segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Entrevista com ALVIN L - Parte 2


Alvin: "Então começou tudo a ser rápido, aí um assina um contrato, o outro tá tocando,
aí um estoura e eu pensei “bom, é agora, começou a ferver”.
RAPAZES DE VIDA FÁCIL

B – Por que acabou o Vândalos?
A – Acabou por causa disso: esse cantor que entrou, que era uma pessoa até talentosa, ele compunha também, compunha boas canções, e tal, mas o estilo dele era um estilo que eu não estava a fim, e ele começou a empurrar as músicas dele, eu falava “olha, eu não gosto, não é a proposta”, não sei o quê, e foi, foi, foi, até que rachou a banda no meio, e fui eu e o baterista pra um lado, o cantor e o guitarrista bacana no outro. Eu tentei formar outra banda, mas aí não conseguia, aí eu tava na faculdade, já, e começa a complicar...
B – Faculdade do quê?
A – Eu fiz arquitetura. Entrei com 17 anos.
B – Faculdade de arquitetura aqui no Rio?
A – Aqui no Rio, a UFRJ.
B – Certo. E aí já começa outra banda?
A – Não, eu tava tentando outra banda. Não sei exatamente porque eu não consegui, mas eu acho que foi por causa disso. Mas também é uma época da vida, cara, quando você entra na faculdade, que você começa a experimentar com um monte de coisa, você começa a ir a festas sozinho, voltar às 5 da manhã, então você está muito ocupado. Muito ocupado com aquela coisa toda, às vezes, pra pensar seriamente numa carreira; eu não pensava nisso, eu não pensava nem em ser arquiteto, mas eu sabia, no fundo, que eu queria trabalhar com música. Lá no fundo eu sabia disso. E papo vai, papo vem, assim, eu encontro o guitarrista dos Vândalos um dia e falo assim “pô, o que que você tá fazendo?”, “é, a banda acabou, o cara”, não sei o quê, “ah, vamos fazer um trabalho, Rapazes de Vida Fácil”, sei lá, tem até o nome.
R – E foi você que escolheu, também?
A – Fui eu que escolhi. Isso era um episódio do Batman, que tinha um bar chamado “Vida Fácil”, que era do pingüim, sei lá. E o Batman ficava, pro Robin, “cuidado com esses rapazes do Vida Fácil” (risos), achei que DE vida fácil era mais legal. Eu sempre fui do mal (risos).
B – Nada mais punk do que um episódio do Batman e Robin.
A – É verdade.
B – Aí começou o Rapazes...
A – Aí começou o Rapazes e aí eu fui cantar. No Rapazes eu só cantava e tocava um pouco de guitarra.
B – O baixo você abandonou?
A – Abandonei o baixo; eu acho que eu queria cantar. Eu achei assim: “Eu faço as músicas; se eu cantar elas também ninguém vai ficar querendo empurrar aí, a coisa, a banda vai ter o meu foco, né? Não era tão maniqueísta assim, mas provavelmente era assim que eu tava pensando. E eu achava que cantava (ri). Era o líder da banda, cantava, tinha o baterista, guitarrista, e faltava um baixista quando me aparece o ex-cantor dos Vândalos que tava tomando aula de baixo (risos)... rapaz, virou quase um Vândalos com as cadeiras trocadas. Mas aí a gente dividiu, “vamos fazer o seguinte: vão algumas das tuas músicas, algumas das minhas”, já era uma proposta mais New Wave, já não era tão Punk. Assim, eu gostaria de ter continuado um pouco Punk, não queria abandonar completamente, uma coisa ainda Punk, já mais pós-Punk, mas o Ronaldo, guitarrista, resolveu que ele não ia mais usar distorção. O que causou uma briga, e não sei quê, enfim...
B – Mas o que é que você tava ouvindo, nessa época?
A – Punk e pós-Punk. Isso, vamos dizer, em 79, 80.
B – Mas tipo eletrônico, vocês adicionaram um teclado?
A – Não, New Wave de guitarra, The Jam... pós-Punk New Wave.

The Jam

B – Ah, tá, assim, tipo finzinho da década de 70 e início da década de 80, antes de virar bubble-gum, antes de virar Devo...
A – É naquela virada, antes de estourar. E a gente levou a banda durante um tempo, meio sem saber o que ia acontecer... eu fazia, era impossível você pensar em rock’n’roll no Brasil, na época. Não existia. Era impossível você dizer “uma banda de rock um dia vai dar certo no Brasil”. Outra vez sincronicidade: tinha várias outras pessoas trabalhando, formando bandas, cada uma sem saber do outro, e com esse pensamento: “Não sei por que é que eu estou fazendo isso, mas eu tenho que fazer isso”, sabe.
B – Nada na música brasileira te influenciava?
A – Não tinha! Final da década de 70 e início dos 80...
B – Raul.
A – Já tava numa outra fase... eu gostava, tenho disco, tudo. Rita Lee, até Made in Brazil. (risos) Não tinha rock no Brasil. A gente gostava do que tinha. Mas voltando ao Rapazes, minha mãe tinha uma loja de discos em Copacabana, e um dos fregueses da loja era... Serguei [o carioca Sérgio Augusto Bustamante].
R – Aiii, pansexual! (risos)
A – O pansexual Serguei (risos), que é uma das pessoas mais hilárias...
B – Ele é o maior porra-louca do Brasil.
A – O maior porra-louca do Brasil e há muito tempo! (risos)
R – Ele é engraçadíssimo.
A – Bom, o Serguei tá nesta, freqüenta a loja, e minha mãe falava “ai, imagina, o Serguei freqüenta a loja”, eu nem lembrava do Serguei, “cara, é aquele maluco que cantava gritando”...
B - ...que namorou a Janis Joplin...
A – Ele ficou amigo dela. Parece que a única pessoa que realmente namorou a Janis Joplin foi o Paulinho da Viola. Me contaram isso outro dia, aqui, que o único que namorou a Janis Joplin foi o Paulinho da Viola, que fala inglês.
R – É um come-quietinho, hein?
A – Que é um come-quieto. Eu nunca pesquisei isso, me falaram. Um dia desses, se eu me encontrar com ele vou perguntar (risos). O Serguei conheceu essa galera, o Jim Morrison, o Hendrix, é maluco, uma maluca, encontrou outro maluco, pulou em cima dele. Mas o Serguei freqüentava a loja, e papo vai, papo vem, minha irmã falou: “Meu irmão tem uma banda”. Serguei: “Ah, eu estou procurando uma banda”. Pôs a gente em contato. O maluco viu um bando de pós-punk, se apaixonou pela banda, falou “eu quero contratar vocês como minha banda de apoio”. Ele tava voltando pro Brasil, ele passou anos nos Estados Unidos, falou “quero gravar disco, quero fazer turnê, já tenho shows vendidos”, não sei quê, uma maluquice...
B – Você tocou com o Serguei (risos)...
R – Meu, é muito legal, isso...
B – É tudo!

