quinta-feira, 21 de abril de 2016

Bibi Ferreira — JUBILEU DE DIAMANTE (2/4)

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AS ESTRÉIAS DE BIBI — 2/4

BIBI, CARMEN SANTOS E OS 80 ANOS
DE "CIDADE-MULHER"

Carmen Santos (A Scena Muda, 6/9/32)
A jovem filha do maior ator brasileiro, desse glorioso Procópio, (...) apresenta em "Cidade-Mulher", continuando desse modo as brilhantes qualidades de sua família de artistas, uma atuação de elástico e expressivo mérito artístico. (A Batalha, 19/7/36)

Carmen Santos — não há como fugir deste lugar-comum ao falar dela — foi certamente a figura feminina mais interessante do cinema brasileiro. Não exatamente pelos méritos, mas quase sempre pelas adversidades e pela falta de sorte, bem como pela pertinácia e pela perseverança. Por todas as oportunidades que lhe chegaram a um palmo da mão mas ela não conseguiu segurá-las; enfim, por tudo aquilo que ela poderia ter sido e não foi. Carmen nasceu Maria do Carmo Santos Gonçalves, em Portugal, em 1904 e chegou ao Brasil com oito anos. Em 1919 encantou o americano William H. Jansen, que andava por aqui tentando fazer cinema, e ganhou dele um papel no longa Urutáu. O filme foi projetado duas vezes, uma para os críticos do Rio e outra para os críticos de São Paulo. A reação foi extremamente positiva, mas os patrocinadores se desinteressaram do projeto e retiraram toda e qualquer subvenção de uma hora para a outra, o que levou Jansen e sua família literalmente à miséria. Não se sabe ao certo o que aconteceu com ele, mas comenta-se que voltou para os Estados Unidos. Quanto aos negativos de Urutáu, desapareceram. Carmen não esmoreceu com a estréia frustrada; o prazer de participar daquela experiência e a vontade de ser atriz de cinema a contaminaram para sempre.

Em "A Carne", 1924
Em 1924, relacionando-se com um industrial que lhe dava liberdade e condição financeira para levar adiante seus projetos, Carmen fundou a FAB, Film Artístico Brasileiro, e contratou o cineasta tcheco Leo Marten (nascido Leopold Vymlátil) para dirigi-la nos filmes que ela pretendia protagonizar. A primeira colaboração de ambos foi A Carne, adaptação arrojadíssima do romance de Júlio Ribeiro. Finalizado esse projeto passaram ao segundo no ano seguinte, sem maiores preocupações com a exibição pública deles. Desta vez foi uma adaptação do livro Mademoiselle Cinéma, de Benjamin Costallat. Quando esse trabalho estava prestes a ser finalizado, a desgraça se abateu sobre eles: um incêndio na produtora destruiu os dois filmes. Carmen ficou absolutamente arrasada. Depois do desaparecimento de Urutáu e dois anos de sua vida dedicados integralmente à FAB, ela via o produto de seu esforço se desmanchando em chamas. Deprimida, desistiu de fazer cinema.

Cinearte, 9/2/27
Começa nesse momento uma espécie de lenda sobre Carmen. O meio cinematográfico não ficou insensível à tragédia que lhe ocorreu, e ela, paradoxalmente, ficou famosa. Só que não por seu trabalho como atriz ou produtora, mas como uma grande batalhadora do cinema, que só não ocupava seu lugar entre os maiores porque as intempéries da vida impediram seus filmes de serem devidamente apreciados. "No tempo em que não havia estrelas, ela já era a mais popular das nossas estrelas... Quem não conhecia Carmen Santos?", perguntava-se na imprensa, antes mesmo que qualquer filme seu entrasse em cartaz (Cinearte, 10/7/1929). Um véu de simpatia e solidariedade passou a envolvê-la. Prova disso é que em 1927, Adhemar Gonzaga, então apenas diretor da revista Cinearte, mandou-a como correspondente à Europa. Ela não enviou de volta sequer uma linha do velho mundo no curto período que passou por lá, mas a simples menção do fato na revista já era notícia. Nessa mesma época o jovem Humberto Mauro — dono da produtora Phebo Brasil, sediada em Cataguases — destacando-se como uma promessa do cinema brasileiro depois de dois filmes bem recebidos pela crítica, cogitou de convidar Carmen para o terceiro, Brasa Dormida. Carmen não estava no Brasil então o convite não se concretizou. O papel foi para Nita Ney.

Em 1929, Adhemar Gonzaga, ainda sonhando em ter seu estúdio, resolveu tentar a direção pela primeira vez. O filme era Barro Humano, com argumento e roteiro do próprio Gonzaga. Ele convidou Carmen para o mais importante dos três papéis femininos contidos no filme. Ela não resistiu ao convite. Era tentação demais. Segundo a própria Carmen, “tive um momento de desfalecimento e fraqueza e cheguei a ir filmar”. A empolgação passou rapidamente: “Mas, em pouco tempo, a visão amarga de todas as minhas provações me obrigou a desistir e... desertei, mais e mais convencida de que o Cinema, embora exercendo sobre mim fascinação irresistível, não passava, para a minha felicidade, de uma miragem!” (Cinearte, 6/11/1929)

Luiz Sorôa e Carmen em "Sangue Mineiro"
(A Scena Muda, 16/1/30)
Barro Humano foi um grande sucesso, o que deve ter doído no ego da atriz e pesado na decisão seguinte tomada por ela, de esquecer as desgraças e voltar de corpo e alma ao cinema. Semanas depois de “desertar” do filme de Gonzaga, foi o mesmo Gonzaga que ela procurou, arrependida, solicitando nova oportunidade. Como era fã confesso de Carmen, a exemplo de Pedro Lima, Barros Vidal e todo o staff da Cinearte, Gonzaga deu um jeito de encaixá-la no quarto filme de Humberto Mauro, dirigido e roteirizado pelo próprio, Sangue Mineiro. A expectativa era grande, o presidente de Minas, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, em gesto inédito, deixou seus pepinos governamentais de lado para assistir alguns takes e conversar com o elenco, e o trabalho teve uma recepção razoável em seu lançamento comercial, no início de 1930. Seu único mérito real, com efeito, foi trazer a imagem da célebre Carmen Santos em movimento pela primeira vez, de corpo inteiro e em close, matando, por fim, a curiosidade daqueles que há dez anos a conheciam e estimavam de graça, sem nunca tê-la visto "no écran", como se dizia.

Humberto Mauro, Carmen, Antônio Carlos e seu ajudante de ordens (Cinearte, 5/6/29)

Antes mesmo que Sangue Mineiro fosse para os projetores, Carmen já tinha engatado um novo projeto escrito e dirigido por Adhemar Gonzaga, Lábios sem Beijos. As filmagens começaram em outubro de 1929 e tudo ia muito bem até que o destino se interpôs: Carmen levou um tombo e teve que se ausentar das filmagens. Na seqüência, descobriu que estava grávida. Resultado: foi obrigada a abandonar Lábios sem Beijos. Sem Carmen, Gonzaga ficou desgostoso com o projeto; deixou-o nas mãos de Humberto Mauro e foi realizar seu sonho de ter um estúdio. Mauro dirigiu Lábios sem Beijos com o roteiro de Gonzaga e a atriz Lelita Rosa no lugar de Carmen. Lançado em 10 de novembro de 1930, foi muito bem recebido e é o primeiro filme feito oficialmente pela Cinédia, o estúdio fundado, finalmente, por Adhemar Gonzaga.

Carmen e Paulo Morano em "Lábios
sem beijos", 1929 (Cinearte, 30/10/29)
Carmen teria ficado sem trabalhar em 1930 se não tivesse ido junto a Gonzaga visitar as filmagens de Limite, do estranhíssimo diretor Mário Peixoto. Ela gostou do trabalho do rapaz e ele já era fã de toda a mística envolvendo a atriz. Ela o convidou para dirigir seu próximo filme e lhe deu carta branca para o roteiro. Ele aceitou com a condição dela filmar algumas cenas em Limite, sobretudo aquela na qual come uma maçã de frente para um apalermado Raul Schnoor, protagonista do filme. Concluído, Limite não teve jamais, sabe-se lá por quê, uma temporada comercial. Foi mostrado a algumas platéias que em geral gostaram da originalidade do trabalho de Mário Peixoto, mas é seguro dizer que o grande público ignorava totalmente o filme. Não obstante, em meados de 1931 Mário e Carmen começaram a preparar Onde a Terra Acaba, colaboração que traria Raul Schnoor mais uma vez como protagonista. Os meses se passaram, alojamentos enormes foram construídos na restinga da Marambaia para as filmagens e a coisa ia a passos de tartaruga.

