sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Ειρήνη Παπά, Eiríni Papás, Irene Papas — 2/7


Irene, circa 1965

Neste segundo artigo procurarei abordar vários dos filmes políticos de que Irene participou, cobrindo invasões européias, guerra fria, pós-nazismo, ditadura sul-americana, até o épico Z, que tocou tão de perto o coração da atriz. Na seqüência há comentários sobre dois filmes que tem a máfia como tema. Farei uma distinção, dentro da carreira de Irene, entre filmes políticos, filmes históricos e filmes específicos sobre a Segunda Guerra, então Guns of Navarone, Battle of Sutjeska e The Assisi Underground terão um capítulo próprio mais à frente.


FILMES POLÍTICOS

Posterzinho mequetrefe feito pela "Renown"
para o filme que, pelo jeito, não tem poster

THE MISSING SCIENTISTS (1955)

Este é um dos filmes menos significativos da carreira de Irene, e ao mesmo tempo um dos mais curiosos. Em primeiro lugar porque tem apenas quarenta e cinco minutos, ou seja, mal qualifica para ser um longa e está mais para um episódio de série televisiva. Em segundo lugar os primeiros seis minutos do filme são um documentário sobre as instalações nucleares de Harwell, em Oxfordshire, então nos perguntamos se é um filme ou um documentário com cenas dramatizadas. E terceiro porque diz o IMDB que seu lançamento ocorreu na Inglaterra em 1955 sem especificar o mês, o que nos dá a sensação de que ele nunca foi exibido comercialmente. Foi provavelmente encomendado pelo governo da Alemanha Ocidental como propaganda anti-bélica e anti-comunista e nunca entrou em cartaz. A propósito, ele não tem cartaz. A foto utilizada aqui (bem tosca, aliás) foi elaborada por uma empresa chamada “Renown Pictures LTD.”, que restaurou a cópia original (mal e porcamente) em 2009 e deve ter os direitos sobre o filme, já que vem comercializando-o via streaming pela Amazon.

O site da “Renown” nos oferece pistas interessantes. Eles afirmam ser uma distribuidora independente de filmes B britânicos e esclarecem parte da questão quando explicam que esses filmes eram feitos “como apoio da atração principal, produzido geralmente com um orçamento modesto, embora fossem terreno fértil para futuros atores, escritores e diretores”. Ou seja, um curta anabolizado exibido antes do filme que as pessoas de fato foram assistir. The Missing Scientists nada tem de britânico, mas como a “Renown” também se descreve como dona de “uma das maiores coleções privadas de direitos cinematográficos do mundo”, não seria absurdo imaginar que dentro de um lote adquirido, consistindo de curtas esquecidos das décadas de 30 a 50, entrassem as produções da obscura “Interwest Film”, responsável pelo filme. Além disso, considerando a duração, a superficialidade e, sobretudo, a presença da jovem e estupenda Irene Papas, The Missing Scientists se enquadra facilmente na categoria de um filme barato feito para promover uma estrela em ascensão.

Székely em meados da década de 30,
ainda na Hungria
Dito isto, analisemos a equipe envolvida na produção do filme. O diretor é o húngaro Steve Sekely (1899/1979), que começou a trabalhar com cinema na Hungria, usando seu verdadeiro nome, Székely István. De 1930 a 1938 ele dirigiu quase trinta filmes de grande apelo comercial e popular, com as maiores estrelas do cinema húngaro. Era conhecido e respeitado. Por essa época a ameaça do nazi-fascismo deixou de ser só uma ameaça e Székely, que era judeu, preferiu não ficar para ver a Hungria cair sob o domínio de Hitler, o que ocorreu pouco depois. Foi para os Estados Unidos com a esposa, a atriz Irén Ágai, a quem dirigiu em vários de seus filmes. Não encontrando,
possivelmente, lugar nos grandes estúdios, se contentou com produções menores, filmes B de baixo orçamento, com estúdios de segunda como o Republic, o Monogram, PRC, e qualquer pessoa que puxasse um talão de cheque e pagasse os custos da produção. O mais marcante, entretanto, é que em meio a caça-níqueis divertidos como Revenge of the Zombies (1943) ou Blonde Savage (1947), Székely sempre dava um jeito de produzir filmes com um pano de fundo pacifista ou anti-nazista.

Women in Bondage, que em português recebeu
 o nome de "Escravas de Hitler"
Em 1943 ele dirigiu Women in Bondage, que o público deve ter ido assistir em hordas, crente de que era algo erótico ou pervertido, e na verdade é a história de uma mulher que volta à Alemanha depois de um tempo e fica horrorizada com a maneira criminosa que as mulheres estão sendo tratadas pelo governo nazista (daí o termo “bondage”). Tinha o título alternativo de Hitler's Women. Em Portugal recebeu o nome de Escravas do Nazismo. No Brasil, Escravas de Hitler. E isso em pleno auge da segunda guerra.

Em 1944 vieram, um atrás do outro, Waterfront, sobre um espião nazista que perde uma caderneta com endereços secretos e começa a ser chantageado; e Lake Placid Serenade, sobre um patinadora no gelo que entra em desespero quando descobre que seu país, a Tchecoslováquia, foi invadida pelos nazistas. Não importava que fossem filmes de 70 minutos ou superficiais. Székely era um diretor de filmes B e essa foi a maneira que encontrou de ajudar os aliados e seus amigos húngaros que sofriam a dominação nazista. Em 1950 sua esposa morreu, com apenas 38 anos e ele seguiu trabalhando, agora também em TV. E é a essa altura que chegamos a The Missing Scientists.

Friedrich Joloff, Kurt Kreuger, Reinhard Kolldehoff
e Paul Campbell
Os roteiristas chamados foram o casal George e Gertrude Fass, que faziam tudo em dupla e trabalhavam quase que exclusivamente em televisão. Não posso deixar de registrar que em 1958 o Teleteatro Tupi encenou uma peça deles com o nome de "Alguém precisa matar" (é possível que seja Murder is a bottomless well, apresentada na mesma época na TV americana). Foi o casal Fass que criou e roteirizou a trama rocambolesca e absurda de The Missing Scientists.

É sobre dois cientistas, Max Anders (Kurt Kreuger) e Gio Manfredi (Friedrich Joloff), que trabalham no laboratório de pesquisa nuclear de Harwell, na Inglaterra. Eles recebem uma proposta para trabalhar na Alemanha Oriental, com a promessa de que ganharão seus próprios laboratórios e fundos ilimitados para pesquisa. O motivo para terem aceito, segundo Anders, é que não havia incentivo à pesquisa no lado ocidental. Junto a eles virão também os cientistas norte-americanos Dr. Ambrose, Dr. Renard e sua filha Ruth Renard, que deixarão seus postos na usina de Oak Ridge, no Tennessee. Anders e Manfredi não comparecem a Harwell e começam a ser procurados.

Kurt Kreuger e Irene
Gina (Irene Papas), namorada de Anders, encontra um bilhete de uma mulher falando sobre um encontro deles em Munique, e a suspeita faz com que ela procure a polícia norte-americana. Como se tratava de deserção, inicia-se uma operação entre a Scotland Yard e a polícia americana na Alemanha. As coisas desandam; descobre-se que o Dr. Renard se desentendeu com os alemães orientais e foi assassinado. Quanto ao bilhete trazido por Gina, era Ruth Renard se fazendo passar por outra pessoa, e ela também é demovida de participar da deserção. No fim, a polícia decide que o agente Dick Richard (Paul Campbell) se infiltrará no grupo, como se fosse Ambrose, e Gina se fará passar por Ruth Renard. O objetivo é avisar os cientistas de que Renard foi morto, Ruth e Ambrose desistiram e tudo não passa de uma armação dos orientais para que eles se tornem prisioneiros e trabalhem para desenvolver os planos genocidas de Berlim.