A – O meu primeiro emprego. A minha carteira de músico, aquela coisa que todo mundo tem que ter, eu tirei pra tocar com o Serguei. E lá fui eu, ensaiamos com os nossos parcos instrumentos, com o Serguei pulando pra cá, o Serguei pulando pra lá (risos)...
R – Ele e aqueles passinhos de balé dele...
A – Ele é hiper-ativo! Ele é hiper-ativo em último grau, ele não pára um segundo, ensaiar com ele era uma tortura. Mas todo mundo assim, “Pô, cara, é o Serguei...”.
B – Como é que era a música dele?
A – Não, eram covers. Até “Tropicália” do Caetano Veloso a gente cantava. Ele era muito sixties, era uma coisa que a gente nem gostava muito, mas enfim, ele era fenomenal porque ele era muito cativante! Sabe aquela pessoa que chega num lugar e todo mundo se sente vivo, na hora? E ele tava clean, naquela época. Fomos fazer a tal turnê com o Serguei. Primeira parada: Vitória, Espírito Santo, fomos de ônibus, no hotel, “oh, estou me sentindo pop star”...
B – Tudo pago.
A – Tudo pago. Pelo menos a gente achava, mas vai ter um porém (gargalhadas)... Pô, tava todo mundo crente, até o dia em que eu vi o Serguei de bob na peruca (gargalhadas)... uma visão que eu não recomendo a ninguém (gargalhadas). Bom, o primeiro show; ia ser uma turnê pequena, era Vitória, duas cidades do interior de Minas que eu não me lembro, Belo Horizonte, depois mais uma cidade no interior de São Paulo, e voltava pro Rio. Era uma coisinha tipo uma semana e pouco. Primeiro show, vai fazer o show com abertura de um cantor de seresta, depois grande show com Serguei, né? (risos) Tinha dez pessoas num clube gigantesco, dez pagantes! Esse show foi um horror, quer dizer, todo mundo tocando, a primeira experiência que eu tava tendo, assim, fora da cidade, não sei quê... enfim, voltamos pro hotel, o show foi um fiasco e o cara que tinha contratado o show fugiu, largou todo mundo no hotel, olha... (risos) A turnê acabou ali mesmo! (gargalhadas) Era pra ter desistido, né?
B – E a conta?
A – Sei lá, acho que o Serguei pagou... e essa história com o Serguei deve ter durado uns quatro, cinco meses, e tal, e aí começou a aparecer coisas, tipo, “você tem show de rock ali”, “você tem show de rock acolá”, sabe, “tem um bar que abriu que tem show ao vivo”, aí ia lá e tocava pra meia dúzia de bêbados, mas pelo menos os bêbados tavam animadaços, ouvindo aquilo, porque tavam a fim de rock’n’roll e não tinha, sabe? Aí você conhece uma outra banda, geralmente eram bandas ainda muito setentonas e a gente era meio diferente daquilo... e eu freqüentava o posto 9 e você conhece um cara que é o guitarrista, “ah, eu tenho uma banda chamada Kid Abelha”, “ah, eu sou de Goiás, meu nome é Léo... Jaime, tô chegando no Rio”, e aí começa uma rede de conexões e você vê um monte de gente meio que trabalhando na mesma onda. Aí abriu um bar num outro lugar que tem show ao vivo, e as pessoas começam a se conhecer...

B – O Circo.
A – Aí apareceu o Circo Voador, aí daqui a pouco... foi tudo meio assim...
R – É aí que tem a história da rádio?
A – Rádio Fluminense.
R – A Fluminense que lançou todo mundo.
A – Não só lançou todo mundo, como amplificou o rock’n’roll, que apareceu, enquanto cultura, aqui no Rio. Aí aparece a Blitz, e daqui a pouco a Blitz estoura, e daqui a pouco tá todo mundo falando “o que que é isso?”, não sei quê, é rock’n’roll, aí tem show de Blitz, tem show de Kid Abelha, porque até então a gente não sabia o que é que acontecia nos outros lugares. O povo do Rio é que tava se conectando primeiro, era onde eu estava. Então você conhecia todo mundo. Conheci o Léo nessa época, conheci o Bruno Fortunato, que é um dos meus amigos de rock’n’roll mais antigos, Cazuza, Frejat morava aqui no Flamengo, ele é daqui do Flamengo, também, e ele era primo de uma amigaça minha da faculdade, então conheci ele antes do Barão Vermelho. Então começou tudo a ser rápido, aí um assina um contrato, o outro tá tocando, aí um estoura e eu pensei “bom, é agora, começou a ferver”. Aí aparece uma banda de São Paulo, vindo tocar aqui, aí aparece uma de Brasília, e a gente pensa “não é só aqui!”. Era uma loucura. Era uma coisa que começou a acontecer tudo muito rápido! Eu tinha um amigo que morava nos Estados Unidos que a gente trocava cartas; eu me lembro, assim, isso em 1985, chegou uma carta dele falando: “E aí, quem estourou esta semana?” Porque era todo dia, eu escrevia “sabe aquela banda? Estourou!”, “Sabe aquela não sei quê? Estourou!”, o cara queria voltar pro Brasil correndo.