Carmen em "Limite", 1930
Em situação mais ou menos semelhante estava Humberto Mauro, cujo Ganga Bruta, que escreveu com Octavio Gabus Mendes, mostrava-se também um parto encruado. Um ano depois de iniciadas as filmagens, em 32, o azar veio com tudo: Carmen e Mário se desentenderam e a atriz o demitiu. Raul Schnoor foi junto. Onde a Terra Acaba já tinha diversas seqüências filmadas. Ela descartou tudo. O projeto voltou a estaca zero depois de um ano de gastos, locações, rascunhos e ensaios. Em corrida contra o tempo, ela contratou Octavio Gabus Mendes para dirigir e pediu-lhe que preparasse um novo roteiro. Ele escreveu uma adaptação do romance Senhora, de José de Alencar, e no lugar de Schnoor entrou Celso Montenegro. O nome foi mantido. Ganga Bruta foi lançado em 19 de maio de 1933 e consolidou o prestígio de Mauro. Onde a Terra Acaba foi lançado cinco meses depois, em 16 de outubro. A crítica falou pouquíssimo do filme mas, como sempre, enalteceu a tenacidade de Carmen.

Celso Montenegro e Carmen em cena de
"Onde a terra acaba" (A Scena Muda, 12/1/32)
O público não viu graça. Os talkies, filmes falados, já existiam desde 1927 nos Estados Unidos, e estavam sendo assistidos há alguns anos no Brasil. Onde a Terra Acaba tinha legendas superpostas ao invés de intercaladas, inovação patética diante do que vinha chegando do exterior. Era momento de parar e fazer um balanço.

A questão era simples: com exceção única de Charlie Chaplin, era seguro dizer que os filmes mudos estavam mortos. Por que o público pagaria para ver atores fazendo caras e bocas constrangedoras, quando num cinema ao lado podia assistir e ouvir atores falando e interpretando como no teatro? Era necessário, então, partir para o cinema falado. Mas Carmen, é preciso que se diga, não era uma boa atriz. Não possuía o talento sólido de Sarah Nobre ou a beleza estonteante de Belmira de Almeida, apenas para citar duas atrizes portuguesas, como ela, que alcançaram grande êxito no meio artístico brasileiro. Tinha carisma, uma sensualidade meio fria, um determinado grau de presença cênica e uma aura de sumidade cinematográfica, por conta de tudo que passara; ao fim e ao cabo, porém, a propaganda era bem maior do que aquilo que Carmen tinha, efetivamente, para oferecer.

Cartaz de "Coisas Nossas", 1931
Além disso, havia uma movimentação acontecendo desde 1929 no cinema mundial que começou a efervescer no Brasil enquanto Carmen quebrava pedras em Onde a Terra Acaba: os musicais. Provavelmente inspirado no maravilhoso The Broadway Melody do diretor Henry Beaumont, lançado em 1929, mais um norte-americano no estilo de William Jansen, desta vez Wallace Downey, resolveu se infiltrar no incipiente meio cinematográfico brasileiro e dar sua contribuição. Associou-se ao produtor paulista Alberto Byington Jr. e fez nada mais nada menos do que o primeiro musical brasileiro. Chamado Coisas Nossas, tinha como protagonistas — quem diria — Procópio Ferreira e Guilherme de Almeida, junto a Stefana de Macedo e figuras notórias do teatro ou da música, como Francisco Alves, Corita Cunha, Zezé Lara, Alvarenga e Ranchinho, Arnaldo Pescuma e assim por diante. Músicas de Joubert de Carvalho, Noel Rosa e Marcelo Tupinambá, entre outros. Os números foram amarrados de forma a parecer um espetáculo musical, o filme foi lançado em 23 de novembro de 1931 e acabou sendo um sucesso. A picada foi aberta.

Humberto Mauro (Cinearte, 11/12/29)
No início de 1933, com Ganga Bruta pronto e prestes a ser lançado, Humberto Mauro se juntou a Adhemar Gonzaga para realizar um documentário semi-ficcional sobre o carnaval daquele ano.  Filmaram diversas cenas reais dos festejos, e o que é mais importante, com o som ambiente, o que era inédito. E para que o material não fosse maçante, juntou-se uma penca de artistas como Carmen Miranda, Palitos, Lamartine Babo, Aracy Côrtes, Jararaca e Ratinho,etc. e mais um bando de atores para o entrecho cômico escrito por Joracy Camargo, como Jayme Costa, Belmira de Almeida, Sarah Nobre, Oscarito, etc., com o detalhe de que eles interpretavam a si próprios. A Voz do Carnaval — como acabou batizado — em muitos aspectos não passava de um filme de propaganda do carnaval carioca, razão pela qual houve cooperação com o Itamaraty para que ele fosse exibido na França. De uma forma ou de outra, estreou em 6 de março de 1933 e agradou na bilheteria. Wallace Downey pouco depois fundou sua própria produtora — a Waldow — se associou à Cinédia de Adhemar Gonzaga e passou o ano de 1934 desenvolvendo e produzindo dois filmes para a safra carnavalesca do ano seguinte. Não era mais possível ficar de fora. Era o momento de Carmen e Humberto entrarem de cabeça nos musicais.

Aurora e Carmen Miranda
(Correio de S. Paulo, 9/2/35)
Em sua sanha por independência criativa ela fundou a produtora Brasil Vox Film e saiu à cata de elementos para seu próximo filme. Mas não havia sequer um minuto a perder. Enquanto organizava a Vox e imaginava o que poderia fazer para entrar com o pé direito no filão dos musicais, foi atropelada por Wallace, que se juntou a dois cobras da música brasileira — Braguinha e Alberto Ribeiro, assinando o roteiro — e em fevereiro de 1935 lançou Alô, Alô, Brasil, que já mostrava sensível evolução, em termos cinematográficos, daquilo que começou com Coisas Nossas e A Voz do Carnaval. O elenco trazia Carmen e Aurora Miranda, Francisco Alves, Mário Reis, Dircinha Batista, o Bando da Lua e outros. Sucesso. Empolgado com esse surto de musicais e verificando que seu retorno financeiro vinha superando o de muitos filmes norte-americanos e europeus, o grande empresário do ramo do entretenimento e criador da Cinelândia, Francisco Serrador, anunciou à imprensa que pretendia transformar o Castelo São Manuel, em Petrópolis — que comprara da família do Barão de Teffé, anos antes  na "Hollywood verde-e-amarela". Lá seriam construídos estúdios, hotéis, restaurantes e toda uma infra-estrutura que permitisse o alojamento dos elencos, diretores e demais pessoas envolvidas na feitura de um filme, pelo período que durasse sua produção.

