segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Geraldo, a Hidra e o Poste


Hidra de Lerna

Não sei nem por onde começar... não vou sequer tentar analisar o resultado das urnas porque negar o fato de que Bolso surge como a maior liderança política brasileira dos últimos anos seria burrice. Sua votação foi excepcional e é estarrecedora sua influência na vitória de candidatos ao senado, à câmara e às assembléias pelo Brasil inteiro. Seus filhos no Rio e em SP, Janaína e outros não estão apenas eleitos, mas alguns estão eleitos com as maiores votações da história. É um fenômeno. Arrisco apenas alguns comentários pontuais:

1 - Esta eleição está marcada por erros de estratégia, teimosia e o elemento "poste". Há poucos meses ninguém duvidava que Geraldo seria eleito, não só pelo acordo com o centrão, mas pela rejeição a Bolsonaro e a candidatura surrealista de Lula. Começa o erro brutal: em um momento em que a vida das pessoas se encontra dentro do tablet e do smartphone, Geraldo e sua campanha relegaram a internet a segundo plano, confiaram cegamente no horário eleitoral e, o que é pior, fizeram um programa nos moldes tradicionais, num estilo que se tornou obsoleto desde o impeachment. Para coroar esse festival de equívocos, Geraldo ainda pegou Bolso para Cristo, fustigando uma liderança e uma militância que se mostram tão impermeáveis à verdade e ao bom senso quando a do PT. Com isso, irritou o voto conservador que ainda decidia entre ele e Bolso como alternativas ao lulopetismo e acabou provocando o efeito contrário; entre uma candidatura moderada que abriu concessões políticas indesejáveis mas toleráveis, dentro de um contexto maior, esse indeciso preferiu uma candidatura que não faz concessões a nada e a ninguém, para o bem ou para o mal.

Paradoxalmente, Geraldo se mostrou apático e repetitivo nos debates. Se mostrou como é, de fato, porque conforme já ressaltei anteriormente, ele não é uma pessoa reativa ou sangüínea; é um político sereno e metódico e jamais protagonizaria um barraco com quem quer que fosse. Com o atentado a Bolso e a definição do poste como cabeça de chapa do PT, Geraldo teria que assumir uma atitude mais agressiva, se não em termos de temperamento, pelo menos em termos de seu posicionamento no combate à corrupção. Ou desapareceria em meio a tantos fatos novos. O conservador indeciso não sabe o que é "centrão" e não acompanha política regional, então não fazia nem questão que Geraldo jogasse Aécio e Richa na fogueira, ou que aparecesse carregando metralhadoras, mas certamente queria ouvi-lo jurar apoio incondicional à Lava-Jato e condenar com veemência a participação de um preso condenado, dando as cartas nesta eleição. Foi o que fez Álvaro Dias. Só que o conservador indeciso não conhece Álvaro Dias; ele estava entre Geraldo, pela experiência, e, lá longe, Amoêdo, por ser novo na política. Quando o primeiro se cercou do centrão, além de se mostrar insípido e cheio de rodeios e ademanes na hora de exaltar Moro e a Lava-Jato, e o segundo se mostrou muito inteligente mas, no fim das contas, um Bolso-light com 425 milhões no banco, a direita indecisa parou de procurar alternativas e resolveu votar no próprio Bolso.

Geraldo também não conseguiu ganhar a esquerda indecisa, e ao contrário do que se imagina, parte dela pendia em sua direção. Seja pelo fato de que nem todo esquerdista acha que Lula não sabia de nada, seja porque o poste é medíocre e foi um péssimo prefeito, seja porque Ciro é propenso a explosões e tem a seu lado figuras horrorosas como Kátia Abreu e Carlos Luppi, seja porque Marina não convence ou porque Boulos é o mais deplorável exemplo de petista no armário, havia uma esquerda equilibrada e pragmática que não descartava a possibilidade de votar em Geraldo, que sempre se manteve ao largo de radicalizações. Isso terminou quando veio o acordo com o centrão, e foi ratificado nos debates, quando, em caso concreto, Ciro se mostrou mais ágil e mais convincente. Eu esperava ansioso a troca de idéias dos dois por serem ambos os melhores e mais experientes, entre todos, mas o resultado decepcionou. Ciro despejava números e planos, muito loquaz, muito empolgado e empolgando quem ouvia; Geraldo repetia o mesmo discurso. Há um plano de governo, Geraldo estudou-o e limitava-se a repeti-lo. Seu discurso é encadernado. Só que o eleitor de hoje é raso e imediatista. Não quer saber de explicações longas e quadradas. Quer frases de efeito. Quer algo impactante. Haja vista os keynotes da Apple, em que os executivos que criam os programas e as inovações são os mesmos que se apresentam para uma platéia de acionistas e desenvolvedores e tem que explicar essas novidades - não importa o quão complexas - num tom divertido e atraente. O mesmo se aplica à política. Ciro deu um baile nos debates. Geraldo sumiu.

