domingo, 17 de outubro de 2010

Dora, Neruda, Vidal, Damone e Montand


Como se vê na foto ao lado, dizer que minha mãe era “bonita” naquela época – início dos anos 60 – é o que na língua inglesa se chamaria de um gross understatement. Ela era uma estrela de cinema de botar no chinelo beldades italianas como Gina Lollobrigida, francesas como Capucine e encarar em pé de igualdade a também italiana Claudia Cardinale ou a americana Natalie Wood. É natural, portanto, que com tanta beleza ela tenha se acostumado desde a adolescência a lidar com todo o tipo de assédio, desde o elogio inocente, passando pelo galanteio, até as cantadas mais óbvias. Mas havia um diferencial qualitativo; o fato de ter aprendido cinco línguas antes de atingir os 20 anos, trabalhar no escritório internacional da Lan Chile, ser aeromoça da BOAC (British Overseas Airways Corporation) e finalizar seu curso superior na Inglaterra deram-lhe a oportunidade de conhecer o mundo, depurar sua cultura e freqüentar rodas artísticas e intelectuais que transformam o assédio em uma experiência divertida e memorável. Mesmo porque, minha mãe teve a formação mais repressora que existe (meu saudoso avô tinha dois filhos e uma filha, e a liberdade total que dava aos homens era proporcional ao rigor praticamente nazista com que procurava proteger a filha única da influência perniciosa dos homens), então todas as cantadas que recebia caíam no vazio de sua simpatia e nunca em algo, digamos, permissivo. Isso até aparecer o meu pai, mas essa história contarei outro dia.

Capucine, Gina Lollobrigida, Claudia Cardinale
e Natalie Wood
Em vida, Pablo Neruda alcançou o status de semi-deus para o povo chileno. Suas poesias eram e ainda são tão conhecidas entre os chilenos quanto o são as peças de Shakespeare entre os ingleses. Minha mãe desde a infância tivera Neruda e Gabriela Mistral como ídolos absolutos, e em uma de suas férias acadêmicas e profissionais, ela voltou a seu país para visitar a família. Ficou sabendo, por intermédio de duas amigas, que o poeta maior estava dando um tempo em suas pregações políticas pelo mundo e faria uma conferência sobre literatura na Universidade do Chile. Sem perder tempo, pediu às amigas que lhe reservassem um lugar e dias depois, estava no público de um dos auditórios da universidade vendo o semi-deus falar (com a voz monocórdia e chata que sabia ter, e razão pela qual odiava gravar em disco suas próprias poesias, pedido feito constantemente), dando detalhes acerca de poesia, suas inspirações, seu processo criativo, suas influências, suas paixões, a fixação quase patológica nas mulheres (característica que compartilhava com nosso Vinícius), e demais assuntos literários que a platéia absorvia embevecida e maravilhada por estar na presença de um poeta tão extraordinário.

Pablo Neruda
No fim da conferência, Neruda gentilmente desceu até o público e cumprimentou os presentes, que o festejaram sem se atrever a tietagens maiores, dada a solenidade do momento. Quando passou por minha mãe, tomou-lhe a mão, beijou-a, pausou por um instante e disse: “Esta é a menina do 19”. Alguns professores riram, satisfeitos. Chocada, estatelada, beirando a catatonia por ver a divindade falando com ela descontraidamente, minha mãe só conseguiu murmurar, com os lábios tremelicosos, “muito obrigada, poeta”. Neruda, divertindo-se com o momento, ainda disparou: “Você vai se lembrar que é a menina do 19?”, ao que ela, tendo tempo para respirar e oxigenar o cérebro, respondeu: “Claro que vou lembrar, poeta. Eu nasci no dia 19, então vou lembrar sempre”. Neruda seguiu andando e cumprimentando quem estivesse pela frente. Dora de fato nasceu no dia 19 de setembro, mas só depois de voltar a si e olhar a expressão de êxtase das duas amigas a seu lado é que conseguiu conectar os pontos e compreender que o poeta acabara de afirmar que ela era a mulher do "Poema 19", contido no livro Veinte poemas de amor y una canción desesperada, lançado em 1924, e que qualquer chileno sabe de cór:

Poema 19

Niña morena y ágil, el sol que hace las frutas,
el que cuaja los trigos, el que tuerce las algas,
hizo tu cuerpo alegre, tus luminosos ojos
y tu boca que tiene la sonrisa del agua.