Visual inqualificável... uma mistura de Julie Andrews com Christy Turlington

Todos se reúnem em uma casa de Munique, controlada pelo agente alemão Valentin Kolchak (Reinhard Kolldehoff), que só aguarda a chegada de todos para que possam se encaminhar a um aeroporto clandestino e cruzar a fronteira. Gina reencontra Anders e os outros se passando por Ruth e num momento em que Kolchak sai da sala ela conta tudo. Anders não acredita e confronta o alemão, revelando a farsa de Gina e Dick e botando o plano da polícia a perder. O alemão nega as afirmações de Gina, mas o estrago já foi feito: todos desistem de ir, menos Anders. Kolchak promete que os outros poderão ir embora sem quaisquer problemas e os dois vão para o aeroporto. Chegando lá, bêbado, com uma garrafa na mão, o alemão confirma que serão todos assassinados, assim como Renard. Anders então finge que vai beber, toma a garrafa e a arrebenta na cabeça do alemão. Volta correndo para a casa, onde encontra toda a operação policial, mas nem sinal de seus amigos.


Jackie Collins, aos 18 anos
Ele então se recorda que Manfredi carregava consigo algum tipo de material radioativo dentro de um pequeno container. Utilizando um contador geiger eles descobrem que estão todos amordaçados e presos atrás de uma parede. Eles são soltos e o final é feliz. Pelo menos para eles, porque a família Renard deve ter sofrido muito. E há ainda uma última curiosidade. Além de Papas, que precisaria ainda de algum tempo para que o público compreendesse que era um crime ambiental cortar suas sobrancelhas, havia uma atriz ainda mais nova nesse filme, que iniciara sua carreira no ano anterior: Jacqueline Collins, que fazia o papel da esposa de Gio Manfredi. Era irmã mais nova de Joan Collins, trabalhou por alguns anos mas já na década de 60 se aposentou para escrever romances, tornando-se uma das maiores best-sellers dos Estados Unidos.

The Missing Scientists é o que é. Quarenta e cinco minutos do que poderia ser uma série semanal com casos de polícia. Uma bobagem leve e inofensiva que só se salvou do limbo pela  presença de Irene. Concluo fazendo uma ressalva da maior justiça: a música que acompanha o filme é bonita, bem executada e de grande qualidade. Uma trilha sonora digna de um filme de Hollywood. Mas como se trata de uma produção menor, compositor, orquestrador e músicos não são citados nos créditos. Uma pena.

GORKE TRAVE (1966)

Filme do iugoslavo (nascido na atual Sérvia) Zivorad Mitrovic, da primeira leva de cineastas iugoslavos do pós-guerra. Roteiro de Frida Filipovic e Michael Mansfeld.

Garota iugoslava — Lea Weiss (Papas)  é enviada ao campo de concentração de Auschwitz. Há um conventilho reservado para bandidos de alto coturno no campo, e ela se prostitui ali por pequenas regalias. Bonita e jovem, é retirada do conventilho por um médico da Gestapo  Dr. Berger (Hans Zesch-Ballot)  que faz experiências com esterilização nas prisioneiras. Ela se torna vítima da experiência e logo depois amante do general. Com isso consegue se livrar das experiências seguintes, que envolvem o congelamento de pessoas e outras monstruosidades. Quando se cansa da moça, o médico a envia de volta ao conventilho, onde ela permanece até o fim da guerra. Anos mais tarde, ela conta parte de sua história a um namorado  Bora Petrovic (Daniel Gélin)  que lança as memórias em livro.

Lea: prostituição e experiências
monstruosas
Em seguida ela se casa com um repórter francês que morre cobrindo a guerra da Indochina. Ela resolve se estabelecer na Alemanha, onde recebe uma compensação financeira irrisória pelos seus sofrimentos durante a guerra, e desconhece o fato de que seus benfeitores são a irmã de um general da SS — Elsa (Radmila Gutesa)  e o assessor jurídico  Walden (Werner Peters)  do médico que a seviciou.

Passados vinte anos, um promotor — Hoffmann (Heinz Drache)  começa a juntar provas para poder prender Berger, que está solto e feliz. Procura Lea, que se recusa a ajudar e ainda nega tudo que foi publicado no livro de Bora. Hoffmann vai a Belgrado e pede que Bora vá com ele até a Alemanha para tentar convencer Lea a testemunhar. Ele aceita e os dois descobrem que Lea está sendo chantageada e ameaçada para não testemunhar. Aos poucos ela vai se abrindo e contando detalhes ainda mais terríveis de seu inferno no campo de concentração. E com isso as ameaças vão aumentando e acabando com a frágil estabilidade emocional e mental de Lea. Os pesadelos com o passado, que a infernizam desde a guerra, vão se tornando piores e se misturando com a realidade.

Papas: Beleza inigualável

Papas e Daniel Gélin
É um filme de baixa qualidade artística. Não conheço a obra de Mitrovic, se ele tem ou não filmes reconhecidos, mas Gorke Trave parece um trabalho de alunos de segundo ano em uma faculdade de cinema. A produção até que não é ruim mas o roteiro é deplorável e a direção está abaixo do amador. A história tem seu relevo e poderia ter resultado em um filme bem interessante, inclusive por trazer a ótica iugoslava, pouquíssimo conhecida do ocidente, mas os diálogos são tão idiotas que não provocam qualquer emoção. Poucas vezes vi situações de tamanha dramaticidade sendo conversadas de maneira tão cretina e artificial. Daniel Gélin e Heinz Drache são insípidos e inodoros. Bora e Hoffman são dois bullies trapalhões, que não conseguem dar uma dentro, chateiam a pobre mulher até que ela revele aquilo que tenta desesperadamente esconder, sabendo o quanto isso a perturba e o quanto põe sua vida em perigo, e quando isso acontece eles ficam abobados, sem saber o que fazer. 

Jean Claudio, Papas e Heinz Drache
Lançamento de Gorke Trave, 1966

Gorke Trave — "ervas amargas" — é uma referência ao maror e ao chazeret, pratos servidos na páscoa judaica e que podem ser feitos com alface, escarola ou endívia. No filme, há uma cena em que Lea está lendo o livro para o qual deu seu fatídico depoimento e em certa passagem ela fala de como era o Pessach na casa de seu avô. As ervas amargas simbolizam o sofrimento dos judeus no Egito; neste caso, Lea faz um paralelo do sofrimento dos judeus no exílio.

O filme foi lançado em 1966 na Iugoslávia e no ano seguinte na Alemanha Ocidental, com os títulos Bittere Kräuter (literal) ou Die Zeugin aus der Hölle ("A Testemunha do Inferno"), mais popular. E desapareceu com toda a razão, logo em seguida. A única coisa que salva este filme do penumbroso abismo de merecido esquecimento, é a presença catártica de Irene Papas. É de se pensar o porquê deste filme tão bobo ser o segundo que ela fez depois do sucesso avassalador de Zorba; talvez pelo fato de que, por conta do typecast, choveram papéis de gregas exóticas que não lhe apresentavam maior desafio; ou porque ela sempre apreciou a idéia de trabalhar em países com culturas diferentes. Papas aparenta estar falando inglês mas é dublada em servo-croata, e graças à direção capenga ela está deliciosamente careteira. Mas se há um razão para perdoar Mitrovic por Gorke Trave é ele não ter economizado cenas em que podemos ver Papas em toda o esplendor de sua beleza. Tudo nela é maravilhoso. Lamenta-se que o material seja tão ruim, porque nas mãos de um verdadeiro cineasta, a atriz teria dado uma performance poderosa, assustadora e comovente. Não é o que acontece, mas pelo menos eterniza-se a divina beleza refulgente de seus 39 anos.