Gazeta de Notícias, 20/07/35
O projeto, porém, só seria posto em movimento quando chegasse ao Brasil o ator Raul Roulien, primeiro brasileiro a adquirir fama em Hollywood e nomeado desde já o diretor artístico de toda a empreitada. Serrador não entrou em detalhes daquilo que viria a ser produzido pelos novíssimos estúdios (que infelizmente não saíram do papel e dos sonhos do empresário), mas dois nomes específicos foram aventados para participar de musicais sob a provável batuta de Roulien: a cantora lírica Bidu Sayão, conhecida e aplaudida no exterior, e  quem diria  "a genial Bibi, filha de Procópio". (Gazeta de Notícias, 20/7/35)

Nesse meio tempo, Carmen e Humberto Mauro contrataram o cronista Henrique Pongetti e encomendaram a ele um roteiro para o musical, batizado inicialmente de A Alma do Samba. Pongetti preparou uma história que falava da única favela carioca existente, no morro do Livramento, a favela da Providência. Eis o que dizia a imprensa sobre o enredo:

Dois rapazes recém-chegados de Paris trazem maravilhosas idéias civilizadoras dentro do cérebro... Como, porém, voltaram sem vintém, começaram por apelar para um leilão dos móveis e objetos de arte que guarnecem sua “garçonniere”, último vestígio da passada opulência. A grande idéia seria... instalar um cabaré na Favela! Para turistas à cata de novas sensações e também para os habitantes da cidade. O capitalista seria o Sr. Palmeira e o Sr. Palmeira ficou encantado com a idéia. No morro famoso, um dos rapazes experimenta a maior surpresa: encontrou ali, vivendo entre os humildes, ensinando as crianças a ler, Rosinha, uma princesinha encantada, rainha do morro e logo — como é uso nos filmes — por ela se apaixonou. (O Radical, 10/10/35)

Carmen Santos, Humberto Mauro e Sylvio Caldas

Rodolfo Mayer em "Favela dos
meus amores"
Os dois rapazes são Rodolfo Mayer e Sylvio Caldas, sendo que Rodolfo é Roberto, que se apaixona pela professora Rosinha, interpretada por Carmen, filha adotiva de Tia Bilú, papel de Antônia Marzullo (avó materna de Marília Pêra). Jayme Costa foi chamado para o papel do Sr. Palmeira, que tem várias cenas divertidas com a cortesã feita por Belmira de Almeida, e ainda haveria Norma Geraldy, Eros Volúsia e todo o pessoal do morro, representado pelo compositor tuberculoso Nhonhô, Antônio Lousada, que imagino ter sido inspirado em Sinhô, morto poucos anos antes. No decorrer da produção o filme foi batizado definitivamente de Favela dos meus amores.

A parte musical era rica e seria complementar. Sylvio Caldas cantaria quatro músicas: Arrependimento, Torturante Ironia e Quase que eu disse, de sua autoria, e Inquietação, de Ary Barroso; Ao Luar e Quando um sambista morre, também de Ary, teriam a interpretação de 130 vozes do Orfeão Português; a canção-título, de Nássara, Favela dos meus amores, seria cantada por mais de 200 integrantes da Portela e do bloco “Fiquei Firme”, acompanhados por mais de 40 músicos; Favela, de Custódio Mesquita, com a dupla Joel e Gaúcho; o samba Cuíca, Pandeiro, Tamborim e Violão, com Liana Gonçalves e orquestra; um maracatu composto por Aracaty, com Ítala Ferreira e Pedro Dias; a melodia de Tolinha, de Custódio Mesquita, seria usada incidentalmente, e a própria Carmen Santos testando seu talento, cantaria um fado composto pelo maestro Bernardo Vivas.

Antônia Marzullo em "Favela dos
meus amores"
Era tal a pressa dos diretores e produtores em lucrar com os musicais, que antes de Favela ser finalizado, Carmen levou mais duas rasteiras: em 8 de julho foi lançado o terceiro filme dirigido por Wallace Downey e segunda colaboração com Braguinha e Alberto Ribeiro, Estudantes, trazendo novamente Carmen e Aurora Miranda, e o reforço cômico de Mesquitinha e Barbosa Junior; e em setembro foi ao cartaz uma produção conjunta entre Brasil e Argentina: Noites Cariocas, dirigida e roteirizada por argentinos, mas trazendo a famosa companhia de revista de Jardel Jércolis no elenco, além de atores como Olavo de Barros, Sadi Cabral e Walter D’Ávilla. Ambos caíram no gosto do público, mas a crítica começou a não fazer mais qualquer segredo de seu desgosto em relação ao raquitismo dos roteiros. Os musicais, até aquele momento, nada mais eram do que os grandes cartazes do rádio fazendo para uma câmera aquilo que já faziam há anos para um microfone, com interlúdios cômicos de qualidade questionável. Música nota dez, cinema nota zero.

Jayme Costa e Belmira de Almeida
(O Malho, 10/10/35)
No dia 14 de outubro de 1935, Favela estreou no Cine Alhambra, de Francisco Serrador. O êxito do projeto superou as expectativas e Carmen teve, finalmente, seu momento de glória. O público foi em peso assistir o filme e ficou maravilhado com a visão que o diretor oferecia do morro e do Rio como um todo. Os números musicais agradaram, Sylvio Caldas foi de estrela do rádio à celebridade do cinema, Jayme Costa foi elogiadíssimo por sua performance, a cena da morte de Nhonhô foi catalogada como uma das mais comoventes de todos os tempos e Carmen passou, pelo menos momentaneamente, no teste eterno em que vivia, de transformar o respeito que lhe votavam, por ser figura constante no cinema, em admiração concreta por seu talento. Seu carisma era tal que passou-se ao largo de um defeito fundamental do filme, já notado antes mesmo dele estrear: o fato dela fazer o papel de uma mulher do morro, sendo que tanto ela quanto seu personagem no filme desfilavam vestidos europeus, usavam jóias e rescendiam a novo-riquismo e à burguesia.

Rodolfo Mayer e Carmen (O Malho, 11/7/35)
Não importava. Nesse sentido, vale transcrever o que disse Mário Nunes, com a sinceridade que vinha com o fato de ser um dos poucos que acompanhava a carreira de Carmen desde Urutáu: "Carmen Santos é, positivamente, uma figura de cinema. Não é bonita, mas a mobilidade de sua fisionomia fá-la interessantíssima e a expressão sempre feliz do seu olhar e do seu sorriso, torna-a adorável e cativante". (Jornal do Brasil, 8/9/35)

L.S. Marinho, crítico abalizadíssimo e experimentado em Hollywood afirmou que em termos de roteiro, pouquíssimo haveria a dizer. E estava certo. Pongetti era um cronista competente mas não passava disso; como dramaturgo ou roteirista era medíocre. O grande mérito estava na direção de Humberto Mauro, que realizou uma obra substancial a partir de um roteiro bobo e raso. Já em se tratando de direção e interpretação, Marinho comentou que "na indústria cinematográfica brasileira, Favela dos meus amores é o melhor filme que temos produzido". (O Radical, 1/10/35)

Propaganda de "Favela dos meus amores"

O filme começou em outubro uma carreira vitoriosa pelos cinemas do Rio e do Brasil inteiro. O êxito financeiro não tinha precedentes. Ao invés de parar e pensar com calma no projeto seguinte, afim de não desperdiçar o extraordinário prestígio adquirido com seu último trabalho, Carmen fez exatamente o contrário: avisou Humberto Mauro que começariam a filmar novamente dali a poucas semanas e encomendou a Henrique Pongetti um novo roteiro o mais rápido possível.

Antes, porém, Carmen mudou o nome de sua produtora; os jornais não utilizavam o nome “Brasil Vox Film”, optando pelo simples “Vox Film”. Daí para “Vox Filmes” e por fim, “Fox”, foi um pulo. Os executivos da Fox entraram na justiça mas Carmen se antecipou e mudou espontaneamente para “Brasil Vita Film”. E no início de 1936 Carmen, Mauro e Pongetti mergulharam em uma nova aventura intitulada Cidade-Mulher.
Ironicamente, uma das primeiras notícias que vamos encontrar sobre o filme, em janeiro, nos faz uma revelação das mais alvissareiras:

A Noite, 15/1/36
Acabam de terminar os trabalhos de filmagem de "A Cidade-Mulher" (sic), de Carmen Santos, que Henrique Pongetti escreveu e em cuja direção cooperou com Humberto Mauro. Nas últimas cenas filmadas tomou parte Bibi Ferreira, a graciosa e inteligente menina, filha de Procópio Ferreira, que herdou do pai as qualidades aprimoradas de comediante. Bibi apresenta um "sketch" com a mãe, senhora Aída Izquierdo, e canta uma canção de Heckel Tavares e um fox-trot de Raul Roulien, que o improvisou no momento da filmagem, a que assistiu acidentalmente". (A Noite, 15/1/36)

Bibi, portanto, de treze para catorze anos estava prestes a fazer uma nova estréia, desta vez no cinema. Não como especulou a imprensa à época da entrevista de Serrador, e não sob a direção de Roulien, mas com sua participação e quiçá até por sua indicação. O problema é que a notícia não é exata. A filmagem de Cidade-Mulher não havia sido concluída nessa época, e sim iniciada. Raul Roulien de fato visitou o set e improvisou o foxtrote que Bibi cantou, mas não foi de Heckel Tavares a outra canção.