Kid Abelha
 e os Abóboras Selvagens

B – E você, nisso?
A – Eu tinha o Rapazes de Vida Fácil, e a gente vendo aquilo tudo acontecendo, e tocando ao vivo, saía notinha no jornal, começaram a prestar atenção na gente, e tal, “é agora! Abriu! Milagre!” Mas nós acabamos sendo a primeira leva do Rio, a gente era uma banda da primeira leva do Rio, a última a assinar um contrato. Que foi quando exatamente mudou daquela fase Blitz, que ainda era meio bubble gum, como você falou... tudo era muito... primeiro disco dos Paralamas, que você ouve, é guitarra lá embaixo, um coral lá em cima, assim, a pessoas ainda tinham medo de guitarra, de rock... as bandas de Brasília é que fizeram todo mundo perder o medo disso. Porque até as de São Paulo, você vai escutar o primeiro disco do Ira, a guitarra é um timbrezinho não ofensivo...
R – Ultraje, então...
A – Ultraje... (canta a introdução de “Inútil”)
B – Ultraje, “Eu me amo” é uma peça quase...
A – O primeiro disco dos Titãs é skazinho [ritmo jamaicano inspirado nas big bands americanas, e que deu origem ao reggae] de leve, as pessoas tinham medo. E, bom, e foi indo, foi indo, foi indo, a gente realmente demorou um tempo pra assinar, porque a gente não tinha empresário, cara, eu não sabia que você precisava de um empresário. Pra tudo. Se você não vai numa gravadora e falar “tá aqui a minha fita”, neguinho não vai olhar na tua cara. Eu não sabia disso, era ingênuo. E todas essas bandas, por exemplo, o Kid Abelha fazia shows sem empresário, até o dia em que aparece um cara e fala “vocês têm empresário?”, “Não”. E com a gente não aconteceu isso. Eu achava que era assim: você manda pelo correio uma fita pra gravadora X, e no dia seguinte ela vai te ligar e dizer “você é o máximo! (risos) Queremos te contratar!” Eu juro que eu achava que era isso! (risos) Muito ingênuo, muito ingênuo. E chegou, finalmente, um dia, um cara achou a gente num bar e falou: “Eu vi um show de vocês, maravilhoso, outro dia fiquei procurando o empresário de vocês pra conversar, não achei. Não era você?”, não foi nem comigo, era o baixista que era o Nelson Meirelles. O cantor que virou baixista já tinha saído, nessa época. E o cara falou: “Eu tava atrás de vocês, me dá uma demo, gostei do show de vocês”, pra Polygram, na época... aí uma semana depois o cara ligou: “Estamos interessados, vamos marcar estúdio, vamos gravar, contrato, compacto”, não sei quê, quando eu vi eu tava no estúdio, não sabia de nada, o disco acabou ficando ruim por causa da mixagem; ele foi bem gravado, mas mixaram muito eco... aí chegou em rádio, eles até tentaram trabalhar, mas as rádios falavam “não soa bem”. E o compacto acabou não vendendo, não sei quê, a banda começou a... é um business muito cruel, você precisa ter uma casca grossa. E com a idade que eu tinha, e com a ingenuidade que eu tinha, eu não suportei aquilo. É horrível, sabe assim, um dia todo mundo é o teu melhor amigo na gravadora, e no dia seguinte, quando alguém decidiu que... “ah, eles não valem muito a pena”... ninguém atende mais o teu telefone e você já fica sem noção. Hoje eu sei que é assim. Não vou mais me enganar que o presidente de uma gravadora vai me abraçar toda vez que eu passar na frente dele; vai me abraçar enquanto eu estiver dando lucro pra ele. Mas na época eu não sabia, e fiquei naquilo, “puta, o que aconteceu?”, não sei quê, e aí as bandas de Brasília começando a chegar, e a bandinha que eu tinha, indo por água abaixo.

BRASIL PALACE

A – Bom, aí acabou essa banda, eu tava um pouco decepcionado com tudo, aí chegaram as bandas de Brasília, a coisa começou a ficar mais barra pesada, e era o que eu tava fazendo cinco anos antes, sabe, o que as bandas de Brasília começaram a fazer, os Titãs começaram a fazer, eu falei “porra, bad timing, né?”, eu estava no lugar certo, mas na hora errada. Aí eu pensei, “vou estudar música, vou terminar a faculdade”, eu tinha trocado de faculdade, já nessa época, eu tava em Comunicação Visual.

Titãs

B – Você abandonou arquitetura...
A – Cara, é uma história mais ou menos... eu vou ser muito sucinto, você não precisa saber dos detalhes (risos). A velha história do seu grande primeiro amor. Vivemos um grande amor, só que foi uma doença, cara, de cabeça, assim, que chegou uma hora que eu falei: “Eu não agüento, eu vou embora”. Você sabe quando você está PODRE de paixão? E fala “eu vou embora, eu vou trocar de escola pra não ver tua cara nunca mais!” (risos)
B – Vou mudar de planeta.
A – Vou mudar de planeta! Na verdade só mudei alguns andares, porque a faculdade de Comunicação Visual era no mesmo prédio da URFJ, mas era distância suficiente (risos).
B – O Rapazes acabou logo depois do compacto?
A – Depois de um ano. O compacto foi lançado, vamos dizer, em março de 84, e o rapazes acabou em março de 85. Aí fui estudar música, pra começar, e eu continuei fazendo faculdade, numa de terminar. Estudei música com o Pepê Castro Neves, tive algumas aulas com ele, depois fui fazer musicalização com mais alguém que não me lembro quem foi... uma escola de música, nada muito luxuoso, não. Não chegava a ser um conservatório... pelo menos não parecia... (ri). Um ano, talvez... pra aprender os rudimentos de música, mesmo. Em 86, mais ou menos, eu montei o Brasil Palace. Cheguei num ponto em que achei que deveria, finalmente, fazer minha incursão numa música de raízes brasileiras, mesmo. Foi um desastre (risos). A idéia era usar a música brasileira e botar distorção na música brasileira. Bossa Nova distorcida. Só que naquela época era o auge do RPM. Outra vez eu estava no lugar certo na hora errada. Porque esse tipo de experimento que eu estava querendo fazer, por exemplo, anos depois o Chico Science estava fazendo. Não igual, mas uma coisa que tinha a mesma linha do que eu estava fazendo.