Z (1969)

Muito já se falou e ainda se fala sobre Z, então ao invés de mais uma análise, prefiro historiar o processo de realização do filme, que é pouco conhecido.

A Grécia levou décadas para que sua situação política se estabilizasse, após a 2ª Guerra. Houve guerra civil, gabinetes se sucederam, a monarquia se equilibrava por um fio e pouco ajudou que nas eleições parlamentares de 1961 fosse eleita maioria da União Nacional Radical, partido conservador criado pelo Primeiro-ministro Konstantínos Karamanlís, em seu terceiro mandato. O velho Geórgios Papandréou, ex-Primeiro-ministro, fundador e líder do partido adversário, a União Central, acusou fraude e violência no pleito, além da ação de um “paraestado” (ou “estado paralelo”) na concretização desse logro eleitoral, que envolveria a Agência Nacional de Segurança Grega (EYP) e grupos paramilitares. Em meio a essa grita, que em nada alterou o resultado das eleições, quem assomou ao parlamento helênico pela Esquerda Democrática Unida — o outro partido oposicionista, que concorreu coligado com a União Central — foi o médico e ex-atleta Grigoris Lambrakis, que desde a 2ª Guerra pautava sua agenda política pelo pacifismo.

A célebre imagem de Lambrakis
Entretanto, os movimentos pacifistas daquela época, ao redor do mundo, eram associados diretamente ao comunismo; o Conselho Internacional da Paz surgira em 1950 sob inspiração do Kominform, pregando o desarmamento, o anti-imperialismo e a soberania dos povos. Quando Lambrakis resolveu criar uma comissão internacional de paz na Grécia, alinhada extra-oficialmente a esse Conselho, a polícia passou a reprimir todas as manifestações organizadas por ele. Isso ocorreu um punhado de vezes, não só na Grécia, e ficou particularmente célebre a marcha pacifista que ia da cidade de Maratona a Atenas, em abril de 1963, quando a polícia prendeu dezenas de manifestantes e Lambrakis seguiu sozinho erguendo uma faixa com a palavra “Grécia”, ladeada do símbolo universal da paz. A situação era bem mais grave do que se podia supor, e a repressão policial vinha acompanhada de constantes ameaças de morte ao médico. E em 22 de maio de 1963, um mês depois da marcha de Maratona, Lambrakis levou uma paulada na cabeça, saindo de uma palestra que acabara de proferir em um auditório, na cidade de Tessalônica, e morreu cinco dias depois, de traumatismo craniano.

Lambrakis
O assassinato provocou grande comoção popular. Cerca de duzentas mil pessoas acompanharam o enterro gritando as palavras de ordem “Você vive, você vive, você nos conduz”, que em grego é «Ζεις, ζεις, εσύ μας οδηγείς». Karamanlís não teve opção senão permitir que uma investigação profunda ocorresse para que o culpado, ou os culpados, fossem levados a julgamento e condenados. Entram em cena o investigador Christos Sartzetakis, o promotor Nikos Athanasopoulos e o procurador Pavlos Delaportas. Liderados pelo primeiro, os três levaram a cabo uma operação que revelou uma gigantesca rede de corrupção policial e acobertamento de crimes políticos com inúmeras ramificações nas esferas do governo, da polícia, do Exército e até mesmo em círculos da família real. Os dois criminosos responsáveis pela morte de Lambrakis (Emannouel Emannouilides e Spyros Gotzamanis) foram presos e, depois de três vitórias consecutivas, a União Nacional Radical finalmente perdeu a eleição parlamentar de novembro daquele ano para a União Central, de Papandréou. Desgostoso, e estremecidas suas relações com o rei, Karamanlís renunciou ao cargo de Primeiro-ministro e se auto-exilou, permanecendo longe da Grécia por onze anos.

O impressionante funeral de Lambrakis

Christos Sartzetakis em 1965
A renúncia não acalmou os ânimos. Em março de 64 morreu o rei Pávlos e assumiu o seu filho de apenas 24 anos, o inexperiente Konstantinos II. Os primeiros ministros se sucederam, Papandréou assumiu o cargo em duas ocasiões, por curto período de tempo, mas a incapacidade de articulação política do novo rei deteriorou ainda mais a cisão direita x esquerda que se arrastava há 20 anos. Nesse meio tempo, em 1966, na véspera do julgamento de Emannouilides e Gotzamanis, o escritor Vasílis Vasilikós concluiu a extensa pesquisa que empreendera nos últimos dois anos sobre o assassinato de Lambrakis e a investigação que veio a seguir. Sabendo que o assunto era explosivo, mudou os nomes dos envolvidos, o que parece ter sido uma ironia, já que a história real está toda lá. Além disso, o nome escolhido para o título foi a letra “Z” do alfabeto latino, que possui perfeita identidade fonética com a expressão grega “Ζει” — “ele vive” — remetendo diretamente ao funeral de Lambrakis.

1ª edição francesa
Em outubro os dois criminosos foram condenados, mas não por assassinato, e sim por agressão, em manobra protecionista evidente do tribunal grego, e ao invés de pena de morte ou prisão perpétua foram sentenciados a onze (Gotzamanis) e oito anos e meio (Emannouilides ) de prisão. Os outros 29 envolvidos — inclusive generais que ajudaram a acobertar o crime — também tiveram penas leves. O veredito provocou revolta na Grécia. Em novembro Vasilikós publicou “Z”, inicialmente em seis partes, na revista “Tachydrómos”, e ao mesmo tempo em livro.

Quem passava pela Grécia por essa época, visitando a família, era o jovem cineasta Costa Gavras. Ganhou do irmão uma cópia de “Z”, e em abril de 1967, quando voltava para a França — onde morava desde a época da faculdade e realizava a maior parte de seus filmes — eclodiu na Grécia o golpe militar que levou ao governo uma junta de coronéis. Geórgios Papandréou ficou em prisão domiciliar (com quase 80 anos e a saúde debilitada), centenas de pessoas foram presas, “Z” foi censurado e tanto Vasilikós quanto Christos Sartzetakis foram exilados (o último foi preso duas vezes e torturado antes do exílio). O próprio rei, que tentou contemporizar com os militares também acabou exilado, em dezembro daquele ano. Emannouilides, Gotzamanis e os outros envolvidos foram postos em liberdade, mas o livro já tinha sido lançado, traduzido para o francês e Costa Gavras estava em adiantadas negociações com o autor sobre transformar “Z” em filme. Por mais que os militares agora governando a Grécia quisessem impedir, a história de Lambrakis se tornaria conhecida mundialmente.

Da esq.: Costa Gavras, Jorge Semprun
e Yves Montand
Costa escreveu o roteiro com Jorge Semprun, escritor e político espanhol que vivera na França durante muitos anos e que rompera recentemente com o partido comunista de seu país. Ele trazia caudaloso know-how sobre o funcionamento de ações subversivas e suas conseqüências, o que enriqueceu sobremaneira o trabalho do diretor, ainda um noviço no incipiente gênero do cinema político. Costa chamou dois atores com quem já trabalhara anteriormente, para os papéis principais: Yves Montand seria Lambrakis, referido apenas como “o doutor”; e Jean-Louis Trintignant para o papel de Sartzetakis, referido apenas como “o juiz”. Os experientes, mas desconhecidos fora de seus países de origem, Marcel Bozzuffi (Emannouilides) e Renato Salvatori (Gotzamanis), interpretaram os assassinos de Lambrakis, com os nomes respectivamente de “Vago” e “Yago”. O garoto Jacques Perrin interpreta o repórter que cobre todo o acontecimento desde o início. Vendo que Gavras não poderia filmar nem na Grécia e nem na França, tal o grau de explosividade do assunto, Perrin foi também responsável por conseguir as locações na Algéria, onde o filme todo acabou sendo feito.