Un sol negro y ansioso se te arrolla en las hebras
de la negra melena, cuando estiras los brazos.
Tú juegas con el sol como con un estero
y él te deja en los ojos dos oscuros remansos.

Niña morena y ágil, nada hacia ti me acerca.Todo de ti me aleja, como del mediodía.Eres la delirante juventud de la abeja,la embriaguez de la ola, la fuerza de la espiga.
Mi corazón sombrío te busca, sin embargo,y amo tu cuerpo alegre, tu voz suelta y delgada.Mariposa morena dulce y definitivacomo el trigal y el sol, la amapola y el agua.

Casada, anos depois, minha mãe caiu no erro de contar a meu pai o episódio. O diálogo que se seguiu não foi nada poético:

— Hum. Esse Neruda é um velho tarado — respondeu meu pai.
— Não! — minha mãe ainda tentou inutilmente argumentar. — É um elogio, ele é um poeta, dedicou grande parte da obra dele às mulheres, é natural que faça elogios assim.
— Hum. É um tarado. Você tem que tomar muito cuidado com esse tipo de gente – replicou meu pai, nada comovido.

Para o bem do casamento, esta foi a última vez que ela contou a meu pai sobre elogios pretéritos, especialmente quando vinham de galanteadores célebres.

Dora (a 2ª, da dir. para a esq.) e suas colegas da BOAC no casamento de uma amiga.
À sua esquerda, Valerie, amiga de Dora até hoje

A rotina das aeromoças da BOAC quando estavam em Londres era das mais ecléticas, mas nos dias em que não tinham compromissos sociais ou profissionais, ficavam simplesmente hospedadas em uma mansão que costumava ser a residência de veraneio do Príncipe de Gales. Um belo dia chegou ao local um diretor da BBC e comunicou que a emissora pretendia fazer um programa sobre a variedade de etnias e países de origem das funcionárias da empresa aérea. Cerca de vinte e cinco garotas das mais diversas nacionalidades, entre indianas, japonesas, francesas, e minha mãe, se encaminharam à estação de TV, e lá receberam roupas para a gravação do programa, além de serem penteadas e maquiadas pela equipe de um famoso cabeleireiro: Vidal Sassoon.

Muito antes de vender seu nome para a Procter & Gamble no início dos anos 80 e se tornar marca best-seller de shampoos e secadores, o inglês Vidal Sassoon já era há quase trinta anos anos um dos mais festejados cabeleireiros do mundo. O programa da BBC foi gravado, as aeromoças foram entrevistadas sobre seus países, costumes e assim por diante. No fim, quando minha mãe preparava-se para sair, foi abordada por um sujeito. Era um assessor de Vidal Sassoon e pediu a ela que fosse até o salão do cabeleireiro dali a alguns dias. Minha mãe, como sempre inteiramente alheia à própria beleza, não entendeu a razão do convite. O sujeito explicou: “O senhor Vidal ficou muito impressionado com o seu cabelo e sua aparência exótica, e gostaria de conversar com a senhorita”. Não vendo nenhum mal em conversar com Sassoon em seu salão, ela aceitou e dias depois conheceu o jovem cabeleireiro, com seu corte de cabelo a la Spock e os olhos puxados, de fauno.

Vidal Sassoon
Sassoon era simpaticíssimo, educado, e elogiou torrencialmente a aeromoça: “Como você sabe, eu conheço cabelo e posso lhe dizer que seu cabelo é extraordinário”. Os cinco dias que Dora passara na África, pouco antes, também deram frutos naquele momento: “E não só isso. Sua pele está queimada, mas não como a das outras mulheres. Você está dourada”. Na conclusão dos elogios, um convite: “Quero fazer um ensaio fotográfico com você, aproveitando o lado exótico da sua beleza, essa curiosa mistura latina e mediterrânea que tanto me impressionou na primeira vez que a vi”. Pediu a ela que voltasse em dois ou três dias e trouxesse roupas com cores quentes, então no dia do ensaio ela foi com um vestido amarelo. O cabeleireiro aprovou e começou a preparar o penteado, com a destreza de um artista consumado. Acrescente-se que até então Sassoon ainda não se entregara totalmente aos cortes moderníssimos e de ângulos geométricos com que ficou conhecido mais tarde, notadamente o corte “joãozinho” de Mia Farrow em O Bebê de Rosemary. Neste caso limitou-se ao penteado, colocando todo o cabelo dela – cuja extensão na época ia quase à cintura – para trás, preso no topo e deixando cair um enorme rabo de cavalo. No rabo de cavalo o cabeleireiro fez uma verdadeira instalação artística de vanguarda, enrolando conchas de forma simétrica.