Pepê Castro Neves

B – É, porque o Chico Science nada mais fez do que pegar a música do Jorge Mautner, que era uma coisa da Tropicália e colocar aquele peso, aquele...
A – Então, e batuques, coisas assim... o Brasil Palace tinha umas idéias assim. Só que aconteceu no auge do RPM. A gente tentou, tentou, ficou um ano, um ano e pouquinho... fazendo show, gravando demo, ninguém se interessava; todo mundo ouvia aquilo no auge do RPM, pensando “que merda é essa”? Eu cheguei a fazer um show em São Paulo, no Aeroanta, que eu fui vaiado! Foi a única vez na minha vida que eu fui vaiado! Fazendo o show, as pessoas esperando um rock meio anos 80, o que estava em voga na época, e veio aquilo... eu me lembro que foi no meio de uma música do ZéKetti que eu tava cantando... (canta) “Tristeza, por favor vá embora...” [“Tristeza”, de Haroldo Lobo e Niltinho, na verdade], e com arranjo distorcido de guitarra, (imita o som da guitarra) “Ióóó... Iééé”... (risos), e eu cantando aquilo, e daqui a pouco eu escuto o “uuuuuuu”... (ri) aí eu falei “olha, desculpe, muito obrigado pra quem gostou, tchau, valeu...”. E depois dessa coisa, nós estamos lá no camarim, amargurados, incompreendidos, quando do nada me aparece o Fê [Lemos], do Capital Inicial, e diz “cara, eu gostei muito das letras. Eu achei tuas letras ótimas”. Mal sabia eu que estava nesse elogio o início da minha parceria com o Capital.
B – Quem eram os integrantes do Brasil Palace?
A – Cara, era Marcos Massena na guitarra, o Fernando Hargüiss no baixo e o Ary Motta na bateria. Nenhum deles é músico, ainda. Pessoas que eu conheci naquela época. O Marcos Massena, inclusive, é co-autor de “Casa e Jardim”, que a Marina gravou [creditado no cd “Abrigo” como Vinícius Massena]. Aliás, tanto “Casa e Jardim” quanto “Stromboli” eram músicas do repertório do Brasil Palace, pra você sentir como a coisa era diferente, pra época. Mas não aconteceu. Muita gente se interessou porque eu tinha um certo nomezinho na indústria, as pessoas achavam que eu tinha talento, e tal, então todo mundo se interessou em ouvir, mas ninguém entendeu, ninguém achou que aquilo fosse vingar... a gente chegou a gravar uma demo com o Liminha, que eu conheci mais ou menos naquela época, pra você ver como a coisa poderia ter dado certo. A gente foi pro estúdio “Nas Nuvens”, com o Liminha, gravar uma demo pra Warner. Ele ouviu falar da banda, achou interessante, ele me achava interessante, gravou a demo mas ninguém gostou. E aí não rolou, enfim, um ano, um ano e pouquinho a gente investiu naquilo, sem nenhum retorno. Aí a gente desistiu, né?

ROTEIRISTA DE VIDEO-CLIP

"Eu não tinha noção do valor do que eu fazia.
Você só começa a ter noção real do que você
faz quando começam a te pagar por aquilo".
A – Aí eu estava meio que no fim da faculdade, terminei a faculdade em 88, que eu estava levando a faculdade bem devagar, e eu me lembro que quando acabou a faculdade eu não estava fazendo nada, eu não estava mais estudando, eu comecei a pensar “o que é que eu vou fazer agora”. Eu até pensei em começar uma carreira solo, cheguei até a gravar uma demo como se fosse solo, né... e é onde entra “Eu não sei dançar”. Mas eu me lembro que o Jodelle [Larcher, diretor da Globo] me encontrou um dia e falou “o que você está fazendo?”, eu falei “nada, acabei a faculdade, estou sem banda, não sei o que eu vou fazer”, aí ele falou assim: “Você não quer trabalhar comigo?”, e me chamou pra fazer roteiro de video-clip para o Fantástico. Você lembra que o Fantástico tinha todo domingo, um ou dois clipes? O Jodelle comandava o núcleo de produção desses videos. O Jodelle e mais alguém. E ele sabia que eu era criativo, e eu tinha acabo de me formar em Comunicação Visual, então eu tinha tudo, eu era criativo e tinha acabado de me formar numa coisa que me recomendava na profissão. E fui trabalhar com o Jodelle. Fiquei uns seis, sete meses trabalhando com ele. E a gente trabalhava assim, tinha começado a MTV lá nos Estados Unidos, mas não tinha aqui, e a Globo não tinha muito a linguagem do video-clip, então tinha fitas com duas horas de MTV que o Jodelle botava todos que trabalhavam lá vendo horas de video-clip, pra ter a linguagem da coisa... quer dizer, você tem os templates, o padrão, aí você tem que aprender o padrão, então eu ficava vendo horas de MTV.
B – Era tua lição de casa.
A – Pra aprender, pra absorver a linguagem da coisa. Daquela época eu lembro de uma história engraçada: o Titãs ia fazer o clip de “Flores”, aí eu sabia que ia rolar mas o roteiro não ia ser meu. E tinha um clip da Sinead O’Connor que ficava passando um monte de flores na tela, aí eu falei pro Jodelle, “olha isso, isso pode ser interessante pros Titãs, né, esse padrão, essa idéia, né?”. E aí falei com ele isso e depois, quando eu fui saber, estava rolando uma briga porque o clip ganhou um prêmio (ri), e neguinho tava brigando por quem tinha tido a idéia, e eu pensei com os meus botões: “A idéia não foi de ninguém! A idéia de COPIAR é que foi minha!!” (gargalhadas) E todo mundo discutindo como se tivesse sido, assim, uma sacação do outro mundo...

O QUINTO CAPITAL

A – Bom, eu tava lá com o Jodelle, trabalhando, ganhando uma grana, fazendo alguma coisa, um dia toca o telefone: “E aí??”, Dinho, “e aí, pô, cara, a gente tá fazendo um disco novo”, eles vinham de um disco que foi um fracasso, um disco horroroso, que era o “Você não precisa entender”, não sei se você já ouviu, é muito ruim o disco, nem eles gostam... e aí ele me falou assim: “Nós vamos fazer um disco novo, a gente quer tentar parcerias, vê coisas, sei lá o quê, o Fê me falou que viu um show seu”, e tal, e a gente era amigo e ele não sabia...