A Notícia, 19/2/36
Artigo que veio do distante A Notícia, de Joinville, deu o furo com detalhes antes de qualquer jornal do Rio:

Uma das atrações do novo filme de Carmen Santos, a única estrela que possuímos, no momento, é a pequena Bibi Ferreira, filhinha de Procópio, o maior dos nossos artistas. (...) Aproveitando agora as férias colegiais, Bibi quis tomar parte nas filmagens de "Cidade-Mulher", não como profissional, mas como amadora, para prestar assim uma homenagem ao cinema brasileiro. Henrique Pongetto (sic) escreveu-lhe a sketch, que ela representa no filme, em companhia de sua mãe, a Sra. Ida Izquierdo (sic). Raul Roulien compôs, só para ela, um fox em inglês. Noel Rosa dedicou-lhe um samba interessantíssimo. Muraro entrou, para esse seu eclético e curioso repertório de "Cidade-Mulher", com um tango também inédito. Como se vê, a Brasil Vita Filme correspondeu a gentileza de Bibi com outras gentilezas semelhantes, proporcionando-lhe a fortuna de interpretar, com exclusividade, todos esses famosos autores, com o famoso Roulien à frente. (A Notícia, 19/2/36)

Roulien, Noel e Muraro! Um verdadeiro dream tem para a cena de Bibi. Parece que o jornal de Joinville obteve e divulgou as informações antes do tempo, pois as colaborações musicais de Cidade-Mulher só inundariam a imprensa meses depois, como veremos mais adiante. Os primeiros releases do filme, porém, não economizaram elogios à garota:

Jayme Costa em "Cidade-Mulher"
"Cidade-Mulher" é um celulóide que vai servir de veículo à apresentação dos mais exponenciais talentos da geração novíssima, que agora desperta para a arte e para a vida do espírito. Assim, por exemplo, a atuação ali, num "sketch" cheio do mais cintilante "sense of humour", de Bibi, a adolescente filha de Procópio e, a julgar pela sua performance em "Cidade-Mulher", sua legítima continuadora no desenho da comédia, que faz sorrir sempre, mesmo diante da tragédia inevitável de certos aspectos do mundo. (Gazeta de Notícias, 14/3/36)

O novo roteiro de Pongetti não se distanciou muito de Favela, em termos de simplicidade: um empresário teatral em dificuldades financeiras e sua filha tentam utilizar o fascínio de uma baronesa pelos cães para produzir uma revista com o dinheiro dela. O empresário seria vivido por Jayme Costa, em pleno fastígio cinematográfico e requisitado a torto e a direito. A filha é Carmen, seu namorado é Mário Salaberry e a baronesa é a veterana Sarah Nobre. O conhecido escritor e ensaísta Bandeira Duarte faria sua estréia como ator, no papel cômico do afeminadíssimo cabeleireiro Clô-Clô. Os releases também lhe despejavam encômios, dizendo que ele "se revelou um comediante moderno, mesmo chaplinesco, dentro do seu estilo satírico". (Diário Carioca, 1/7/36)

Sarah Nobre em 1919, quando ainda trabalhava
na Companhia Nacional de Operetas
(O Malho, 22/3/1919)
Segundo Carmen, em entrevista ao Correio da Manhã: “O cinema falado não pode improvisar artistas com facilidade. Necessitamos da colaboração do teatro. Favela revelou-nos Jayme Costa, que ficou sendo o melhor artista cômico do cinema brasileiro. Seu papel, em Cidade-Mulher, vai agradar ainda mais, mesmo porque, neste nosso novo filme, muitos dos defeitos de Favela já estão sendo abolidos, sobretudo quanto ao som e à difusão da luz”. Ela continua:

Sarah Nobre e Mário Salaberry, ele bonito e elegante como galã, e ela uma grande atriz cômica. Sarah Nobre é uma baronesa que faz girar sua atividade social em torno de uma sociedade de proteção aos vira-latas, aos cachorros deserdados da sorte, que ela manda recolher ao seu esquisito [no sentido de “excêntrico”] hospital para salvá-los da miséria e do vício... Jayme Costa é um empresário arruinado, que salva seu teatro da falência, organizando um espetáculo em benefício dos cães da baronesa, que nele descobre profundas semelhanças com o falecido barão... (...) Sou a filha de Jayme Costa, a idealizadora, com meu noivo, que é aí Mário Salaberry, desse "assalto" à bolsa da baronesa, que tudo dá pelos cães vagabundos e pelos que deles também se condóem... (...) Compõem-se de bom humor, de alegria carioca, de sambas, melodias agradáveis, e dos idílios indispensáveis para contentar o público... (Correio da Manhã, 2/2/36)

Carmen Santos e Mário Salaberry (O Cruzeiro, 1/8/36)
Jayme Costa e Sarah Nobre (O Cruzeiro, 1/8/36)

Mário Salaberry
(Fon Fon, 16/12/39)
Nessa mesma entrevista Carmen fala sobre a estréia de novos valores artísticos em seu filme — marca registrada de seus trabalhos — e fala de Bibi: “Temos ainda um artista-garoto: Heleno Cyrano de Mello, de 6 anos, que conquistará por inteiro o público. E uma menina interessantíssima: Bibi Ferreira, que é a cara do pai...”.

Malgrado o comentário que era seu calcanhar-de-aquiles, pois Procópio era considerado um homem engraçado e feio e Bibi era sempre referida como “a cara do pai”, ela começava no cinema com a dupla mais prestigiada do momento: Carmen Santos e Humberto Mauro. Só que os festejos de Momo daquele ano de 1936 se aproximavam e Carmen foi mais uma vez relegada a segundo plano para dar lugar à estréia, em 20 de janeiro, de Alô, Alô, Carnaval!, novo projeto conjunto da Cinédia e da Waldow, com mais um roteiro de Braguinha e Alberto Ribeiro, desta vez com direção do próprio Adhemar Gonzaga. E tome Carmen e Aurora, Lamartine Babo, Chico Alves, Linda e Dircinha Batista, entre muitos outros, além do entrecho cômico com Oscarito, Barbosa Junior, Pinto Filho e — ele mesmo — Jayme Costa, pulando de um protagonista para o outro. Na parte musical, quem estava no filme de Gonzaga e participaria também de Cidade-Mulher eram Heriberto Muraro e as Irmãs Pagãs.

Carmen Santos em "Cidade-Mulher"
O público compareceu em peso; não importava a história porque era impossível não sucumbir diante do absoluto encantamento das talentosas e adoráveis irmãs Carmen e Aurora Miranda. Para a crítica, porém, era mais do mesmo.