O câmera Raoul Coutard e Costa, durante as filmagens de Z

Irene e Montand em cena de Z
Com o elenco praticamente todo escalado, Costa esbarrou em um problema sério: por razões óbvias ele desejava utilizar atores gregos em Z, e havia dezenas deles querendo participar. Mas era impossível. Com os coronéis no poder, os atores sabiam que trabalhar em uma adaptação cinematográfica do livro de Vasilikós, filmado em outro país, era, no mínimo, a certeza de não poder mais voltar para a Grécia. Não há gregos, portanto, no elenco de Z. Com uma única exceção: a maior atriz grega de todos os tempos, Irene Papas. Inteligente, culta e antenada politicamente, ela desprezava o golpe, era amiga de Andreas, filho de Geórgios Papandréou, e comparecera ao enterro de Lambrakis. E provavelmente por ser uma figura tão respeitada, conhecida e admirada no mundo inteiro, Irene não era incomodada pelos generais. E mesmo que fosse, ela dava de ombros. Segundo Costa Gavras, em depoimento de 2009:

Irene (...) estava representando "a velha Grécia" [anterior ao golpe]. Os coronéis tomaram o poder em um momento em que a Grécia estava se transformando de fato em um país democrático. Todos estavam dizendo "que ótimo, as coisas estão mudando profundamente na Grécia", e eles pararam com tudo, de um dia para outro. Então foi uma grande frustração, um grande ódio por eles. E Irene Papas, de certa forma, estava disposta a mostrar tudo isso: o ódio por eles, e também a dor que ela sentia. (...) Os coronéis não podiam tocar Irene Papas, não importa o que ela tivesse feito. Então ela pôde participar do filme sem problemas.

Irene e Bernard Fresson, em foto promocional de Z
Irene, em flashback de Z

Irene, em Z
Não exatamente “sem problemas”. Papas já não filmava na Grécia fazia alguns anos e só voltaria a filmar em seu país quase dez anos depois. E o papel da viúva é curto, mas tem uma imensa carga sentimental e simbólica. Na pele de Irene, conforme o comentário de Costa, ela representa o país. É a mulher grega, a esposa grega. E é, em última análise, viúva de todos os assassinados pela repressão e posteriormente pelo golpe militar. Sua tristeza é a tristeza de todas as mulheres que tiveram seus maridos presos, exilados, torturados ou mortos. Existe, porém, uma história maior dessa viúva, que não é contada em Z. O público fora da Grécia estava alheio aos fatos relativos à vida pessoal de Lambrakis, e como Costa foi sutilíssimo ao mostrar em um rápido flashback que o doutor fora infiel à sua esposa, a recordação que temos é da longa e comovente cena em que Irene junta os pertences do marido, como a loção pós-barba, o pijama e coisas assim, até ser interrompida pelo sempre inconveniente (mas necessário) repórter de Jacques Perrin.

Na verdade, a vida conjugal de Lambrakis estava longe de ser um mar de rosas; ele era casado com Dímitra Batariá, com quem tinha um filho, mas pelo menos dois outros filhos foram reconhecidos posteriormente como sendo do médico, um deles enquanto ele ainda era vivo, inclusive. Dímitra, por sua vez, casou-se novamente em 1965, com um oficial do exército e não teve qualquer participação na elaboração do roteiro ou do filme. O personagem de Irene recebeu o nome (nada original) de “Hélène”.

Yves Montand, Irene Papas, Marcel Bozzuffi e Jean-Louis Trintignant

Mikis Theodorákis, em 1968
A trilha sonora de Z também tem uma história notável de bastidores. A primeira e única opção de Costa para essa função era Mikis Theodorákis. Ele não era apenas um dos maiores nomes da música grega, indicado recentemente ao Grammy e ao Globo de Ouro pela trilha sonora do Zorba (filme de Michális Kakogiánnis que tornou Irene Papas uma das atrizes mais famosas do mundo, na ocasião), mas era medularmente engajado politicamente. Além de ter freqüentes problemas com a censura pelo teor político de suas músicas, Mikis era um grande amigo de Lambrakis e com a morte do ativista, fundou e foi posteriormente eleito presidente da “Juventude Democrática de Lambrakis” (Δημοκρατική Νεολαία Λαμπράκη), associada à Esquerda Democrática Unida. Esse movimento paralelo seguia os ideais políticos e pacifistas de Lambrakis, e chegou a ter cinqüenta mil membros. Em 1964 Mikis também foi eleito para parlamento helênico através da Esquerda Democrática.

Theodorákis em um evento da Juventude
Democrática de Lambrakis, em 63
Tudo isso terminou com o golpe. Dias antes, pressentindo a gravidade da situação, o compositor criou a “Frente Patriótica”, movimento que fortaleceria a oposição nas eleições seguintes, mas era tarde demais. Com a ascensão dos coronéis ele ficou preso durante seis meses e logo depois enviado, com a família, para um confinamento em um vilarejo chamado Zatouna. Para não despertar quaisquer suspeitas Costa mandou sua esposa ao vilarejo, com seu nome de solteira. Ela conseguiu se avistar com o compositor, a quem explicou a situação e pediu, em nome de Costa, que ele participasse de Z. Mikis, evidentemente impossibilitado de compor, escreveu apenas um bilhete ao diretor, dando-lhe autorização para varejar suas partituras inéditas e utilizar o que ele quisesse, na trilha sonora do filme. O trabalho árduo de orquestração desse material ficou todo a cargo do maestro Bernard Gérard.

Vale ressaltar que exatamente durante esse período, no início de 1968, Irene Papas estava nos estúdios da RCA, em Nova York, gravando um LP com onze músicas de Theodorákis. Incentivada por Michális Kakogiánnis — que assinou o texto da contra-capa — a atriz, dona de uma voz linda, séria, sensual e cheia de personalidade, deu sua valiosa contribuição, usando sua fama para popularizar mundialmente a música de seu conterrâneo, vocalizando seu protesto veemente à perseguição e prisão de um artista tão importante para a Grécia e batendo de frente com a ditadura de seu próprio país.

Capa e contra-capa. Clique para ver o texto em alta resolução

Costa, Papas e Montand
Z teve sua première em fevereiro de 1969, na França, nove meses depois dos protestos estudantis de maio de 1968. O momento não poderia ser de maior efervescência política. Ditaduras espocavam pelo mundo, a Europa ainda vivia os ecos da Primavera de Praga, a Guerra do Vietnan continuava firme e forte, e o governo grego proibiu sumariamente a exibição do filme, assim como todos os países que possuíam, naquele momento, uma ditadura de direita (circunstância que permitiu, curiosamente, que Z fosse exibido no Festival de Cinema de Moscou em junho daquele ano, na então União Soviética). Na Grécia, por sinal, nunca houve um “lançamento”, propriamente dito. No Brasil, por exemplo, o filme só chegou em 1980, em plena abertura do governo Figueiredo. Onde pôde ser exibido, entretanto, o filme foi um sucesso avassalador. Costa recebia notícias de que ao fim da exibição, em determinados países, o filme era aplaudido em pé pelos espectadores.

