terça-feira, 9 de novembro de 2010

Blog e Teatro


No dia 17 de novembro este blog completa um ano de existência. Durante muito tempo fugi do tal weblog, convicto de que o orkut, fóruns, chats e a internet em geral já tomam suficiente tempo de nossa vida. O Facebook e o Twitter não me agradam em nada, mas acabei rendendo-me ao blog e admito que a experiência tem sido das mais prazerosas. Comecei-o de forma despretensiosa, simplesmente transferindo textos postados por mim no orkut nestes últimos seis anos e aproveitando para revisá-los, ampliá-los e – o mais divertido do blog – ilustrá-los. Com o tempo veio a vontade de redigir textos novos e as idéias que na minha cabeça eram compactas e concisas transformaram-se em trabalhos longos, de pesquisa profunda e meticulosa, com os quais tenho aprendido muito. Mais do que isso, porém, tenho me divertido muito. O blog, com toda a sua riqueza de temas e de informações, continua sendo apenas um passatempo.

Mas não é só o blog que faz aniversário. Em agosto de 2010 completei 20 anos de peregrinação teatral. O início foi igualmente simples; eu ia pouco a teatro e desejoso de ver Fernandona no palco, acabei assistindo Dona Doida no Ruth Escobar. Dali em diante não parei mais. O prazer de ver os atores interpretando ao vivo e não na televisão, a diversão de conhecê-los pessoalmente e a extrema conveniência de ser (na época) estudante e pagar meia-entrada transformaram o teatro no maior hobby que tive em toda a minha vida. Durante a década de 90, vezes houve em que cheguei ao extremo de ver até quatro peças por semana. Pegava a Ilustrada na excelente seção de teatro (muito melhor do que a de hoje) e circulava os espetáculos que me interessavam. Daquele 12 de agosto de 1990, quando eu tinha apenas 18 anos e vi Fernandona interpretando as poesias de Adélia Prado – contando com a iluminada presença de Gianfrancesco Guarnieri na platéia – até hoje, assisti algo em torno de mil espetáculos. Recentemente fiz uma contabilidade aproximada, totalmente informal, e fiquei impressionado. Fui a todos os teatros de São Paulo e vários do Rio; tive o prazer e o privilégio de ver meus ídolos. Vi Paulo Autran dez vezes, Bibi Ferreira vi nove vezes, vi Guarnieri no palco, vi Cleyde Yáconis, vi Maria Della Costa, vi Othon Bastos e Débora Duarte juntos, vi Renato Consorte e Myriam Muniz juntos, shows de Chico Anysio, Juca Chaves e Dercy Gonçalves.

Conheci Dias Gomes, Geraldo Vietri e Plínio Marcos; conheci José Renato, Guarnieri, Chico de Assis e me correspondi com Augusto Boal; conheci José Celso, Renato Borghi e Fernando Peixoto; conheci Maurice Vaneau, Antunes e Abujamra.

Vi a cortina do João Caetano se fechar sobre Fernandona por conta de uma ameaça de bomba, vi o elenco de Escola de Maridos, que assisti onze vezes no SESI, anunciando calmamente que o espetáculo seria encerrado porque as coxias estavam se incendiando, vi Fagundes no centro do Jardel Filho destratando suas fãs na primeira fila, vi Paulo Autran comemorando seus 73 anos em pleno palco do Sérgio Cardoso, vi José Simão se contorcendo de riso em um show de Costinha, vi Denise Fraga três vezes levando o público ao choro de tanto rir com Trair e Coçar é só Começar, vi Irene Ravache chorando e gritando “bravos” a Bibi Ferreira no meio de sua peça sobre Amália Rodrigues, vi José Possi Neto pulando de alegria em sua cadeira enquanto Renato Borghi gritava “boceta” repetidas vezes em cena de Pentesiléias, vi Paulo Gracindo e Jofre Soares emocionando o público só de entrar em cena...

Vi o público vidrado na beleza e no talento de Luciene Adami em As Mil e Uma Noites, vi o público boquiaberto com a estupenda nudez de Tatiana Issa em A Falecida, vi três vezes o público rir às gargalhadas e aplaudir freneticamente o talento do Circo Grafitti em Almanaque Brasil, vi o público chorar e rir com Gibe, Chico Martins e Aparecida Baxter em Chá, Rosquinhas e Rococó, vi o público chorar e rir com Augusto Pompeu no fim de Sonho de uma Noite de Verão, descobri o que é talento vendo Luis Melo e Laura Cardoso em Vereda da Salvação, descobri o que era putaria no Ham-let de José Celso, vi Nelson Xavier brilhar intensamente nas três horas de Grande Sertão Veredas, vi Célia Helena secar as lágrimas depois de ver Diogo Vilela em Solidão, a Comédia, vi Osmar Prado se desdobrar em mais de 20 personagens no magnífico O Fabuloso Obsceno, de Dario Fo, beijei a mão de Marcel Marceau e o ouvi dizer, depois de dez cortinas, le public bresilien c'est merveilleux, vi a generosidade de Edson Celulari, abrindo caminho e permitindo que Cacá Carvalho o esmagasse com seu talento, em Don Juan...