Carmen Santos planejou uma super-produção. Iniciara a construção dos estúdios da Brasil Vita Film e como eles não ficariam prontos a tempo de filmar Cidade-Mulher ela alugou o Theatro Casino, no Passeio Público (onde Bibi se apresentou no evento em benefício à Casa do Pobre, em dezembro de 32) e o artista plástico Arnaldo Rosenmayer se encarregou da recriação de parte da praia de Copacabana e dos arcos da Lapa, para a porção do filme que envolveria a apresentação da revista. As chamadas girls mais importantes do teatro e uma série longa de artistas de rádio foram contratados. Em fevereiro o crítico Pedro Lima assistiu à gravação de uma cena no Theatro Casino. Seu primeiro comentário é ácido e questiona a escolha de muitas dessas girls: “Tratava-se de uma seqüência representando um palco de revista com doze girls recomendadas profissionalmente como bailarinas do Municipal, mas sem outros méritos senão a beleza do rosto e das formas”. Na seqüência enumera os artistas que viu por lá:

Elvira e Rosina, as Irmãs Pagãs
(O Cruzeiro, 1/8/36)
Lá vamos encontrar as outras girls do número de revista, que são também elementos do nosso broadcasting, como Isaura Seramota, Alice Figueiredo, Mary Kler, As Irmãs Pagãs, Judith e Dalila de Almeida, Ely Sobral e Sylvinha Drummond. Lá estavam ainda Carmen Figueiredo, Mara de Oliveira, Marizes, Maria Helena e Annita de Oliveira, uma morena tão brasileira que os fãs possivelmente ainda a verão em muitos filmes. (...) No outro lado da platéia, Ferreira Maia, artista de "Cidade-Mulher", conversa animadamente com Bandeira Duarte, que faz no filme o papel do cabeleireiro Clô-Clô. (O Cruzeiro, 1/2/36)

Era justamente a impressão que Mauro e Pongetti não queriam transmitir, ou seja, de que Cidade-Mulher era mais um amontoado de girls e cantores sem qualquer história relevante como fio condutor. Mas havia releases do estúdio que tentavam explicar o título “Cidade-Mulher” fazendo uma analogia com a feminilidade do Rio, que acabavam beirando o erótico e prejudicando a percepção geral:

Gazeta de Notícias, 23/1/36
Assim, no fio cintilante do filme, nas suas cenas admiravelmente movimentadas pela técnica de Humberto Mauro — o nosso "as" nº1 da direção — borbulha, flui, espouca, de fato, toda a versatilidade do nosso espírito, a cor local desta cidade feminina de tão sensual na sua beleza arredondada como um corpo adolescente, cheia de "sex-appeal" na sua topografia, na expansão voluptuosa de seus ritmos, de sua alma sonora e colorida... O caráter de comédia musical moderna — com uma história a entrelaçar os seus quadros de música, de dança e de diálogos — que lhe imprimiram os seus autores, serviu para localizar, assim, numa só película, toda a intensidade psicológica e objetiva de nossa existência, no Rio. (Diário Carioca, 23/6/36)

Pongetti e Mauro entraram em cena para esclarecer as coisas. Disse o roteirista:

Escrevendo "Cidade-Mulher", Carmen Santos, Humberto Mauro e eu quisemos fazer uma tentativa: superar o gênero "music-hall" exploradíssimo nos nossos filmes pré-carnavalescos, afrontando as dificuldades seriíssimas da revista numa cidade sem girls aprovadas pela tela... Posso garantir-lhe que conseguimos o máximo possível: em "Cidade-Mulher", a comédia e os quadros de revista formam um espetáculo divertido, higiênico, honesto, que agrada aos fãs do cinema brasileiro porque marca uma etapa de progresso artístico e técnico indiscutível entre os filmes ligeiros produzidos no país. (Diário Carioca, 28/6/36)

Mauro seguiu a mesma linha em suas declarações sobre o filme:

Bandeira Duarte
(A Batalha, 16/7/36)
"Cidade-Mulher" — declarou Humberto Mauro — é o que se chama uma comédia musicada. (...) Agradará, decerto, pelo seu conjunto, pela soma dos valores que nela pudemos reunir. O enredo e os diálogos são novamente de Pongetti. A cenografia foi armada e pintada por artistas como Arnold Rosenmayer e Renato Palmeira. Nos papéis principais, além de Carmen Santos, figuram Jayme Costa e Sarah Nobre. Noutros papéis sobre os quais também repousa a parte emotiva do filme estão Mário Salaberry e Bandeira Duarte, aquele do Teatro-Escola e do Teatro Regina, e este um intelectual com livros publicados. Os números de conjunto, em "Cidade-Mulher", são feitos por artistas das nossas estações de rádio, como as Irmãs Pagãs e Sylvia Drummond. Estrelas de rádio, que noutros filmes seriam estrelas de improviso, em "Cidade-Mulher" aparecem como girls, afim de que o espetáculo mais agrade ao público. Bibi Ferreira, a filha de Procópio, e Mara, a cantora amazonense, cantam coisas isoladas. E a partitura foi confiada a Noel Rosa. Em resumo: o máximo de empenho para que "Cidade-Mulher" não dê a impressão de ser uma colcha de retalhos, mas uma verdadeira comédia musicada, com princípio, meio e fim. (Diário Carioca, 28/6/36)

Partitura de "Dama do Cabaré"
A parte musical era especial. As orquestrações eram do Maestro Bernardo Vivas sob a regência do Maestro Bichara Jorge. Mara Costa Pereira cantava a canção “A Macumba”, de seu irmão Waldemar Henrique; filhos da cantora lírica Zola Amaro, os irmãos José e Maria Amaro cantaram “Luar de Copacabana”, aparentemente escrita para o filme, mas não pude apurar por quem; e “Adeus Rio”, de Assis Valente, foi cantada pelo grupo do qual o compositor fazia parte, na época, a Banda Carioca. Carmen e Humberto chamaram Noel Rosa e lhe pediram algumas músicas para serem cantadas e utilizadas na trilha incidental. Até onde pude apurar Noel colaborou com quatro músicas novas: “Cidade-Mulher”, que dá nome ao filme e foi cantada por Orlando Silva acompanhado das Irmãs Pagãs; “Dama do Cabaré”, cantada apenas por Joel, da dupla Joel e Gaúcho, “para um dos instantes dramáticos que Carmen Santos vive no filme, sob a legenda Cabaré da Lapa, num cenário maravilhoso de Rosenmayer, sintetizando aquele trecho do Rio, pela madrugada”. (A Ofensiva, 18/7/36); “Tarzan, o filho do alfaiate”, parceria com Vadico, cantada pelo comediante José Vieira, acompanhado de Sylvia Drummond, Mary Kler e duas girls; e “Na Bahia”, parceria com José Maria de Abreu, cantada por Bibi.

Orlando Silva canta "Cidade-Mulher", de Noel, acompanhado das Irmãs Pagãs
O número dedicado à "Tarzan, o filho do alfaiate". Da esquerda para direita, Sylvia Drummond, Mary Kler, o comediante José Vieira, Carmen e Alice Figueiredo (O Cruzeiro, 7/3/36)

Os releases mandados pela Brasil Vita à imprensa foram pródigos na descrição dessa cena em particular:

Noel, em foto autografada de maio de 1936
Os quadros de "Cidade-Mulher" em que tomam parte Bibi Ferreira, filhinha de Procópio, foram desenhados pelo Sr. Renato Palmeira, que é um dos nossos mais notáveis desenhistas e ilustradores. (A Batalha, 16/7/36)

"Cidade-Mulher" (...) apresenta ainda a atração de seu fundo de revista, com os mais vistosos números de canto e dança, quer em solos, quer em conjunto, (...) além da presença altamente expressiva de Bibi Procópio Ferreira, que ali interpreta um "sketch" em três idiomas, junto com sua jovem mãe, a Sra. Aída Izquierdo Ferreira, e de outros estreantes em Cinema, que se revelam perfeitos artistas. (A Ofensiva, 18/7/36)

Assim é que nessa produção colaboraram Noel Rosa, Waldemar Henrique, José Maria de Abreu, Muraro e até o querido astro patrício Raul Roulien, que, com o seu “panache” habitual, tendo ido visitar, certa vez, o set de "Cidade-Mulher", compôs de improviso um fox do outro mundo, "Come on, Baby", para Bibi Procópio Ferreira. A jovem filha do maior ator brasileiro, desse glorioso Procópio, conhecido até além-fronteiras, apresenta em "Cidade-Mulher", continuando desse modo as brilhantes qualidades de sua família de artistas, uma atuação de elástico e expressivo mérito artístico; o seu "sketch", onde também aparece a senhora Aída Izquierdo Ferreira, que gentilmente prestou esse favor à Vita, é um conjunto de dança, comédia e canto, no qual Bibi interpreta um tango de Muraro, também composto de improviso, no mesmo dia em que o foi o de Roulien; um samba a caráter, "Bahia", e o referido fox". (A Batalha, 19/7/36)

Um release mandado ao Diário Carioca detalha e fornece importantes informações sobre a cena de Bibi:

Raul Roulien (O Malho, 9/7/32)
Bibi herdou o grande talento de seu pai, com a vantagem de fazer uma coisa que ele não sabe fazer: cantar em inglês...