Terminado o ensaio fotográfico, o cabeleireiro se desmanchou em mais elogios, agradeceu e se despediu. No fim daquela semana ela retornou ainda uma vez ao salão e seu queixo caiu quando viu uma das fotos do ensaio transformada em pôster, cobrindo uma das paredes do salão de Sassoon.

Meus avós, pais de Dora, Gregório e Teresa
O cabeleireiro fizera uma montagem em que se via a aeromoça, com o seu vestido amarelo e o cabelo repassado em conchas, em meio a um deserto cheio de dunas e ao fundo, o céu azul. Exultante, em sua primeira volta ao Chile depois do ensaio ela contou aos pais, cheia de orgulho, que participara de um ensaio fotográfico para o famoso cabeleireiro. Meu avô, que já não era exatamente fã de ter a filha trabalhando e estudando no exterior, achou o fim da picada:

— Como pode me dar um desgosto desses? Você não é mulher para ficar tirando fotos por aí com pessoas de caráter duvidoso e intenções desconhecidas.

Mais uma vez ela, inutilmente, procurou explicar:

— Mas por quê? Ele colocou minha foto no salão do qual é dono. Eu sou modelo de um cabeleireiro famoso e reconhecido, não de uma loja de maiôs.

Meu avô, porém, embora fosse uma pessoa boníssima, não transigia em relação a isso:

— Veja o estado em que você deixou sua mãe. Ela não come, está arrasada, só chora o dia inteiro — disse ele, apontando para minha vó. O que ele não sabia é que minha vó achara aquilo tudo o máximo e parabenizara minha mãe efusivamente, minutos antes. Naquele momento, porém, achou melhor ficar quieta e não contradizer o marido, que prosseguiu com a vergasta — Nunca pensei que tal desgraça se abateria sobre mim. Considero isso uma tragédia sem precedentes para você e para a família toda. Se não parar com isso imediatamente você arrastará nosso bom nome para o lodo e provocará a ruína moral de todos nós.

Desnecessário dizer que a carreira de modelo de minha mãe se encerrou no primeiro ensaio com Vidal Sassoon. Pior: ficou tão traumatizada com o sermão de meu avô que não guardou uma única foto do ensaio como recordação.

Dora, com seu uniforme da BOAC
É corriqueiro, no dia-a-dia de uma aeromoça, trombar e roçar ombros com todo tipo de celebridade; atores, cantores, pintores, poetas e etc. Natural, da mesma forma, era que esses artistas se engraçassem com as aeromoças, não apenas infinitamente mais belas que as de hoje, mas também submetidas a crivo bem mais rigoroso, onde se julgavam quesitos atualmente esquecidos como a fluência em múltiplos idiomas, habilidade de comunicação e a eficiência absoluta nas tarefas de bordo. Pior ainda quando entre os passageiros estava um cantor famoso que tinha queda pública e notória por morenas com olhos grandes e expressivos. Foi o que aconteceu quando, num vôo de Londres para Nova York, Dora reparou que na primeira classe, todo pimpão e esbanjando charme, encontrava-se o norte-americano Vic Damone. O cantor ascendeu à fama mais ou menos na época de seu colega Tony Bennet e ambos representavam a geração de cantores ítalo-americanos seguinte à de Frank Sinatra. Também causou verdadeiro furor midiático seu casamento, em 1954, com a lindíssima atriz italiana Pier Angeli, união essa que terminou quatro anos e um filho depois.

Assim que o avião decolou, ela passou pelo corredor servindo água, café, champagne ou o que fosse, aos passageiros. Damone começou a olhá-la. Minutos depois ela atravessou a primeira classe novamente. O cantor fixou o olhar nela e sorriu. Sendo um passageiro, ela não teve outra alternativa senão retribuir o sorriso. Na terceira passada ele perguntou: “De onde você é?” Ela respondeu que era do Chile e seguiu andando. Cada vez que passava era uma nova pergunta. Note-se que o vôo de Londres a Nova York demorava dez horas, o que dava a ele todo o tempo do mundo para perguntar desde a nacionalidade até a marca de sabonete que minha mãe usava. Quando ela sumia ele olhava para os lados, procurando-a, e não sossegava até que ela aparecesse de novo, com a água, o café, o travesseiro ou o jornal. Em determinado momento chegou a ficar em pé para poderem conversar melhor. Damone não era bem o que se pode chamar de “bonito”, mas tinha a aura do grande artista e era perfeitamente agradável. Elogiou o sorriso da aeromoça, o inglês sem sotaque, os olhos, o cabelo, só faltou dizer que o uniforme dela era muito elegante.