Mas vi também Fernandona e Fernandinha pagando o mico colossal de fazer aquela porcaria que foi The Flash and Crash Days, vi Cláudia Abreu se submetendo ao flagelo de fazer o horroroso Viagem ao Centro da Terra de Bia Lessa, vi Maitê Proença, que como atriz já é um desastre, cantando com sua voz de gralha e torturando a platéia do Teatro Mars em Histórias de Nova York, vi Cláudia Raia em dois de seus musicais com playback, vi o tenebroso Marcos Palmeira em seu inqualificável Othello, vi Ana Paula Arósio arrancar risos como Hipólito, no patético Fedra dirigido por Abujamra, vi o equivocado Tartufo de Edney Giovenazzi, vi o desperdício de Raul Cortez em Luar em Preto e Branco, Cheque ou Mate e seu esquecível Rei Lear, dormi durante uma hora de O Evangelho segundo Jesus Cristo, saí no meio de Querido Mentiroso, com Sérgio Britto e Natália Timberg, por medo que eles me vissem dormindo na terceira fila do Teatro Hilton, vi Louise Cardoso fazer o papel de uma cadela, no deplorável Sylvia, vi Marco Nanini brilhante em Kean, péssimo em O Burguês Ridículo, vi vários espetáculos de Gabriel Vilela, brilhante em Vem buscar-me que ainda sou teu e A Vida é sonho, soporífero em A Rua da Amargura e O Mambembe, senti, junto ao público do Procópio Ferreira, a vergonha alheia de ver Fagundes no grotesco Vida Privada...

Tantas coisas... vi Leona Cavalli passar como um trator por cima de Mariana Lima em Tio Vânia, vi Marco Pâmio superar Sérgio Britto em Longa Jornada de um Dia Noite Adentro, vi Drica Moraes ofuscar Marília Pêra em Vítor ou Vitória, vi Luciana Braga engolir Malu Mader em Vestido de Noiva, vi Giulia Gam engolir Bete Coelho em Pentesiléias, vi Bete Coelho engolir Giulia Gam em Cacilda, vi Luis Miranda engolir o elenco inteiro de Angels in America, vi Carolina Dieckman com 14 anos em Banana Split, deslumbrando os marmanjos do Teatro Vanucci, vi Gabriela Duarte lutar com sua falta de talento em Namoro, vi Natália Lage conquistar e deliciar o público com seu carisma no horrendo À Beira do Mar Aberto, vi o público bocejar com Fernandona em Gilda, vi o público bocejar com Paulo Autran em Para Sempre, vi o público bocejar com Marília Pêra em Master Class, vi o público bocejar com Beatriz Segall em Guerra Santa, vi André Valli e Suely Franco levando o público ao paroxismo do riso, em Mimi, uma adorável doidivanas, vi Izabella Bicalho maravilhando o público em Gota D’água, vi Jorge Dória matando o público de rir com A Presidenta e O Avarento...

Tantas coisas... três Hamlet, três Macbeth, dois Othello, dois Sonho de uma noite verão, dois Rei Lear, duas A Tempestade, dois Tartufo, dois O Avarento, dois O Burguês Fidalgo, dois Médico à Força, duas Antígona, dois Vestido de Noiva, dois Arena Conta Zumbi, dois Ponto de Partida... e isso entre centenas de outras coisas e causos. Mas paro por aqui. E que venham mais 20 anos de blog e de peregrinação teatral.

7 comentários:

  1. Bernardo - gosto de quando você escreve assim, tão despretencioso, a sua visão de mundo. Adorei esse post, beijos.

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  2. Emocionante; me deu vontade de fazer a minha "lista crítica"... rsrsrsrs
    BJS!

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  3. Parabéns pelo aniversário do blog (como passou rápido) e pela riqueza imensa de tudo o que vc já viu.Abs.

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  4. Bernardo,adoro ler a forma que voce escreve os vocabulários usados no texto, a visão de mundo, que maravilhoso é o teu blog, parabéns pelo sucesso

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  5. Olá, Bê...
    adorei o post..
    vc realmente é fenomenal...

    bjos Alge

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  6. Nossa, parece que foi ontem que vc nos mandou o link do seu blog....Mas o que vc me diz de todos esses tickets? huauhuahuahua!! Bom, adoro ler as coisas que vc escreve, ainda mais quando se trata de suas experiencias !!! bjsss

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  7. Vida longa a este seu hebdomadário, Ber!! Inobstante a maçaroca de informações e embora eu jamais troque a net pelo meu fichário e fontes impressas na busca de esclarecimentos, um blogue como o seu fazia falta. Este seu último post foi uma das melhores coisas que eu li ultimamente...Também me agrada a sua coragem em indicar trabalhos mal-finalizados ou sem o devido preenchimento de atores consagrados...Uma sugestão: gostaria de ler algum post seu sobre a militância crítica de YAN MICHALSKI e BÁRBARA HELIODORA. Só li recentemente a crítica em que ela desceu o chanfalho no "Hamlet" encarnado pelo Wagner Moura. Abraço fraterno.

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