Poster italiano
A carreira internacional de Z parecia das mais promissoras, mas quando foi indicado a cinco Oscars — Melhor Edição, Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Roteiro Adaptado — a viúva de Lambrakis resolveu processar os produtores do filme. No fim Z ganhou apenas Edição e Filme Estrangeiro, o que é uma grande injustiça, já que teria sido o primeiro filme não falado em inglês a ganhar o prêmio de Melhor Filme. O processo aparentemente não deu em nada mas o então presidente da Academia, o ator Gregory Peck, afirmou a Costa Gavras que o processo provocara mal-estar entre membros da Academia e custara muitos votos ao filme. Segundo o historiador de cinema Peter Cowie, o processo certamente não partiu de Dímitra, e sim da pressão dos coronéis.

A situação não foi muito melhor nos outros festivais. Em Cannes o filme venceu Melhor Ator (Jean-Louis Trintignant) e Costa recebeu o prêmio do Júri por unanimidade. Mas perdeu a Palma de Ouro para o hoje esquecido If..., dirigido por Lindsay Anderson. Mikis Theodorákis ganhou o BAFTA de Melhor Trilha Sonora e Z levou o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro. E mais um punhado de primeiros prêmios em festivais regionais norte-americanos. É pouco para uma obra-prima como Z. Mas foi um filme bastante aclamado e instrumental na vitoriosa carreira futura de Costa Gavras. Pessoalmente lamento que Marcel Bozzuffi — espetacular como o facinoroso Vago — não tenha sido premiado por seu trabalho, embora sua carreira hollywoodiana tenha florescido graças à sua performance em Z.

Cannes, 1969. Da esq.: Georges Géret, Jacques Perrin, Clotilde Joano, Irene Papas,
Marcel Bozzuffi, Costa Gavras e Yves Montand

Mikis Theodorákis foi transferido de Zatouna para o campo de concentração de Oropos. Quando se soube que estava tuberculoso e com a saúde cada vez pior, iniciou-se um grande movimento internacional, liderado por inúmeros elementos da classe artística, para que fosse permitida sua saída da Grécia. Em 1970 os coronéis o exilaram e ele passou os quatro anos seguintes na França, até o fim do período da ditadura dos coronéis, em 1974. Ele está vivo e bem, aos 93 anos.

Reencontro, em 2009, no lançamento do DVD
restaurado: acima, Vasilikós, Papas e Costa;
e abaixo, Costa, Sartzetakis e Theodorákis
Restaurada a democracia e abolida a monarquia,
Konstantínos Karamanlís assumiu como Primeiro Ministro pela quarta vez, em 1974, foi reeleito em 1977 e exerceu o cargo até 1980, quando se tornou o terceiro presidente da 3º República Helênica. Em 1985 foi sucedido por ninguém menos do que Christos Sartzetakis, que desde o julgamento de Lambrakis e as ignomínias que sofreu durante a ditadura, era considerado um herói da Grécia. Ele deixou a presidência em 1990 e foi sucedido por Karamanlís, que ficou no cargo até 1995 e morreu três anos depois, aos 91 anos. Sartzetakis está com 89 anos.

Costa Gavras está com 85 anos e acaba de concluir as filmagens de “Adults in the room”, adaptação do livro de Yanis Varoufakis. Vasílis Vasilikós está com 83 anos. Seu livro mais conhecido é “Z”.

Em 2009 foi lançado o DVD de Z, com uma versão restaurada sob a supervisão de Costa Gavras e Raoul Coutard. O filme foi mostrado em um festival de cinema francês, e com exceção de Marcel Bozzuffi, morto em 1988, Yves Montand, morto em 1991, e Jean-Louis Trintignant (talvez por algum impedimento pessoal), estavam todos lá: Costa, Papas, Vasilikós, Theodorákis e Sartzetakis.

OMAR MUKHTAR, "LION OF THE DESERT" (1980)

Belíssimo e injustamente esquecido épico do diretor Mustafa Akkad sobre o holocausto promovido pelos italianos na Líbia, a partir de 1911, e no caso específico do filme, em 1930, oitavo ano da "era fascista". Mussolini (Rod Steiger), já em pleno surto de megalomania genocida, estava irritado com o fato de que cinco generais enviados para subjugar a Líbia, então colônia italiana, acabaram derrotados pela resistência liderada por Omar Mukhtar (Anthony Quinn). O professor e dito "general" era expoente do movimento senussida, que visava a integridade política e religiosa do islamismo e se opunha às invasões européias na África. Lutara contra o protetorado britânico no Egito, a expansão francesa no Chade e há vinte anos se estabelecera na região da Cyrenaica (leste do país) dando dores de cabeça aos italianos que insistiam em manter a Líbia como parte do império italiano. Farto com a derrota, Mussolini resolve destacar um dos mais sanguinários de seus generais, Rodolfo Graziani (Oliver Reed) para derrubar de vez Mukhtar e seus mujahidin.

Na chegada ao país um dos attachés de Graziani já é avisado que a batalha sendo travada ali não pode ser conhecida no resto do mundo pois as regras da Convenção de Genebra estão sendo olimpicamente ignoradas. Isso nos dá a medida do tipo de expedientes utilizados pelos italianos: assassinatos em massa, tortura, estupros e enforcamentos (que devem ter sido cuidadosamente estudados pelo então jovem Hitler, que em 1930 ainda não passava de um quadro promissor do partido nazista alemão). Além disso, como até aquele momento ninguém do exército invasor fora capaz sequer de identificar Mukhtar, cuja identidade era protegida por todos, os italianos retaliavam incendiando metade da produção alimentícia de todo e qualquer povoado, para que eles não pudessem sustentar os mujahidin.

Omar Mukhtar (1858/1931) e Anthony Quinn

Rodolfo Graziani: Oliver Reed
Quando a primeira investida de Graziani, através de um de seus generais, é derrotada, sua vingança é barbárica: ele ordena a dizimação de centenas de povoados e a criação de um campo de concentração gigante, para abrigar mais de quinhentas mil pessoas. Ocorre então um encontro entre Mukhtar e o coronel Diodiece (Raf Vallone), representante diplomático de Graziani. O objetivo do encontro não era obter a paz e sim ganhar tempo para que a artilharia pesada (tanques e aviões) solicitada pelo general chegasse à Líbia. E quando isso ocorre a resistência começa a ser destruída. Mas não sem causar grandes baixas ao exército de Graziani, que em um último gesto de crueldade, pede a Mussolini autorização para fechar a fronteira com o Egito com a construção de uma "muralha de Adriano". O artifício utilizado na Inglaterra pelo imperador romano Públio Trajano Adriano no século II foi para barrar a entrada de invasores escoceses. Neste caso a muralha  feita de arame farpado, e não pedras e madeira, como a construção de Adriano  impediria ao mesmo tempo a fuga para o país vizinho e inutilizaria a única entrada restante por onde a resistência recebia seus mantimentos. Daí até a prisão de Mukhtar foi uma questão de tempo.

Raf Vallone, John Gielgud, Rod Steiger
e Anthony Quinn
Anthony Quinn não precisa inovar na interpretação para se sair muito bem no papel de Mukhtar. Sua imagem e sua presença são suficientes. Rod Steiger reprisou o papel de Mussolini, que já interpretara em 1974, no filme Mussolini ultimo atto, de Carlo Lizzini. Ele era um ator extraordinário e faz um bom Mussolini, embora mais cheio dos cacoetes interpretativos do próprio Steiger do que do ditador italiano. Há também o pequeno equívoco (do diretor) de que em 1930 o duce ainda não havia adotado o visual "bola de bilhar". O amado e odiado hellraiser Oliver Reed está perfeito como o elegante psicopata Rodolfo Graziani. Ele e Quinn são perfeitos antípodas. Raf Vallone é um ótimo Diodiece, e por seus olhos azulíssimos vemos toda a gentileza de seu caráter e o sentimento de revolta, ultraje e, por fim, impotência diante das monstruosidades de seus superiores. Os coadjuvantes são todos excelentes e vale registro o trabalho de Eleonora Stathopoulou, mãe do garoto Ali (Ihab Werfali), que infelizmente parece ter abandonado a profissão depois de apenas um punhado de filmes. Mario Feliciani também está ótimo em sua única cena, no papel do detestável comissário Lobito. O mesmo se pode dizer do sofrido e honesto Sandrini, de Stefano Patrizi. E há uma agradável e curta participação especial de John Gielgud, no papel de El Gariani, amigo de infância de Mukhtar.