Vic Damone
Ela, por sua vez, não querendo ferir as suscetibilidades do cantor, confessando que não dava a mínima para aquele monte de cantores italianos, e de quem gostava mesmo era Sammy Davis Jr., disse apenas que admirava o cantor, e que sua carreira (que ela pouco conhecia) era “fantástica”. Damone ficou arrebatado: “Bem, fantástica é gentileza sua”, e voltou a se sentar. Quando a viagem se aproximou do fim, Damone deixou as amenidades de lado e declarou, à queima-roupa: “Gostaria de vê-la novamente. Você vai ficar em Nova York?” Dora tremeu. Ele continuou: “Gostaria muito de sair com você. Você gosta das peças da Broadway?”, perguntou, em um tempo no qual esse tipo de cantada não era tão manjado. Mas ele perguntou para a pessoa errada. Qualquer mulher solteira ficaria feliz, ou no mínimo lisonjeada com o convite de um artista de primeira linha, como Damone. Dora, entretanto, com sua formação de freira e um pai repressor, entrou em pânico e ao invés de escolher qual peça assistiriam, escolheu a maneira que usaria para dispensar o cantor. Se o velho Gregório ficara horrorizado por ela ter tirado uma foto para o salão de Vidal Sassoon, era capaz de ter uma síncope se soubesse que a filha andava confraternizando com artistas.

Os olhos enormes e expressivos de
Pier Angeli e Dora
A solução encontrada foi a mais prosaica: mentir na cara dura. “Vou ficar em Nova York três dias, e não acho que...”, ao que Damone a interrompeu: “Três? Mas vocês não iam ficar cinco dias?” O interesse do sujeito era tal que ele não se furtara de sondar outra aeromoça sobre o tempo que elas ficariam em NY, provavelmente antevendo que Dora podia querer dispensá-lo com essa desculpa. Ela não teve outro remédio senão prosseguir com a mesma mentira: “Infelizmente, na minha agenda ficaremos apenas três dias, e não creio que haverá tempo suficiente para sairmos”. Damone se tocou e manteve a compostura. Não escondeu a decepção, entretanto. Na saída dos passageiros, foi até um dos pequenos vasos que ornamentavam a primeira classe e pegou uma flor, que então deu para a aeromoça. “Você não sabe o prazer que tive em conhecê-la... e não sabe a tristeza que me provocou por não querer sair comigo”, disse, cortante, enfatizando o “não querer”. Ela se desculpou como pôde, desejou sorte ao cantor e despediram-se. O bom Damone seguiu sua carreira de sucesso como cantor. Já como marido, ele deu demonstrações de que Dora se livrou de um problema: depois de Píer Angeli casou-se nada menos do que quatro vezes.

Damone vinha de pai italiano e mãe francesa e nasceu no Brooklin, NY, com o italianíssimo nome de Vito Rocco Farinola. A mistura, contudo, ao invés de transformá-lo num galã que juntasse o melhor do italiano com o melhor do francês, acabou num híbrido em que não se detectava claramente onde começava um e terminava o outro. O artista que realmente teve a sorte de reunir as qualidades franco-italianas era italiano de pai e mãe e chamava-se Ivo Livi. Deixou a Itália com apenas dois anos, graças à ascensão do regime fascista de Mussolini e teve toda a sua criação na França. Adulto, era um perfeito italiano na aparência mas emanava o charme e o carisma do francês, sobretudo quando, em meados dos anos 40, iniciou uma carreira de cantor e mudou seu nome para Yves Montand.