Vale dizer que Ciro só não está no segundo turno porque até pouco tempo ainda tentava seduzir os lulopetistas. Em entrevista a um programa de TV maranhense, em julho, afirmou, sobre Lula, que ele "só tem chance de sair da cadeia se a gente assumir o poder e organizar a carga. Botar juiz para voltar para a caixinha dele, botar o Ministério Público para voltar para a caixinha dele e restaurar a autoridade do poder político". Indecisos de centro e de direita o riscaram sumariamente de suas listas naquele momento. Dias depois, estomagado, declarou, referindo-se ao poste e à rainha louca: "Eles querem criar uma comoção no país para quando o Lula for declarado inelegível, eles apontam um novo poste. A pergunta é: o Brasil aguenta outro poste? Ou parte da grave situação que estamos vivendo devemos à escolha de um poste pelo Lula?" Perdeu ali os votos de petistas arrependidos em cima do muro.

Lula e Ciro
No fim, a direita indecisa votou em Bolso e a esquerda indecisa votou útil em Ciro. Marina e Boulos foram "cristianizados" em favor de Ciro; Geraldo e Álvaro foram "cristianizados" em favor de Bolso; o poste teve uma votação baixa, se compararmos com números do PT em outras eleições presidenciais, mas suficiente para levá-lo raspando ao segundo turno; Amoêdo e Daciolo surpreenderam, embora com votações inexpressivas e só Meirelles teve integrais os minguados votos que porventura amealhou com sua campanha rica e inútil. Um resultado dramático. Porque Marina e Boulos são genéricos do PT, assim como Álvaro e Amoêdo são variações de Geraldo. E enquanto lulopetistas seguiam caninamente a orientação do chefe e votavam em um poste, Geraldo foi abandonado pelo partido e pelos eleitores. Cristianizou-se uma das maiores figuras políticas de São Paulo nos últimos quinze anos. Lula, por exemplo, jamais conseguiu vencer uma única eleição no primeiro turno nas CINCO vezes em que disputou a presidência. Geraldo venceu as duas últimas eleições para governador com folga, no primeiro turno. E hoje, Bolso teve quase DEZ vezes mais votos do que ele. Uma derrota amarga e, creio eu, injusta.

2 - Este é um momento de reflexão para todos, mas sobretudo para os lulopetistas. A exemplo de seu chefe e guru espiritual, eles não sabem de nada, não conhecem nenhum escândalo de corrupção e não se conformam com o impeachment. Pior do que isso: debitam todos os problemas do Brasil a FHC e aos dois anos de Temer, absolvem o PT de toda e qualquer acusação e costumam perguntar o que foi que mudou, politicamente, desde o impeachment. Eu respondo o que foi que mudou: a paciência do povo acabou. ISSO mudou. Enquanto o PSDB batia carteiras e fazia conchavos pela governabilidade, o povo agüentava quieto porque a moeda foi estabilizada, a inflação foi controlada e a vida do brasileiro melhorou (embora tanto o PT quanto Bolso - antípodas siameses - tenham votado contra o Plano Real).

Quando Lula entrou e começou seus programas assistencialistas, o povo achou engraçado e embarcou na festa. Durante o mensalão fizeram vista grossa e reelegeram Lula. O Brasil estava no piloto automático da estabilidade de FHC, e o povo estava contente. Só que quando chegou a conta, o governo já estava inteiramente aparelhado, quarenta ministérios, dezenas de estatais para abrigar apaniguados, lavagem de dinheiro disfarçada de "obras em países irmãos", centenas de milhares de cargos comissionados inúteis, ganhando fortunas; o governo começou a pedalar, iniciou o desmantelamento da Petrobrás e os valores da corrupção começaram a orçar pelos bilhões. Da estabilidade de FHC o país mergulhou em um abismo de inflação, PIB negativo e 14 milhões de desempregados. O povo não achou mais graça. A festa acabou, Moro surgiu e a rainha louca foi defenestrada, com toda a razão. Mas não sem antes receber um perdão sórdido e malévolo de Livrandowski no Congresso, mantendo seus direitos políticos.