Papas: maravilhosa, como sempre

Papas, Eleonora Stathopoulou e Ihab Werfali
Irene Papas faz o pequeno, mas seminal papel de Mabrouka, que tem sua família inteira dizimada. Quando sua filha Aisha é raptada, seu marido Salem (Andrew Keir) e seu filho Ismail (Rodolfo Bigotti) se juntam ao grupo de Mukhtar. Ela vai sozinha para o campo de concentração e lá realiza um trabalho heróico e benemérito, ajudando os feridos e os famintos, além de auxiliar a mãe de Ali — viúva desde um recente embate com o exército  que estava na mira dos guardas do campo. Como se isso não fosse o bastante, ela ainda participa de um grupo que contrabandeia mantimentos para os mujahidin. Em uma dessas ocasiões, ela pergunta a Salem pelo filho e o silêncio do marido revela o enforcamento de Ismail. Mabrouka contrai o rosto de dor e começa a esfregá-lo lentamente no arame farpado. E pouco depois, enquanto ela diz "my baby...", veremos sua testa sangrando pelo auto-flagelo. Uma cena fortíssima em que brilha a tragicidade dessa imensa atriz. Como ocorre com todos os filmes, contamos os segundos até que ela apareça novamente.

Mustafa Akkad dirigindo Irene Papas

Mustafa Akkad
Também gelam a alma as imagens de arquivo em que vemos os campos de concentração construídos nessa época, e que supliciaram a população líbia por tantos anos. Considerado desonroso e ofensivo para o exército italiano, o filme foi banido na Itália durante 27 anos. Só pôde ser assistido em 2009. Esta foi a última, das sete vezes em que Irene Papas dividiu a telona com Anthony Quinn. Foi também o último roteiro de Harry Craig (que também roteirizou The Message, de Akkad, com Quinn e Papas), que ele finalizou pouco antes de morrer de câncer no pulmão, em 1978.

Mustafa Akkad gostava mais de produzir do que dirigir. Dirigiu apenas três filmes e produziu dezenas. Lamentavelmente, esse excelente cineasta e pacifista de escol, e sua filha, morreram em um ataque terrorista na Jordânia, em 2005.

Recomendo. O holocausto judeu não foi o único, no século XX. Houve outros. Precisamos conhecê-los. E abominá-los igualmente.

SWEET COUNTRY (1987)

O romance “Sweet Country”, de Caroline Richards, teve sua primeira edição em 1979, apenas seis anos após o golpe militar que derrubou Salvador Allende. O filme foi todo filmado na Grécia, em 1985 e lançado nos Estados Unidos em janeiro de 1987. Ben (John Cullum) é um norte-americano que trabalha no Chile e vive em uma casa de campo com a esposa, Anna (Jane Alexander). Os dois são pegos de surpresa pelo golpe e se vêem envolvidos com a situação quando uma amiga deles, Eva Araya (Carole Laure), é presa e torturada por ter sido secretária da esposa de Allende. Eva, sua irmã Monica (Joanna Pettet) e os pais delas (Irene Papas e Jean-Pierre Aumont) são os únicos amigos de Anna no Chile e ela se sente compelida a ajudar. Através de Paul (Franco Nero), um jornalista canadense, Anna ingressa em um grupo clandestino de apoio à resistência. Infeliz com a vida e o casamento, ela começará a ter um caso com Paul. Mal sabe ela, entretanto, que esse grupo não se limita a tirar pessoas do país, mas também realiza ações como assassinar carrascos e torturadores.


Michális Kakogiánnis, dirigindo Sweet Country"
A trama vai ficando mais densa quando Juan (Randy Quaid), um militar bronco e semi-retardado que prendeu Eva na casa de sua irmã, após encontrar uma foto autografada de Allende dentro de um livro, fica fascinado com ela e resolve procurá-la depois de sua libertação. Ele pergunta se pode voltar à noite com um colega para um encontro romântico com Eva e Monica. E para agradar Eva ele afirma que devolverá a foto autografada. Elas aceitam, tentam enrolar os dois mas Juan volta no dia seguinte e estupra Eva. Monica então pede ajuda a Anna e ao grupo clandestino para retirar a irmã do país. Eles conseguem ajuda da embaixada italiana através do padre Venegas (Pierre Vaneck), amigo de Ben. E como a embaixada fica ao lado de um convento, eles resolvem esconder Eva por lá, o que facilitaria a fuga. Mas Juan, desobedecendo ordens expressas de seus superiores — que não querem confusões com os norte-americanos, que são seus maiores aliados — permanece no encalço delas e quando vão pular o muro que separa o convento da embaixada, Eva e Ben são mortos.

Eva (Carole Laure): espancamentos e queimaduras de cigarros

Jane Alexander, John Cullum, Franco Nero
e Carole Laure
É um projeto ambicioso de Michális Kakogiánnis, cujo forte não era exatamente o cinema político. E a empreitada infelizmente não agradou nem público e nem crítica. A meu ver, tanto o livro quanto o filme em si têm alguns defeitos fundamentais. No caso do trabalho de Caroline Richards (que não li), ele cai em uma esparrela comum desse tipo de literatura, que é querer enfiar um elemento melodramático de romance em uma história terrível que vai necessariamente envolver torturas e mortes. Os sentimentos não se misturam e não há catarse que sobreviva quando vemos mulheres nuas sendo abusadas e espancadas por militares em uma cena, e Paul e Anna dando beijinhos e abraços em outra. A situação é grave demais para que o público se importe se Ben e Monica tiveram um caso dois anos antes, se Anna tem ciúmes e se sente diminuída como mulher quando está na presença de Monica e probleminhas sentimentais desse nível. É a ausência de romancezinhos melodramáticos que faz a excelência dos filmes de Costa Gavras, por exemplo. Eles poluem e atrapalham a narrativa. Quem suportaria ver cenas meigas e sanitizadas de sexo à meia luz em filmes como Z ou L’aveu? Seria absurdo.

Giannis Voglis e Irene Papas. Ela grita para o camburão que levou sua filha Eva

Joanna Pettet, Randy Quaid, Pierre Vaneck
e Irene Papas
No caso do filme, a questão é mais complicada: em primeiro lugar, a versão que chegou até nós em VHS ou DVD tem 130 minutos, o que, segundo o IMDB, são pelo menos vinte minutos a menos do que a versão original, que tinha 150 minutos. Um verdadeiro universo de drama pode ter desaparecido nesses vinte minutos. Em segundo lugar, os personagens têm um desenvolvimento relativamente raso; sentimos o drama da linda e doce Carole Laure, ou de sua irmã Joanna Pettet, mas não chegamos a nos conectar com Jane Alexander, que sem embargo é uma atriz magnífica. John Cullum é um bom ator, assim como Franco Nero é muito carismático, mas também não há maior afinidade com nenhum deles, que vem e vão sem deixar grande recordação. E há uma espécie de consenso de que Randy Quaid foi uma escolha inteiramente equivocada para o papel de Juan. É discutível. Sim, ele não tem absolutamente nada de chileno e sua performance está sempre no limiar do cômico, o que é inadmissível, neste caso.