Yves Montand
A geração de minha mãe tinha adoração por todos esses chansonniers, talentosíssimos como Charles Aznavour e Gilbert Becaud, mas Yves Montand estava num patamar um pouco acima. Além de cantor e ator, fazia delirar platéias femininas com o charme pessoal que incutia à cada interpretação. Em uma de suas temporadas musicais em Londres, minha mãe e suas amigas foram vê-lo. Tiveram que comprar o ingresso com dois meses de antecedência, dado o sucesso de seu show, e conseguiram cadeiras na terceira fila. O show foi tudo que se esperava de Montand. Ao contrário de Aznavour, no qual o talento fazia com que as mulheres imaginassem uma beleza que absolutamente não existe no nanico e maravilhoso compositor, ou Becaud, muito charmoso mas sempre intensamente dramático em suas magníficas interpretações, Montand se oferecia em uma bandeja ao público. Cantava, dançava, fazia piadas, de vez em quando olhava fixamente para um ponto da platéia e cantava, criando em cada mulher a ilusão de que era para ela que ele estava cantando.

Gilbert Becaud e Charles Aznavour
No fim do show ele entrava com um punhado de rosas na mão – artifício que Roberto Carlos mais tarde incorporou a seu show – e jogava uma por uma, indistintamente, às mulheres que se reuniam no gargarejo. Dora e suas amigas, que amavam Montand mas mantinham sua tietagem num nível relativamente discreto, permaneceram na terceira fila, apenas aplaudindo. Eis que, depois de jogar as rosas, ele ficou com a última na mão e começou a descer as escadas do palco, dirigindo-se à platéia. Em meio à gritaria generalizada, Montand andou calmamente entre as mulheres e chegou à terceira fila. O sangue de Dora gelou. O chansonnier abriu caminho e quando chegou a ela, beijou a rosa e a entregou em sua mão. Se esperava alguma reação da moça, o artista se desapontou. Era uma emoção inaudita poder assistir Montand de tão perto, mas tê-lo ali, a meio-metro de distância, entregando-lhe uma rosa alcançava foros de ficção científica. Ela ficou inerte, com a rosa na mão, como uma estátua, olhando o artista, congelada como seu sangue, naquele momento. Montand deu meia-volta e retornou, sorrindo, para o palco. Ela nunca mais o viu. Pela fama de mulherengo crônico a que o cantor fazia jus com todas as honrarias, ele foi um dos artistas que meu pai conspicuamente cuidou – sem nem mesmo saber que o episódio londrino ocorrera – para que minha mãe esquecesse, nos anos seguintes.

Em sentido horário: Neruda, Vidal Sassoon,
Yves Montand e Vic Damone
Pablo Neruda tinha quase 60 anos quando ocorreu seu encontro com Dora na Universidade do Chile. Recebeu o prêmio Nobel de Literatura em 1971, tornando-se o segundo chileno a recebê-lo, depois de Gabriela Mistral, em 1945. Morreu em 1973, aos 69 anos, quatro dias depois do aniversário de Dora e 13 dias após a deposição de Salvador Allende. Vidal Sassoon está hoje com 82 anos, e é um oráculo para jovens cabeleireiros no mundo inteiro. Em 1982 fundou um centro para o estudo do anti-semitismo e em 2009 a coroa inglesa o agraciou com o título de CBE, Commander of the Order of the British Empire. Está atualmente casado com sua terceira mulher. Vic Damone está aposentado, também com 82 anos. Continua casado com sua quinta esposa, é amplamente reverenciado no mundo artístico e tem uma estrela na calçada da fama de Hollywood.

Yves Montand foi um grande conquistador por toda vida. Sua sofrida esposa Simone Signoret, morreu em 1985. Dois anos depois, Yves, com sessenta e seis anos, se casou com Carole Amiel, de vinte e sete. Tiveram um filho, o único de Yves. Ele morreu em 1991, aos setenta anos.


Quanto à Dora, o período que viveu em Londres não poderia ter sido mais rico em experiências de todos os tipos. Ela esteve em inúmeros shows com os maiores entertainers da época, viu no palco todos os grandes atores shakespearianos, assistiu ballets, conheceu dezenas de países, o Egito, Turquia, Índia, o Líbano, travou conhecimento com pessoas e culturas das mais variadas e díspares. Aquela foi uma época inocente, que precedeu a revolução sexual e a disseminação dos psicotrópicos, e havia elegância e charme, tanto nos elogios quanto no assédio mais evidente. Mas Dora sempre reagiu a isso com bom humor, viesse de artistas ou de anônimos. Foi trabalhando para a BOAC que ela conheceu meu pai, no Senegal. Se casaram em 1964.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...