Bibi declama, canta e dança.

Em "Cidade-Mulher" ela é uma menina que se revolta por não haver um teatro infantil no Rio de Janeiro. Por isso improvisa no seu quarto, cheio de bonecas e bichos de alma mecânica, um teatrinho de emergência, de que ela é a estrela exclusiva, no seu papel multiforme de Lili, a transformista sem rival...

Cinco "ases" reuniram-se aí para preparar o espetáculo que Bibi Procópio Ferreira oferece às crianças brasileiras em "Cidade-Mulher": Humberto Mauro, que a dirigiu na filmagem; Henrique Pongetti, que lhe escreveu a seqüência; Roulien, que lhe dedicou um "fox"; Muraro, que lhe compôs um tango, e Noel Rosa, que lhe compôs um dos seus melhores sambas "filosóficos".

Bibi declama, canta e dança, e as suas bonecas e os seus bichos de alma mecânica aplaudem-na ou vaiam-na, segundo suas preferências... (Diário Carioca, 24/7/36)

Diário Carioca, 24/7/36

Correio da Manhã, 15/7/36
Pela descrição, deve ter sido uma cena fantástica. Bibi — apesar da péssima foto escolhida para seu release, em que aparece séria, com um boné esquisito, parecendo um garoto, ao invés de valorizar sua beleza adolescente — tinha um número solo dedicado ao público infanto-juvenil (com Aída na coadjuvância), oportunidade de mostrar vários talentos e ainda por cima interpretando canções inéditas do respeitado Muraro, do famosíssimo Roulien e do maior compositor brasileiro de então, Noel Rosa. Prazer e honra indescritíveis para a menina de treze anos. Entrevistada por Lima Duarte no Programa Som Brasil, de 1984  uma das poucas vezes em que falou sobre Cidade-Mulhere não por guardar qualquer reserva em relação ao assunto, mas pela simples razão de que ninguém, nem repórteres teatrais e nem sua própria assessoria, tem sequer noção de que ela fez esse filme  Bibi deu precioso depoimento:

Bibi em 1984, contando a Lima Duarte como foi
trabalhar com Noel em "Cidade-Mulher"
Com o Noel foi engraçado; eu tinha onze anos, doze anos, e eu fui fazer um filme, um filme nacional chamado "Cidade-Mulher". Naquela época, o grande cartaz do Brasil era o Orlando Silva. Arrancavam as coisas do Orlando, o Orlando não podia andar no meio da rua, arrancavam a gravata, pedaço do terno, não sei o quê, o pobre rapaz — era muito jovem naquela ocasião —
chegava, enfim, mutilado, né? E esse ídolo fez esse filme, uma produção de Carmen Santos, e minha mãe — não fosse minha mãe eu não teria sido nada, sabe?, na vida, não tinha sido artista, não — minha mãe me empurrou. Disse "ah, Bibi vai cantar", não sei o quê. E Bibi começou a cantar o negócio ali, o Noel que ia fazer a parte musical da peça, disse "bem, vamos ver". Ele não gostou muito não, sabe? Disse "criança dá muito trabalho! Isso aqui já dá trabalho em si, se ainda bota uma criança, vai ser pior".

Aí, ele disse "bom, eu tenho que escrever uma música pra essa menina cantar". Escreveu a música, levei pra casa, fiquei lá tentando tirar a musiquinha, música fácil, "aonde é que o nosso Brasil principia, na Bahia, na Bahia". Aí quando eu fui ensaiar, toda maquiada de baianinha branca, e depois cantava a mesma coisa de baianinha preta, a branca pintadinha de preto, e a preta vestidinha de branco, quando eu fui cantar ele disse: "Não é nada disso, menina! Não é nada disso! É aqui, ó: Aonde é que o nosso grande Brasil princi — pia!" Eu digo, "ih", "aonde é que o nosso grande Brasil principia", "Não! Princi  pia! tarara, princi  pia!", ele queria uma divisão, tinha que estar acostumada a cantar, uma profissional, eu tinha onze anos, mas gravei, tudo bem, o filme passou. 

Ela entrava com o pé direito no cinema... Ou não. Tudo parecia extraordinário, os releases dizendo maravilhas eram publicados às dezenas nos mais variados jornais, mas a verdade é que desde o início havia algo fundamentalmente errado com Cidade-Mulher. Seja pela pressa com que foi produzido, seja pela repetição de Pongetti — exaurido depois de parir Favela dos meus amores — e Jayme Costa — pela super exposição, estando em três ou quatro filmes ao mesmo tempo — ou qualquer outra coisa, o filme não estava empolgando nem seus produtores.

Carmen em cena de "Cidade-Mulher"
(O Cruzeiro, 7/3/36)
Para começar, a história era boba demais. Escrita para ser um contraponto à Favela, no sentido de mostrar o Rio turístico, aproximava-se mais de algo burguês e esnobe. É a própria Carmen quem o declara, em uma de suas primeiras entrevistas sobre o filme:

Creio que “Cidade-Mulher” fará sucesso por ser o primeiro filme verdadeiramente elegante no Brasil. “Favela” nos mostrava um Rio de Janeiro típico, sentimental, com os seus morros e os seus sambistas. “Cidade-Mulher” cuida de um outro lado do Rio; do Rio encantador de Copacabana, do Rio galante que encanta os turistas. Os cenários são moderníssimos, retratando ambientes de luxo. E as toilettes que os artistas apresentam serão, decerto, um lindo espetáculo para os olhos femininos... Vestirei, em “Cidade-Mulher”, talvez uns vinte modelos de Paris. (Jornal das Moças, 23/1/36)

Uma das cenas que mostrava o canil da baronesa serviu para que aparecessem, em cameos, as esposas de atores e pessoas envolvidas com a produção, além da crítica teatral da Gazeta de Notícias, Zenaide Andrea: "Em certo quadro, aliás de muito sense of humour, desse filme da Vita, aparecem, então, as Sras. Ayda Conceição, Hortência Lisboa, Esmeralda de Monteiro, Margarida Bandeira Duarte, Dalila Rossi, Ayda Pongetti e a jornalista Zenaide Andrea, atuando todas no ‘laboratório para cães de luxo’ da baronesa filantrópica e pitoresca, que é a dama central do enredo"... (A Batalha, 23/7/36)

Como piada interna era interessante mas para o público significava um desfile de desconhecidas e um jabá inconfesso à crítica da Gazeta. Não que fosse uma coisa do outro mundo; a mesma Zenaide também participou de Bonequinha de Seda, que a Cinédia vinha produzindo ao mesmo tempo, com direção e roteiro de Oduvaldo Vianna. Apenas imaginava-se que o filme de Carmen teria qualidade suficiente para não precisar agradar quem quer que fosse a priori

O Cruzeiro, 18/4/36
Em segundo, Carmen, aos 32 anos, não se sentia bem interpretando as mocinhas previsíveis e vazias escritas por Pongetti. Em poucas palavras, seu próprio trabalho não lhe agradava. E estava certíssima em sua percepção, mas isso não era exatamente um bom augúrio para alguém procurando promover seu novo filme. Mais uma vez, é Carmen quem o diz:

Lá no meu íntimo ainda não estou satisfeita, como artista. (...) Tenho tido nelas [suas produções] função de estrela, mas sinto que não desperte no público um entusiasmo correspondente à publicidade que se faz do meu nome. (...) É que meu tipo não se adapta bem a papéis ingênuos como o de Rosinha, em “Favela”, ou frívolos como o da Dóris, em “Cidade-Mulher”. Aceitei-os porque não me parece também aconselhável fazer agora experiências com estreantes, inteiramente desconhecedoras do cinema. Pelo que já tenho vivido e sofrido, pelas minhas expressões fisionômicas, pela minha maneira de falar, por tudo, enfim, devo empolgar mais o público em papéis mais graves e emocionais, desses de mulher já feita, em luta aberta com todas as paixões humanas, por mais violentas que elas sejam. Aí sim eu me sentiria à vontade, dando amplas expansões ao meu temperamento artístico. (Jornal do Brasil, 16/2/36)

Fon Fon, 5/10/35
Para piorar, repetiu a mesma coisa de maneira ainda mais contundente em entrevista publicada exatamente um mês antes da estréia:

Dentro de poucas semanas a Brasil Vita começará "Ouro Verde", sob a direção de Humberto Mauro. Será o drama do café, vivido nas fazendas mineiras e paulistas, com um papel que se adaptará ao meu temperamento romântico e cigano, porque eu não gosto, saibam vocês, do que fiz nos meus dois últimos filmes, "Favela" e "Cidade-Mulher"... (O Jornal, 27/6/36)

Como se não bastasse, Humberto Mauro fez coro, afirmando que Cidade-Mulher era um “gênero de filme que não permite a Carmen Santos um trabalho de interpretação de acordo com as suas possibilidades de atriz dramática. Seu primeiro importante trabalho nesse gênero, na Brasil Vita Film, será Ouro Verde". (Diário Carioca, 28/6/36) Ambos comentários que não podiam ter sido feitos pela atriz principal e pelo diretor de um filme prestes a estrear.