Capital Inicial

R – O show do Aeroanta.
A – O show do Aeroanta. “Manda suas músicas, vamos ouvir”. Isso foi mais ou menos por 89. E eu tinha uma música do Brasil Palace que era muito boa, que era minha e do Renato [Russo], chamada “Belos e Malditos”. Pensei “essa música é muito boa”, e como eles gravavam muita coisa do Renato, falei “vou mandar essa”.
B – A música que lançou o Capital era do Renato.
A – Exatamente, “Música Urbana”.
B – O Fê era da banda do Renato Russo, o Aborto Elétrico.
A – É, e tem aquela história...
B – Tem aquela briga...
A – O Fê era do Aborto Elétrico. Ele e o Flávio [Lemos]. E o Dinho, depois ele me confessou isso, que o grande ídolo dele, quem ele queria ser, era o Renato. E enquanto ele perseguiu isso, correu atrás do Renato ele era um pop star meio de segundo escalão. Ele só virou o “Dinho” agora, nos anos 2000, quando ele foi ele mesmo, desencanou, sabe, e eu faço parte disso, porque a gente fechou uma parceria... e outra coisa: ele tem a voz, eu tenho a letra, let’s make lots of money.
M – Você é o quinto elemento.
A – É, de certa forma sou.
B – Aí ele te liga...
A – Bom, ele me ligou, pediu música, eu mandei “Belos e Malditos” e mandei umas letras soltas que eu tinha. Aí depois ele me ligou, falou “Ah, adorei Belos e Malditos”, não sei o quê, “as outras letras eu não gostei”. Eu acho que eu mandei umas coisas meio muito em cima... achando que eles iam querer uma coisa meio Renato Russo, eu pensei “as mais Renato Russo que eu tenho são essas e não eram muito boas”. Você fica meio sem saber, naquela época eu não tinha esse lance de compositor, não era, eu fazia porque fazia.

Renato Russo

B – É que você não tinha ainda, digamos, a tua identidade de compositor.
A – Não, cara, eu vou te contar uma história: a primeira pessoa que quis gravar uma música minha foi o Paralamas do Sucesso, no primeiro disco deles. Tinha uma música dos Rapazes de Vida Fácil chamada “Falso Verão”. O Herbert me ligou um dia, falou assim “eu queria gravar. A gente tá gravando um LP, queria gravar ‘Falso Verão’”. Aí eu falei “ah, é? Não sei... deixa eu falar com o meu empresário”. Já tinha um empresário nessa época que era um maluco (risos)... e o empresário fala “imagina??!! Ele vai roubar a música de você, a música vai ser um grande sucesso no LP dos Rapazes de Vida Fácil”... que não tinha nem imprensa, não tinha nada (risos)... falei pro Herbert “I’m sorry... mas o empresário falou”, não sei quê, o Herbert falou “ah, é? Tá!”, e desligou o telefone na minha cara (risos). Os Paralamas foram um grande sucesso, e os Rapazes de Vida Fácil afundaram, a música até hoje está enterrada. Eu podia ter começado uma carreira de compositor já em 83, 84. E não fui porque fui mal-assessorado. E quando o Capital veio, isso me voltou à cabeça. Pensei “O Capital é uma banda grande... tudo bem, eles estão um pouquinho meio que sambando, mas é uma banda que vende discos, é uma banda grande, é uma banda que lota shows, e tal, claro”...
R – E tem a ver, né?
A – E tem a ver. O Dinho foi progressivo. Eu conheci ele, em seguida fomos ficando progressivamente muito amigos. Nessa época a gente já era muito amigos, mas éramos amigos, assim, de fumar um, quá, quá, quá, música não entrava, nós ouvíamos rock no volume dois, mas não de pensar em fazer coisa junto, nunca tinha passado pela cabeça. Por causa disso, o Dinho é muito desligado, ele não reparava... eu também não me mostrava, porque eu não achava... eu não tinha noção do valor do que eu fazia. Você só começa a ter noção real do que você faz quando começam a te pagar por aquilo. Você fala “Opa, se tem alguém pagando...”.

Herbert Vianna

B – Quando te requisitam... porque requisitado você já era. Agora, a partir dali, a coisa...
A – Eu podia ter me tocado disso nessa época: “Se o Herbert Vianna tá querendo gravar uma música minha é porque, porra, péra aí, eu não sou um qualquer”. Mas eu não pensava nisso, eu fazia porque eu fazia. Eu não pensava, assim, que outras pessoas poderiam gravar minhas músicas. Não passava nem de longe pela minha cabeça. A única vez que aconteceu foi essa e eu fui mal-assessorado, e eu fazia por fazer. Eu não pensava nisso. Eu não pensava em mim como compositor; pra mim eu era um pop star (risos).
B – Uma estrela feita.
A – Uma estrela feita, ninguém tinha me descoberto ainda (risos). E as músicas eu fazia porque tinha que fazer música. Bom, aí eu mandei “Belos e Malditos” e umas letras. Aí ele me ligou dizendo que tinha gostado de “Belos e Malditos” e não tinha gostado das letras. Falei “ah, então ótimo. Você quer ela pra você?”, ele falou “quero”. Uma semana depois me liga o Dinho e me diz “fizemos Belos e Malditos!”, eu digo “fizemos como??”, “ah, porque a gente perdeu a fita aí pegamos só a letra e fizemos a música!” (risos) Nessa história eu já tava assim: “Quer saber? WHATEVER!! (risos) Be happy!” Liguei pro Renato, falei “aconteceu isso”, o Renato “ah, você vai ganhar dinheiro, ótimo”, foi super gente-fina... e eles estavam brigados nessa época. Eles tinham brigado, não estavam se falando e o Renato foi super gente-fina, falou “Não me importo, pode dar a música, você vai ganhar dinheiro, vai ser ótimo pra você”. Gente-finíssima da parte dele.
R – Mas a melodia não tem nada a ver?
A – Não, é outra melodia (risos). A letra é a mesma, mas a melodia...
B – Agora, cá entre nós: qual que é a melhor? (risos)
A – Cara, a essa altura do campeonato eu não me lembro mais como era...
B – Whatever.
A – Ficou aquela, a versão do Capital é a versão que eu me lembro.
R – O Renato tá aqui, agora, falando “é a minha, porra!” (risos)
B – Ele tá pairando aqui, “claro que lembra, porra! Fala aí que a minha era melhor!” (risos)
A – Bom, aí o Dinho me ligou: “Cara, a gente precisa de mais coisa, a gente não tá conseguindo fazer letra”, não sei quê... eu falei “tá, mas a gente mora em cidades diferentes, como é que faz?”, ele falou “ah, manda umas coisas”, não sei quê, aí mandei umas coisas, ele gostou de uma... mas eles mexiam muito nas coisas que eu mandava. Eu mandei uma letra, era tudo assim, ele falou “gostei dessa parte, a outra eu não gostei”, fazia uma parte nova, mexiam muito. Uma certa vez ele me ligou e falou assim: “Vem pra cá! Tá rolando alguma coisa com você, vem pra cá”. Aí eu fui.