Antigamente, quando um político era pego com a boca na botija, ele ficava quieto e desaparecia do radar político para cumprir sua pena e ser esquecido pelo povo. Ou pelo menos ter sua culpa esquecida pelo povo. Depois tentava voltar, com ou sem sucesso. O PT aproveitou a burrice de sua militância e a costumeira complacência do STF para testar uma nova modalidade de canalhice: cometer o crime, ser pego, inicialmente prometer investigação e mais à frente simplesmente negar tudo, dizer que não sabia de nada, jogar a culpa no governo anterior ou na justiça, declarar-se "preso político" e se candidatar o quanto antes, para conseguir o foro privilegiado. É quando a justiça de Sérgio Moro começa a não ser suficiente para uma imensa parte do povo. É aquela parte do povo que vê a corrupção acontecer impunemente. Que vê petistas e psolistas protegendo Cesare Battisti. Que vê petistas e psolistas criticando ditaduras mas incensando Fidel, Chavez e agora, Maduro. Que vê petistas defendendo os direitos dos bandidos mas nunca dos policiais. Que vê Lula afagar Maluf, Sarney e Renan. Que vê o MST invadindo fazendas e destruindo colheitas. Que os vê invadindo prédios e cobrando aluguel. Que não tem o que comer mas vê artistas milionários fazendo campanha contra o impeachment. Que vê Gilmar Mendes colocar Abdelmassih em liberdade. Que vê a rainha louca nomear o ex-advogado de José Dirceu para uma cadeira no STF. Que vê gente suja e ladra dando as cartas no senado.

É o momento em que aquela opção nunca nem sequer cogitada, por ser radical demais, começa a fazer sentido. É o momento em que surge Bolso.

O que foi que mudou? A rainha louca foi derrotada em sua acintosa disputa por uma cadeira no senado. Os lulopetistas consideravam sua vitória favas contadas. Se iludiram da mesma forma que se iludiram com os movimentos do "não vai ter golpe" e do "elenão". Como em grupo e nas redes sociais são muito barulhentos, temos a impressão de que são muitos. Não são. O poste, por exemplo, teve 29% de votos nesta eleição. Menos do que os 33% de Aécio em 2014. A rainha louca teve 46% no primeiro turno de 2010 e 41% no primeiro turno de 2014. E hoje recebeu um catártico "não" da brava população mineira.

Rainha Louca e Crazy
O mesmo ocorreu Brasil afora com gente desclassificada e oportunista como Lindbergh, Graziotin, Requião, Pimentel, Jucá, o clã Sarney e tantos outros. Aécio e Crazy Hoffman nem tentaram o senado por se saberem derrotados. Satisfizeram-se com uma cadeira, escondida entre as 513 da Câmara Federal. De cambulhada liquidou-se até a candidatura de Suplicy, considerado a flor do pântano petista. O impeachment abriu essa porteira. E quando o povo viu essa tentativa psicótica de Lula se manter na mídia e de devolver o poder ao PT, não importando a que custo ou a que quantidade de vergonha alheia, Bolso ganhou corpo e tentáculos. Mitologia grega pura. Para enfrentar o mal causado pelos corruptos Zeus mandou Sérgio Moro. Quando os corruptos decidiram enfrentá-lo e continuaram com seus mal-feitos, Zeus se irritou com essa insolência e desta vez resolveu mandar um monstro: Bolso. E assim como a Hidra de Lerna, a cada cabeça cortada, nascem duas. A cada paulada, ele fica maior. Com ele vem uma militância muito pior do que a do PT. Muito mais barulhenta, menos lida, mais radical e mais obstinada. Uma militância que foi temperada e escaldada pela incapacidade dos lulopetistas admitirem um erro. Uma militância que - ao contrário do PSDB - não quer mais diálogo com Lula e PT.

E, ao que parece, entre os corruptos que vão presos mas o STF põe em liberdade, e a Hidra, desta vez Hércules ficará ao lado da Hidra. Porque o PT é tão dissimulado, tão mentiroso e sua corrupção foi tão cínica e deslavada, que o povo perdeu a noção do certo e do errado e já não sabe mais se prefere os corruptos ou a Hidra. Se prefere a camarilha que elogia e sustenta ditaduras de esquerda e há anos usa da política para roubar, beneficiar os seus e impedir a justiça de puni-los, ou o radical despreparado, destemperado, homofóbico, que elogia um torturador, mas, até onde se sabe, é honesto.

Sim, lulopetista. A culpa do surgimento e do crescimento desmesurado de Bolso é única e exclusivamente SUA.

Por enquanto é só.

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