Caricatura de Carmen feita pelo
 gênio cearense Mário Mendez
(O Malho, 10/10/35)
Também não ajudava em nada que Carmen declarasse, orgulhosa, já ter sido fotografada 5.300 vezes e que sua imagem com expressão eternamente lânguida e com os olhos semi-cerrados estampasse todas as propagandas de Cidade-Mulher, referida como uma comédia "alegre e sentimental". Isso pode ter sido muito bom quando o cinema era mudo e os filmes dela eram sempre dramalhões românticos, mas não naquele momento em que os brasileiros estavam hipnotizados pela vivacidade e os sorrisos lindos das irmãs Carmen e Aurora Miranda (sem falar que Ouro Verde ficou só na idéia e nunca foi produzido).

Terceiro e último, na véspera do lançamento de Cidade-Mulher Carmen se meteu numa briga horrorosa com duas instituições burocráticas do cinema nacional: a ACPB, Associação Cinematográfica de Produtores Brasileiros e a DFB, Distribuidora de Filmes Brasileiros. Resumindo, em 1932 Vargas criou o decreto 21.240, que regulamentava as atividades do cinema no país e, entre outras coisas, obrigava os cinemas a incluírem a exibição de filmes brasileiros. Pouco depois surgiram essas duas instituições para atuar como braço administrativo no trabalho artístico dos cineastas. A associação congregava os artistas e a distribuidora levava os filmes até o maior número de localidades, fazendo o possível para que fossem priorizados sobre os estrangeiros. Os lucros decorrentes seriam destinados a uma “obra protetora do cinema nacional em formação”, segundo Carmen, que ingressou na associação a convite de Adhemar Gonzaga.

O Jornal, 27/6/36
Só que os burocratas da DFB se tornaram gananciosos, pretendendo “colher os resultados dos esforços dos que vêm durante toda uma existência querendo criar um cinema brasileiro no Brasil”. Aproveitaram que o decreto os eximia de lutar pela exibição dos filmes nacionais, agora obrigatória, e transformaram a DFB em uma sociedade por quotas, ficando com o controle de seus capitais. Carmen explica, em entrevista a O Jornal de 27 de junho:

Instituído assim esse monopólio sob bases individuais, trataram de renovar o convênio anterior, pelo qual seus signatários se obrigavam a só entregar seus filmes aos exibidores através da distribuidora primitiva, que era uma dependência direta da nossa associação. Não concordando com isso, desliguei-me da associação e me recusei a aderir ao novo convênio, por divergir dessas suas novas e secretas finalidades. Que é realmente a distribuidora senão um monopólio? O governo baixa um decreto excelente, tornando obrigatória a exibição em todos os cinemas brasileiros de filmes feitos no Brasil e um grupo de comerciantes se atribui o direito de só eles negociarem esses filmes... Isso é monopólio, evidentemente.

O Malho, 26/9/35
O caso era escabroso. Carmen nunca pedira um centavo ao governo para fazer seus filmes e agora um bando de mascates arrivistas, parasitas e vagabundos exigia que ela fechasse um contrato de exclusividade de exibição de todos os seus filmes com a DFB, que aliás fizera (e ainda fazia) uma fortuna com Favela dos meus amores. Carmen tinha toda razão para estar indignada e foi incisiva na qualificação que fez deles:

Os donos da distribuidora, que hoje se intitulam defensores exclusivos do cinema brasileiro, que montaram uma empresa para colher os frutos da árvore que outros denodadamente plantaram, nada de útil têm feito para que seus nomes apareçam na história do nosso cinema. Na sua maioria, dedicavam-se antes de 1930 à indústria dos pequenos filmes de propaganda comercial e de bajulação a presidentes da República e a governadores, tudo isso sob encomenda e a preços ótimos...

Em seguida Carmen revela um fato estarrecedor: a DFB exigia 20% da receita bruta dos filmes em São Paulo e Rio, e 30% no interior do Brasil. E isso “quando é sabido que em 98% dos nossos cinemas apenas nos dão 30% do produto das suas bilheterias... Com que, depois, remunerar condignamente os autores, os compositores, os artistas, os técnicos, os operários? E as montagens? E os negativos?” (O Jornal, 27/6/36)

Francisco Serrador
(O Malho, 4/6/36)
Consumado o desligamento de Carmen e a recusa em assinar o contrato, seguiu-se uma troca azedíssima e virulenta de cartas entre ela e o diretor da DFB. Raul Roulien e seu câmera William Gericke, Alberto Byington (de Coisas Nossas), Antônio Leal (português de nascimento, mas produtor de alguns dos mais antigos filmes nacionais, remontando a 1903) e outros a acompanharam. A vingança da ACPB foi de uma baixeza que ninguém poderia esperar: uma carta foi mandada ao venerando Francisco Serrador, sugerindo que “para evitar futuros dissabores”, deveria revogar seu acordo com Carmen, impedindo a exibição de Cidade-Mulher no Alhambra. Ou seja, sem qualquer disfarce ou rodeio tentavam chantagear aquele que menos de um mês antes fora homenageado com uma placa de bronze fixada em frente a seu cinema, com a presença de Vargas, por suas múltiplas contribuições ao cinema nacional. Serrador, que antes mesmo de qualquer decreto já passava por cima dos lucros para exibir não um — como mandava o decreto — mas dois filmes brasileiros por mês na sua prestigiosa casa de espetáculos.

Serrador não se intimidou e deu publicidade à carta. A imprensa imediatamente se colocou ao lado dele e de Carmen. Lygia Salles, diretora de Publicidade da DFB, ficou tão ultrajada com a atitude seus superiores que se demitiu sumariamente do cargo em solidariedade ao empresário e à produtora. Fosse qual fosse o problema, não havia desculpa para que alguém tão benemérito quanto Serrador ou tão operosa quanto Carmen fossem tratados assim. O jornalista Celestino Silveira foi arrasador em sua crônica lida na Rádio Mayrink Veiga: “Nós que sempre combatemos o trust, nocivo, pernicioso, absorvente, dos exibidores que açambarcam grande número de cinemas, não podemos silenciar diante de um trust semelhante, que se está formando, e o que mais importa, escudado em um simples favor do governo”. E fulminou, na conclusão:

Gazeta de Notícias, 14/7/36
Carmen Santos pode ter todos os defeitos, mas é uma esforçada. Faz filmes com o seu capital e não amparada por decretos. Serrador tem um cinema que bafeja o filme brasileiro e não conta com favores do governo. Só a Associação Cinematográfica dos Produtores Brasileiros e a DFB vivem à sombra do decreto 21.240. (...) Ainda é tempo da Associação Cinematográfica reconsiderar a deselegância, a falta de ética e o ridículo em que está incorrendo. Principalmente a falta de ética. (O Jornal, 24/6/36)

Não sei se a chantagem da ACPB era real ou blefe, mas passados alguns dias, não se falou mais do assunto e a estréia de Cidade-Mulher continuou sendo divulgada no Alhambra para o dia 27 de julho. Uma coisa, entretanto, era certa: a partir daquele momento Carmen teria que se virar para que seus filmes pudessem ser vistos pelo resto do Brasil. E sua relação com Adhemar Gonzaga, que seguiu ocupando o mesmo cargo na direção da ACPB, nunca mais foi a mesma. A admiração prosseguiu. A amizade acabou.