R – Agora, quando mexem na letra você fica meio puto?
A – Nessa época eu não tava, eu tava whatever, assim... “não tô fazendo nada, vou ganhar uma grana, mexam e foda-se!” Teve música naquele disco “Todos os Lados” que o Flávio Lemos mudou uma palavra e ganhou um terço da música. Mas naquela época, cara, eu não tava me importando com isso. Eu me importava, assim, porque teve coisas que ficavam ruins, que podiam ter ficado boas e estavam melhores no original.
B – É isso que eu ia falar: o orgulho criativo, o orgulho de criador...
A – Nessa parte eu tive que engolir.
B – No começo você aceitou, falou “beleza”.
A – Sim, mas eu também tava entrando numa história que já tava rolando, eu não sabia exatamente o que é que ia rolar, sabe, fui e vamos ver o que é que vai dar.
B – Era o teu breakthrough.
A – Meu breakthrough. E aí o disco até que foi melhor do que o anterior, teve críticas melhores, e falaram de mim porque eu já tinha um nomezinho por causa do Rapazes de Vida Fácil... eu sempre fui bem de imprensa (ri). Eles sempre gostaram de mim. Inclusive o estouro, quando a Marina cantou uma música minha, repercutiu também porque de repente é aquele cara que tá batalhando um tempão, e tal, e que eles já gostavam então eles já dão um destaque extra. Por isso que apareceu... eu não podia sair na rua, porque eu perdia... mas vamos chegar lá. O disco saiu, fizemos um monte de música juntos. Você olha as músicas, todas as músicas são de dez pessoas (risos). Tô exagerando, mas é assim, “não sei quem, não sei quem, não sei quem e não sei quem”, e às vezes eu fiz a letra quase toda e alguém mudou duas frases, mudou a melodia... o disco é artisticamente meio ‘Frankenstein’. Mas é um disco que os fãs do Capital amam! É o segundo colocado na lista de quase todos. É impressionante. E o disco foi um sucesso razoável, o Capital já tava numa crise descendente, estavam em crise com eles mesmos, já não se aturavam, saía empresário, entrava empresário...

Dinho Ouro Preto

B – O Dinho é estrelão? É meio ego?
A – Não, ele é super gente-fina, mas eles estavam se batendo. Banda é que nem casamento: você tem que ver aquela pessoa o dia inteiro, todo dia, chega uma que se você não combina muito bem... eles já estavam mal, não sei quê, tinha que renovar contrato com a gravadora, aí a gravadora queria renovar com um contrato pior, não sei quê, blá, blá, blá, enfim... mas o disco rolou, teve uns hits, eu comecei a ganhar dinheiro, falei “opa... tem alguma coisa aí”, pois é, foi a primeira vez que músicas minhas tocaram no rádio, falei “bom, ótimo! Maravilha! Tá andando alguma coisa, né?” Aí foi, tal, aí teve o segundo disco que eu fiz com o Capital, o “Eletricidade”, que já era uma gravadora nova e foi a mesma coisa, “manda a música, manda a letra”. Nessa já começou a ter, assim, letras inteiras que são só minhas, eles já começaram a não interferir tanto, porque eles já... tem uma ou outra que neguinho ainda meteu o bedelho, mas a maioria... eu acho um disco melhor, em termos de composição por causa disso, porque é mais puro, né? Aí eu comecei a pensar em mim como compositor. Falei “eu ganho dinheiro com isso, se estão me pagando é porque deve ser bom. Eu tô vendo o resultado disso, as músicas estão tocando no rádio, as pessoas cantam... sabe, de repente é isso!” Aí eu comecei a, meio assim, sabe aquela coisa que Nietsche diz, “só é bom se é fácil”? Tá sendo fácil, tá sendo bom, deixa rolar, sabe? Aí comecei a me ver, realmente, de repente, como homem da composição, um homem de canção. Nessa época.

EU NÃO SEI DANÇAR

A – Aí foi quando... eu tinha feito “Eu não sei dançar”. Uma música que o Dinho chegou a ouvir e não achou nada demais, porque ele não gosta de balada, que nem eu, também não gosto de balada. “Eu não sei dançar” foi uma música que eu comecei a fazer num carnaval, provavelmente em 89... eu tava andando muito com Lorena [Calábria, jornalista] e com o Dé, do Barão Vermelho, muito. E nesse carnaval a gente tava meio junto e eu tava fazendo “Eu não sei dançar”. E eu vou te contar uma coisa, pra você ver como a coisa é cármica, né? Eu tava fazendo “Eu não sei dançar”, comecei a fazer uma balada, porque eu tava ouvindo Pet Shop Boys, por incrível que pareça, na época. Aquele disco que tem umas barras, que são canções que você pode tocar no piano, muito triste, só que todas numa batida disco, e era uma coisa meio revolucionária, na época, era um modo de ver você compor e arranjar. Você toca no violão, é uma balada. E eu comecei a fazer uma balada, eu tava pensando numa carreira solo nessa época, lembra? Isso foi um pouquinho antes do Capital chamar. Aí pensei, “vou fazer umas músicas, carreira solo, geralmente balada”, e tal e comecei a fazer. E eu tava fazendo “Eu não sei dançar” e uma certa hora eu falei “Puta, balada... puta, que horror, deve estar uma merda isso, eu não gosto de balada”, não sei quê... e eu tava falando com o meu empresário, que era o mesmo, ainda, que foi meu empresário até o primeiro disco do Sex Beatles. Um grande amigo... mas enfim (ri), nada dava certo com ele, um inferno... e eu falando com ele um dia, falei assim “puta, cara, comecei a fazer uma balada, mas não sei se eu vou terminar, eu não sou muito de balada”, e ele virou pra mim, e falou assim “não! Acaba, faz! Se ficar ruim, ficou, faz a música”. E o mesmo que falou “não deixa gravar a música” fez com que eu terminasse o que foi, assim, o ponto de partida para o resto da minha vida. Uma lei cármica: ele fez uma merda e depois fez o bem (risos). Foi um grande conselho, cara, e ela foi feita durante um carnaval que eu andando muito com a Lorena e o Dé.