Por outro lado, ninguém ali convence como chileno — nem Papas, em papel pequeno e sem qualquer brilho, o que impressiona em se tratando de uma atriz conhecida pela universalidade de sua aparência, e além dos mais num trabalho com Kakogiánnis, seu grande parceiro cinematográfico e teatral — e seu personagem é raso.

Irene e Joanna Pettet

Irene Papas e Carole Laure
Em mais de uma ocasião vamos reparar que pérolas estão sendo jogadas ao vento pelos atores, porque as cenas são bobas e não-memoráveis. Exemplo disso é o momento em que Venegas diz a Evelyn, namorada de Paul, “my dear, when you are a latin american, dying for your beliefs is easier than making others live by them”, algo perspicaz, inteligente, e que não deveria sumir entre outras cenas menores. Quando é libertada da prisão, Eva tenta dar seu sobretudo a uma presa que ficou no ginásio onde estavam todas detidas. A presa reage com violência e xinga Eva de vadia burguesa, e de como ela deve estar se sentindo o máximo, agora que foi torturada, embora vá simplesmente voltar para sua vida de luxo e inutilidade. Outro daqueles momentos da maior profundidade dialética que mereceriam uma análise um pouco menos rápida. A reunião do grupo clandestino, em que uma freira lê a carta apavorante de uma mulher de 60 anos que sofreu as piores sevícias sexuais nas mãos de torturadores, tem um impacto momentâneo e é logo esquecida. No fim, por culpa dos romances, fica uma desagradável sensação de o tema foi tratado de uma forma leve, onde o coração partido de Anna, quando suspeita que Paul é um mentiroso, tem mais importância do que o estupro de Eva e a miséria dos presos políticos. 


PAPAS E A MÁFIA

Seguem dois filmes nos quais a temática é a máfia italiana. O mais importante deles — A Ciascuno il Suo (1967) — já foi analisado no primeiro artigo.

THE BROTHERHOOD (1968)

The Brotherhood foi o primeiro roteiro original de Lewis John Carlino para o cinema. Mas ao contrário de Mario Puzo, Lewis não escrevia romances ou novelas. E a Máfia também não era exatamente um assunto de sua predileção. Tem-se essa impressão pelo fato de The Brotherhood guardar tantas semelhanças com The Godfather, lançado em livro no ano seguinte (1969). Há quem diga que o filme dirigido por Martin Ritt exerceu grande influência sobre a obra de Francis Ford Coppola. Talvez, em termos de roteiro. Há situações parecidíssimas não só no primeiro, mas no segundo Godfather. Em termos cinematográficos, entretanto, embora Ritt fosse um craque e seu filme seja pioneiro do gênero, ele produziu apenas um bom almoço executivo, ao passo que Coppola produziu um banquete inigualável e inesquecível para quatrocentos talheres.

O filme começa com Vince (Alex Cord) chegando à Itália para visitar seu irmão mais velho, Frank. No aeroporto, um motorista se prontifica a levá-lo e uma das pessoas a quem ele pergunta entra secretamente em contato com Frank (Kirk Douglas) e o avisa que tem alguém procurando por ele. Frank se arma e segue com seus capangas até o local deserto, no meio da Sicília, aonde o motorista do aeroporto foi instruído a levar qualquer um que perguntasse por ele. Chegando lá o motorista puxa uma arma e orienta Vince a subir até o topo de um morro, onde Frank o observa de longe. No meio do caminho Frank reconhece Vince e ele dá ordem para que os capangas baixem as armas. Os irmãos se cumprimentam e seguem até a casa de Frank.



Lá se juntam à esposa de Frank, Ida (Irene Papas), e tomam um café. Conversam sobre como estão as coisas, a esposa de Vince, Emma, a filha de Frank e Ida, Carmela, que ficou nos Estados Unidos, sobre o os filhos de Vince, eles fazem planos para o dia seguinte e Vince vai descansar. Frank está satisfeito e de bom humor, feliz por rever o irmão, até que Ida o traz de volta à realidade, pergunta a razão para Frank estar ali e avisa que "ele vão mandar alguém". Frank cai das nuvens e se inicia um flashback que explicará o que aconteceu nos meses anteriores.

Papas e Douglas
"They're going to send someone"...

O flashback começa na festa de casamento de Vince, uma típica celebração familiar da máfia italiana. Vince se casou com Emma (Susan Strasberg), filha de Dominick Bertolo (Luther Adler), um dos sócios de Frank. Durante a festa fica evidente que há uma cisão na "família"; de um lado está um ramo mais antigo, já ultrapassado, que era muito ligado a Antonio Ginetta, pai de Frank e Vince, e não se mistura com o ramo mais novo por não reconhecer nele um compromisso com a honra da família; e um ramo mais contemporâneo (que inclui Dominick), que por sua vez não vê o ramo antigo com bons olhos, por considerá-lo retrógrado e simplório, em termos de negócios.

O casamento. Em pé: Luther Adler, Connie Scott e Kirk Douglas. Sentados,
Susan Strasberg, Alex Cord e Irene Papas (foto promocional)

Frank se equilibra entre os dois; o primeiro por estima e respeito, e o segundo por estarem lá seus quatro sócios nos variados empreendimentos da família. Na mesma festa Vince confessa a Frank que embora tenha cursado a faculdade e esteja recebendo convites de grandes empresas, seu desejo é trabalhar junto com o irmão nos negócios da família. Frank aceita e coloca o irmão como responsável da parte financeira de seus negócios. 

Mas o problema de Frank com seus sócios não é apenas um conflito de gerações. Em uma das reuniões do grupo, meses depois, é aventada uma possibilidade de expansão em empresas de eletrônicos que ajudariam a lavar o dinheiro da Máfia através de negócios legítimos. Frank discorda da expansão e é o único voto contrário, sem saber que Dominick já cooptara Vince para ser o responsável por essa ramificação. Terminada a reunião, Dominick vai até o genro e avisa que se Frank continuar com esse comportamento, batendo sempre de frente com as decisões dos quatro sócios, ele poderá ser expulso da família. Afirma que nesse caso Vince terá que tomar uma decisão: sair junto com o irmão ou ficar com eles. Vince vai até o escritório de Frank e expõe a situação. Frank tenta fazer o irmão compreender que essa era a maneira que o pai deles trabalhava, mas o argumento não convence Vince, que se coloca ao lado dos sócios e vai embora depois de uma discussão desagradável que quase provoca o rompimento de ambos.

Alex Cord 
Alex e Kirk

Luther Adler
A situação se complica ainda mais quando Don Peppino (Eduardo Ciannelli), o mais respeitado dos velhos mafiosos, resolve contar a Frank a seguinte história: trinta e cinco anos antes, um dos chefões tentou trazer um grupo de pessoas para a família e eles não permitiram, por se tratar de irlandeses, "camorristi i giudei", ou seja, membros da Camorra, máfia napolitana com a qual a Cosa Nostra não tinha uma boa relação, e para piorar, judeus irlandeses, o que feria o princípio do sangue puro dos italianos da família. O chefão, então, mandou matar quarenta e um dos mafiosos que se opunham à entrada do grupo camorrista, entre eles, Antonio Ginetta. Don Peppino revela a Frank que o informante (ou "fink", na gíria dos mafiosos) dos camorristas, responsável pela entrega dos quarenta e um nomes, foi ninguém menos do que Dominick Bertolo. Don Peppino incumbe Frank de exercer a justiça da Família sobre Dominick. Frank tenta se recusar, explica que seu irmão é genro de Dominick, mas Peppino coloca a intimação em termos de honra e Frank aceita a incumbência.

