diário Nacional
  • BATISTA, Marta Rossetti. Bandeiras de Brecheret. São Paulo, DPH, 1985.
  • DEBES, Célio. Washington Luís (1869/1924). São Paulo, IMESP, 1994.
  • Vários. São Paulo e seus homens no Centenário. São Paulo, Tipographia Piratininga, 1922
  • Agradecimento a Firmiano de Moraes Pinto, IV
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Atualização em 02/09/2017 - Quando publiquei este artigo, há três anos e meio, disse logo no início, sobre procurar qualquer coisa no Google, que "não só procurei como me dei conta há muito tempo que no Google estará aquilo que EU colocar". Disse também que "para 'roubartilhar' há milhões de pessoas. Para contribuir com material inédito e corrigir o que está errado, há um punhado de pessoas".

Que triste constatar o quão certo eu estava! As fotos e textos deste artigo foram vampirizados por inúmeros sites e até mesmo por uma revista. Conto em dois ou três dedos aqueles que deram algum crédito ao blog ou às publicações do início do século passado, de onde tirei essas fotos e as informações coligidas para escrever o texto.

Que triste.

2 comentários:

  1. Olá, por um acaso possui alguma dessas revistas em seu acervo?
    grato
    pcastagnet@ig.com.br

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    1. Estão todas digitalizadas e disponíveis para pesquisa no magnífico site do Arquivo Público do Estado de São Paulo:
      http://www.arquivoestado.sp.gov.br/

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