Lorena Calábria

E, assim, não sei se tem a ver, mas é tudo mentira: eu não estava apaixonado, tudo mentira (risos). É literatura, aquilo. Tudo literatura. E eu fiz os versos e achei que faltava um refrão; e aí eu me lembro que eu... eu gosto muito de... que eu fico muito criativo quando eu tô entediado. Quando não está acontecendo nada, aí eu começo a ter idéia, minhoca na cabeça. Eu me lembro que eu fazia muita música, letra de música, terminava muita letra de música em ônibus, então você vai pro Leblon, daqui pro Leblon, você vai pensando, escrevendo... aí eu falei assim “quer saber? Tá faltando um refrão pra música, eu vou pegar um ônibus, vou circular”, porque aqui tem muito ônibus que vai de um ponto, vai a zona sul inteira e volta pro mesmo ponto. Peguei o ônibus, pensando naquilo, pensando naquilo, pensando naquilo, pensando naquilo... e uns dias antes eu tinha estado numa festa que começou a tocar uma música lenta e neguinho: “Vamos dançar! Vamos dançar!”, e eu sou péssimo em dançar juntinho. Péssimo, piso no pé, fico fora do ritmo... aí eu fiquei pensando naquilo e me veio isso, assim, é uma boa metáfora para você dizer pra uma pessoa que não pode ficar com ela, porque não combina, não vai dar certo, não sei quê, “eu não sei dançar tão devagar pra te acompanhar”. Que tem uma coisa real, mas aí vira uma outra, não sei quê, enfim, esse foi o processo da coisa. E eu tenho muita impressão de que aquela sétima, (canta) “Eu não sei dançar...”, fez a música. Quando chega ali todo mundo chora. Aquela sétima fez a música. E a música ficou uns três anos, o Dinho chegou a ouvir, pro “Eletricidade”, mas não quis “porque é balada”, e tal...
B – Agora, “e tudo que eu posso te dar é solidão com vista pro mar”?
A – Pra mim parece anúncio de prédio em frente pro mar (gargalhadas). Não sei o que as pessoas vêem nisso!
B – As pessoas amam isso de paixão...
A – Não sei porquê.
B – É bonito demais...
A – Aquilo saiu, não tenho nenhum carinho... tenho um carinho especial porque todo mundo ama, mas não é...
R – Meu, não acredito, não fala assim...
B – Eu não posso colocar isso no fórum! (risos) [o fórum do UOL dedicado à Marina Lima, onde eu originalmente planejava colocar esta entrevista, o que não aconteceu]

"E tudo que eu posso te dar é solidão com vista pro
mar” pra mim parece anúncio de prédio
 de frente pro mar".
A – Tô acabando com a música (gargalhadas)...
B – Você vai estourar a bolha de todos os fãs!
A – (fala bem perto do microfone) É TUDO MENTIRA! (gargalhadas) Mas você sabe que hoje em dia, ouvindo a música, eu acho uma grande canção mesmo... eu juro pra você, tem muitas músicas minhas que eu fico assim, “de onde eu tirei isso?” Eu não sei de onde saiu aquilo, cara. Veio! Me veio, deve ter sido algum... eu nunca reparei que aquilo podia ser nada, eu gostava da música, acho que o resultado final ficou razoável, mas eu não tinha nenhum carinho especial pela música. Eu me lembro que eu gravei a demo, a tal demo do solo que eu teria tentado mandar pra uma gravadora, ela era a quinta música! Era a última. Não era destaque nenhum. Eu gravei uma demo, foi um cara que fez o arranjo, o cara até, eu me lembro que a parte é... (canta) “E tudo que eu posso te dar é solidão com vista pro mar, outra coisa pra lembrar”, e eu queria deixar um espaço enorme ali, o arranjador que fez a coisa juntou com “se você quiser eu posso tentar”, e falou “funciona melhor se você partir dessa parte direto pra essa”, que eu queria um instrumental... coisa de arranjador, né? E aí fez a demo, colou aquilo, ficou bem profissionalzinho, tal, nenhuma gravadora quis (risos)... acho que nem ouviram...
B – E o Dinho também não gostou...
A – Não, o Dinho ouviu, gostou, mas não gostava do estilo. O Dinho tava muito confuso nessa época, ele tava querendo sair banda, a banda já tava se odiando, se você for ouvir o “Todos os lados”, o tema do disco é a desintegração. É tudo o fim do mundo, separação ruim, sadomasperuoquismo, é tortura, o tema do disco é esse. E o “Eletricidade” era até um pouquinho mais assim, mas tem várias coisas pesadas, ali, de... dance, animal, dance, uma coisa agressiva, meio... que era o clima deles, então ele ouviu aquilo, eu acho que... passou batido.

MARINA LIMA

A – E a música ficou lá, e quando aconteceu a coisa com o Capital eu assinei contrato com a Warner Chapell, que é minha editora até hoje. E eles trabalham as tuas músicas e eles sempre estão querendo músicas novas pra mandar pra todo mundo, né? Não sei quem vai gravar um disco, manda uma fita com dez músicas de dez autores, e não sei quê. E um belo dia, eu tô na casa desse meu empresário e tinha uma menina, Andreinha Alves, que trabalhava com a Marina nessa época. E ela tava falando “ah, eu tô com a Marina gravando um disco, o disco tá ficando tão lindo, você não imagina como tá ficando lindo o disco”... eu falei que gostava da Marina, mas os dois últimos discos dela não tinham me...
M – “Virgem” e “Próxima Parada”.