Perturbado pela difícil situação em que foi posto pelos velhos, Frank vai até a casa de Vince. Faz as pazes com o irmão e convida sua família — incluindo Dominick — para jantarem em sua casa, no dia seguinte. O jantar começa bem mas quando os três se juntam para falar de negócios a coisa desanda novamente. Frank proíbe o irmão de participar da empreitada dos eletrônicos. Vince afirma que não receberá mais ordens de Frank por ele ter sido derrotado na votação e Frank lhe dá um soco. No dia seguinte há uma última reunião dos cinco sócios em que Frank e Dominick se agridem verbalmente, Dom chamando Frank de "sigi" ("siciliano", mas também definição coloquial do mafioso da Cosa Nostra) e Frank chamando Dom de "camorrista bastard". Mais tarde Vince vai até a casa de Frank com um apelo para que ele e Dom façam as pazes e resolvam essa situação amigavelmente. Frank concorda e pede a Vince que marque um encontro dos dois para o dia seguinte. Vince acredita que eles resolverão o assunto dos eletrônicos, mas Frank pretende cuidar da incumbência de Don Peppino.

E é o que acontece. Frank e Dom se encontram, vão almoçar mas no caminho Frank conta toda uma história para que Dom perceba que sua traição foi finalmente descoberta. Ele o mata utilizando um método de enforcamento em que Dom é amarrado pelo pescoço como um porco, e enquanto ele estrebuchava, Frank lia o nome dos mortos por culpa de sua traição. Consumado o ato, Frank foge para a Sicília com sua mulher. Mas a notícia corre rapidamente e a represália não se faz esperar: Jim (Murray Hamilton), um dos sócios de Frank — o mais canalha e corrupto — joga a bomba em cima de Vince: ele terá que ir à Itália e matar o irmão. Se não o fizer, é sua família que vai pagar com a morte. A essa altura Vince e a mulher já tem dois filhos, além da sobrinha Carmela (Connie Scott). Sem alternativas, ele vai. E assim termina o flashback.


Na Sicilia, verifica-se que Ida tinha razão: eles iam mandar alguém. Só não se esperava que fosse Vince. Mas Frank acaba entendendo o que vai acontecer e no dia seguinte à chegada de Vince ele leva o irmão para um grande almoço cheio de celebrações, música, dança e convidados. E só depois de horas de festa, Frank despede-se de Ida e desaparece com Vince. Em local ermo, Frank entrega-lhe a arma que era do pai deles e exorta o irmão a matá-lo, por saber que ele não tem como escapar dessa intimação. E Vince mata seu irmão.

A recepção de The Brotherhood foi morna; o único prêmio ao qual o filme concorreu foi o de Melhor Roteiro no WGA Award, o prêmio do Writers Guild of America, o Sindicato de Roteiristas. Perdeu para Mel Brooks, com The Producers.

PIAZZA PULITA (1973)

Filme B baseado numa estória do ator de faroeste Tony Anthony, com roteiro dele e de Norman Thaddeus Vane, com direção de Luigi Vanzi. "Piazza Pulita" é uma expressão italiana que significa "limpeza total", muito coerente com o filme. Em inglês o nome é Pete, Pearl and the Pole, em referência a Pete (Tony), Pearl (Lucretia Love) e The Pole, apelido de Polese, o mafioso interpretado por Adolfo Celi. Em português o título é simples e bobo: 1931, New York Violenta.

Tony é Pete, um criminoso menor que faz pequenos serviços para diferentes famílias da máfia italiana em Nova York. Morto um chefão, ele é contratado para acompanhar o corpo até a Sicilia, onde a família quer que ele seja enterrado. Só que ele descobre que 500 mil dólares foram costurados dentro do corpo e é isso, na verdade, que a família deseja enviar para a Itália. Pete então vai até outro chefão, Polese, dono de uma destilaria — que acaba de matar Bruno (Richard Conte), para quem vendia bebida durante a época da proibição — e propõe que eles sequestrem o corpo durante o velório, matem o novo chefão da família e dividam o dinheiro assim que o trabalho estiver terminado.

Adolfo Celi e Tony Anthony
Papas: linda e dramática em sua única cena

Celi e Tony retalhando o corpo do chefão
É uma das cenas mais violentas do filme, e bastante chocante, se considerarmos a época: Pete puxa uma faca em meio ao velório e corta o peito do falecido como se ele fosse um frango, a fim de tirar o dinheiro, e tudo isso na frente da viúva do chefão, Donna Mimma. Não fosse o suficiente, eles enfiam o novo chefão da família no mesmo caixão e pregam a tampa. Pete, Polese e seus homens vão embora carregando os dois chefões no mesmo caixão (jogado em seguida numa vala em chamas), enquanto Donna Mimma berra o tempo todo e dispara um sem número de imprecações e de ameaças de vingança. Donna Mimma é Irene, em sua única cena, que vai da dramaticidade contida da viúva até o ultraje supremo pela profanação do cadáver de seu marido, culminando com expressões de ódio e vingança. Por que ela aceitou fazer uma única cena em um filme tão medíocre, só Deus e ela própria poderão responder.

O desperdício de um talento superior

Lucretia Love e Celi
Quando chega a hora de dividir o dinheiro, entretanto, Polese resolve ficar com tudo. Expulsa Pete de sua casa e o ameaça de morte caso ele tente alguma coisa. E é lógico que ele faz exatamente isso: sequestra Pearl, a namorada de Polese, e propõe trocá-la pelo dinheiro. Eles se dão muito bem durante o cativeiro. Na hora da troca Pete é pego pelos capangas de Polese, tem a sola de seu pé cortada e é jogado em um processador de carvão. Pearl se apieda e providencia um enterro digno para ele, e é quando ela descobre que ele não morreu e continua caído no mesmo local. Ela lhe dá um dinheiro e volta para Polese. Pete vai, então, até a casa de Polese, que reuniu todos os seus capangas para avisar que quer se aposentar. Dará, entretanto, uma compensação financeira a cada um deles. Mostra uma árvore de natal que tem maços de notas, como enfeites. Pete fuzila todos, menos Pearl.

Lucretia Love: ótima
Mas há uma última reviravolta: enquanto está colocando o dinheiro em uma bolsa, Polese tem um último suspiro de vida e lhe dá várias navalhadas, algumas fatais. Morre em seguida. Pete sai pela chuva carregando o saco de dinheiro mas cai, por conta dos ferimentos. Pearl pega o dinheiro e vai embora.

Além de ser um filme de segunda, ele tem provavelmente a pior dublagem de todos os tempos. Foi lançado em março de 1973 na Itália e teve um lançamento praticamente nulo nos Estados Unidos, no ano seguinte. Imagina-se que tenha sido feito dentro do hype de filmes de máfia iniciado com The Brotherhood, e que alcançou seu ápice com The Godfather, lançado meses antes (que aliás inclui Richard Conte em seu elenco, no papel de Barzini) mas está a anos-luz da obra-prima de Coppola. Deveria ir para a vala comum dos filmes ruins, mas permanece vivo pela presença linda e luminosa de Papas, Celi e até mesmo da ótima Lucretia Love, que infelizmente não vingou no cinema.
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Bibliografia

Agradecimento especial à Larissa Margano e Tom Anderson
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Ver também:

Ειρήνη Παπά, Eiríni Papás, Irene Papas — 1/5



Ειρήνη Παπά, Eiríni Papás, Irene Papas — 3/5

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