A – É, no “Virgem” eu gostava de algumas coisas, mas quando começava com “bundinha de fora” [1 noite e meia], ali, eu meio... eu não gosto daquilo, já falei pra ela, que aquilo não merecia... ela fala “pô, fiz aquilo porque era o momento de passar pra um próximo nível”, e deu certo. Povo ama, foi um mega-sucesso, ela virou uma mega-estrela ali... ali era virou uma lenda.
R – Foi por causa dessa música que ela participou do Hollywood Rock.
A – É, pois é. E eu já não gostava daquilo, falei “putz, já tá meio apelando”... mas enfim, eu gostava dela como artista, confiava nela como artista. E a Andreinha me falou que ela tava gravando esse disco, que tava lindo e não sei quê, blá, blá, blá... “ah, mas ainda nem fecharam repertório, ela tá gravando o que tem”... cara, sabe quando acende uma lampadinha na sua cabeça? “Aquela música... pode ser boa pra Marina, né?”... aí eu falei “pois é, eu tenho uma música que talvez sirva pra ela”, ela falou “ah, manda, quem sabe? Eu dou uma força lá pra ela escutar”, porque chegava muita coisa pra Marina, e ela não escutava tanto, né? Aí eu liguei pra editora no dia seguinte, falei “cara, soube que a Marina tá gravando um disco”, eles tavam com uma cópia do disco, lá, que eles gostaram, achavam a música sensacional, já tinham mandado pra uma outra cantora que tava fazendo uma demo, chamada Cássia não sei quê, que acabou sendo a primeira a gravar a música em demo; não chegou a lançar disco, e era uma versão bem diferente. Produzida pelo Márcio Miranda, até. Tudo se encadeia, você vai ver porquê. Aí, o cara da editora falou “claro! Eu acho que pode rolar, sabia? A música é boa, acho que é a cara dela, realmente não tá fechado o repertório... vou mandar hoje. Vou até levar pessoalmente, porque tenho que ir lá na EMI”. Cara, isso foi, vamos dizer, numa terça-feira. Na quarta-feira eu chego em casa e tem um recado na secretária eletrônica dizendo (imita, impagável) “Alvin, aqui é Marina (gargalhadas). Recebi sua música, adorei sua música, vamos tentar gravá-la, eu acho que vai ficar legal, espero que você goste”, mas toda meio assim ainda pedindo permissão... eu respondi muito formal, mas querendo dizer “querida, pelo amor de Deus!” (risos)
B – “É tua”!
A – “Please! O que é que você quer que eu faça? Que eu lamba o chão pra você passar?” (risos) Pânico, pânico, pânico.

B – Eu preciso te perguntar o seguinte: você já conhecia a Marina naquela época?
A – Eu conhecia, assim, de ver, assim, “oi”. Eu sabia quem era ela, eu já tinha falado “oi” pra ela algumas vezes, mas ela provavelmente não sabia quem eu era.
B – Fã da música dela?
A – Do começo, sim. O “Certos Acordes” eu achava um disco sensacional. Sabe aquele disco que você ouve até furar? “Certos Acordes”, o “Fullgas” era muito legal. Olha, o “Certos Acordes” foi um disco dela que furou, foi quando eu me apaixonei por ela, de uma certa forma, como artista. Foi um momento da minha vida que eu...
B – Músicas daquele disco que você lembra. Você lembra de alguma que...
A – (canta) “Eu sou uma gata (risos) e não gosto de água fria”...
B – Ah, você também?
A – Eu amava a, amo até hoje, eu insisti com ela pra gravar o... ai... qual é a música desse disco que está no Acústico?
M – “Charme do Mundo”.
A – “Charme do Mundo”. Eu que insisti pra ela gravar essa música. Eu amo essa música.
R – Obrigada.
B – Obrigado.

A – Ela não queria! Até o último momento, ela não queria fazer nem “Criança”, nem essa. Então uma das duas ia sair, acabou saindo “Criança”. O que foi um erro, porque tava linda. Mas o encadeamento de tudo é isso: se eu não estivesse na editora, provavelmente eu não teria tido a idéia de mandar a... e eu fui parar na editora por causa do Capital, e depois a Marina me contou o seguinte: que ela já tinha ouvido a música com a tal da Cássia não sei quê cantando, que o Márcio Miranda já tinha mostrado pra ela, que ela tinha gostado muito da música mas tinha achado estranho o arranjo, porque era bem diferente... mas ela, assim, “é interessante a letra dessa música”, não sei quê, blá, blá, blá... mas ao mesmo tempo a mulher tava gravando, ela não... e quando o autor mandou ela sentiu que tinha a liberdade pra... e ela gostou muito mais da minha versão cantando. Foi quando ela se apaixonou pela minha voz, que ela ama não sei porquê (risos). Ela falou “nossa, você canta, nossa, que voz linda você tem”... ela falou “vou gravar, se você não se importar”. Agora ela não sabe, talvez, dessa história inteira. Pra ela, de repente, fui eu que mandei a fita. Aí ela gravou a música e não foi, assim, a primeira música de trabalho foi “Acontecimentos”, que é uma música liiiinda... e eu falei “putz”, eu ouvi o disco, é o melhor disco dela DE LONGE, como álbum! Assim, ele funciona, ele vai do começo ao fim assim... é a obra-prima dela, pra mim, a coroa da carreira dela é esse disco, e a música, assim, era a décima do lado B. Quer dizer, não vai ser a música de trabalho. Mas tudo bem, enfim, eu tava lá. Whatever. E quando saíram as críticas, TODAS as críticas falaram que a música era maravilhosa, não sei quê, e começaram a abrir quadrinho pra mim, porque todas me conheciam, de repente eu tava na ativa e fazendo músicas legais...
B – Letra e música tua.
A – Letra e música minha. E começou a acontecer tudo assim, pá-pá-pá, cara, o telefone começou a tocar, “oi , aqui é não sei quem, você não tem uma música pra mim, não?” (risos), mas era o dia inteiro, todo dia, cara, eu comecei a mandar o que eu tinha, né? Comecei a sair em jornal, ia nas festinhas, era celebridade, eu fiquei famoso da noite pro dia! Tinha gente querendo dar pra mim, sabe (risos)... tudo! Tudo, tudo! E a Marina começou a dar entrevista dizendo que a música era uma obra-prima, que eu era uma gênio, e a gente começou a ficar amiguinho, assim tipo, eu era muito tímido, assim, eu não... até hoje, na nossa relação, ela me chama. Eu não... a não ser quando é uma coisa que eu tenho que falar, eu ligo pra ela, mas eu não fico ligando pra ela, “hããããã”, nada disso. E a gente começou a se ver, e tal, cara, eu fiquei famoso; assim, durante 15 minutos eu fui o rei da cocada preta (risos).
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Parte 1

Parte 3
Parte 4 - Final

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