Diferentes propagandas de "Cidade-Mulher" nos jornais de julho

Roulien e Conchita
(O Cruzeiro, 26/10/35)
No dia 7 de julho Carmen promoveu um jantar em homenagem ao casal Raul Roulien e Conchita Montenegro. O brasileiro e a argentina eram naquele momento duas das maiores estrelas sul-americanas do cinema e receberam inúmeras homenagens durante o tempo em que estiveram casados. Mas aquilo era uma evidente mistura de provocação à ACPB e à DFB, e desagravo pelos episódios recentes. O evento, ocorrido na casa de Carmen, começou com o jantar e durante os discursos louvando a carreira de Roulien e sua esposa, a anfitriã falou sobre a necessidade de ser criada uma "Escola Técnica Cinematográfica Brasileira", idéia que foi aceita e apadrinhada por todos e uma das iniciativas na qual ela desejava que fossem aplicados os lucros auferidos injustamente pela DFB. Por isso mesmo em seguida ela propôs a doação dos lucros de Cidade-Mulher à futura instituição e foram todos para o jardim, onde um telão foi montado para uma avant-première. Estava presente a nata da crítica cinematográfica.

Gazeta de Notícias, 9/7/36
O rádio já era um veículo bem difundido mas a imprensa escrita ainda era o verdadeiro chamariz de público para o cinema. Era normal, portanto, que eles estivessem lá não só para homenagear Roulien e desagravar Carmen, mas para ver o filme. A inovação de Carmen, nesse caso, foi que terminada a projeção havia uma câmera montada no jardim para que eles pudessem dar sua opinião ali mesmo, na hora. Falaram Rachel Crotman, de A Noite Ilustrada, a já conhecida Zenaide Andrea, da Gazeta de Notícias, Raymundo de Magalhães Jr., de A Noite e Carioca, Mário Nunes, do Jornal do Brasil, Alfredo Sade, de A Batalha, Celestino Silveira, da Rádio Mayrink Veiga e L. S. Marinho, do Correio da Manhã e de O Radical.

A reunião dos depoimentos seria editada junto ao trailer do filme, que começaria a ser mostrado no Alhambra no dia 21. Todos falaram, tecendo elogios. Se estavam sendo sinceros ou foram pegos de surpresa e não tiveram coragem de falar aquilo que mais tarde pretendiam escrever, só Deus sabe. Foram poucas as críticas dos presentes no evento que encontrei nos jornais pesquisados. Imagino que muitos deles tenham evitado de publicar o comentário, uma vez que já o haviam feito em viva voz. Ou os percalços desgastaram Cidade-Mulher e fizeram o assunto envelhecer antes dele estrear.

A Noite, 17/7/36
A primeira crítica publicada veio de Raymundo Magalhães, dez dias antes da estréia. Foi positiva e citou Bibi, embora tenha metido-lhe o invariável chute no calcanhar-de-aquiles: "Há no filme cenas ótimas. Entre essas, destaco a da Macumba, cantada pela grande cantora regional Mara da Costa Pereira, e a do bazar de bonecos, em que aparece, numa estréia brilhante, a filha do notável comediante brasileiro Procópio Ferreira, a Bibi, mostrando ser uma legítima herdeira da cara e do talento paterno. Há detalhes nesse quadro que valem um filme, como, por exemplo, o dos brinquedos, animando-se, colaborando na cena, com a pequenina artista".

"Legítima herdeira da cara e do talento paterno"... perversidade típica de Magalhães. Diz, ainda, o crítico: "Mas onde o filme supera quaisquer outros é na apresentação dos lindos aspectos panorâmicos da cidade. Maravilhosas, as fotografias que Humberto Mauro enquadrou. Cidade-Mulher é um cartaz vivo, animado, fulgurante da nossa metrópole feiticeira". (A Noite, 17/7/36)

Propaganda de "Cidade-Mulher" em "O Jornal", 26/7/36. Difícil não notar que no cartaz
há lugar para Humberto Mauro, coadjuvantes como os Irmãos Amaro, José Vieira, Mara
Pereira e até Bibi. Mas o galã do filme, Mário Salaberry, ficou de fora.

No dia 27 de julho de 1936, Cidade-Mulher finalmente estreou no Alhambra. Celestino Silveira deixou um microfone aberto no hall do cinema para que fosse irradiada, ao vivo, a impressão dos espectadores sobre o trabalho de Mauro e Carmen, mas aconteceu o que se esperava: a estréia foi decepcionante, a reação do público e da imprensa foi decepcionante e o filme em si decepcionou. As opiniões convergiram nas qualidades e nos defeitos. Jayme Costa, Sarah Nobre e Bandeira Duarte foram bem; Carmen e Mário não convenceram como casal; os números musicais agradaram sem ser espetaculares.

Mara Costa Pereira
Não encontrei a crítica de Zenaide Andrea, mas no dia 28 um articulista com o pseudônimo de "Faustus" fez uma análise coberta de ironia na Gazeta. Impossível não rir com o que diz sobre Orlando Silva, ou de ficar na dúvida se ele de fato esqueceu de colocar o nome “Bibi” quando se refere a ela, ou se chamou-a de “Procópio Ferreira” por pura maldade:

A Brasil Vita Film desta vez fez um filme-revista. É verdade que o Sr. Henrique Pongetti estava logo à entrada do Alhambra, junto ao recebedor de bilhetes... Era a hora da exibição... Quando saímos o Sr. Pongetti continuava no mesmo lugar. Naturalmente ele não viu o filme... Fez bem!... Gostamos da marcha "Cidade-Mulher", de Noel Rosa, até o Orlando Silva soltar um "risiste" que teve o efeito de uma bomba. Depois o "risiste" foi bisado. Gostamos dos números de canto (composição e interpretação) de Procópio Ferreira. Coitadinha da "macumba" de Mara! Que frio!... Mara parecia uma boneca de carne espetada, parada, num "tan-tan" fantástico. (...) A declamação da "Dama do Cabaré", por Carmen Santos, "ninguém não viram". Em tempo: Carmen Santos não cantou... (Gazeta de Notícias, 28/7/36)

O número da "Macumba", com Mara Costa Pereira, que tanto agradou Magalhães Jr.
e desagradou Faustus (O Cruzeiro, 21/3/36)

Mais equilibrado, L. S. Marinho fez sua crítica no Correio da Manhã. Salta aos olhos o tom de complacência. Marinho parece criticar de um lado e se desculpar pelo outro:

Mário Salaberry, Carmen e Jayme Costa
A cinematografia indígena ali está palpitante, nas qualidades e nos defeitos. Muito compreensível que um filme nacional possua qualidades e defeitos, do que defeitos sem qualidades. Daí “Cidade-Mulher” estar vencendo em toda linha. (...) Pelo menos, o filme da Brasil Vita Film apresenta-se num gênero diferente do que temos visto, num argumento leve e bem dialogado de autoria de Henrique Pongetti, na direção de Humberto Mauro, músicas originais, boas canções, e um excelente trio de comédia: Jayme Costa, Sarah Nobre e Bandeira Duarte. Força é dizer que o filme pertence a este trio. Carmen Santos aparecendo poucas vezes, vai bem em quase todas as cenas, muito embora a comédia não seja o seu forte. Enfim, lutando-se como se luta no Brasil na produção de um filme, o brasileiro deve compreender que, mesmo sem querer entrar em concorrência com os filmes estrangeiros (o que seria ridículo pensar), este ano somente apresentamos um único filme até então: “Cidade-Mulher”. Isso prova bastante os obstáculos que os produtores encontram para a realização de seu ideal. (Correio da Manhã, 29/7/36)

Importante essa última colocação, considerando que aquele foi ano de Alô, Alô, Carnaval. Assim como ocorreu à Gazeta, não encontrei a crítica de Alfredo Sade em A Batalha, mas encontrei o comentário ácido de um articulista que se intitula “Microgênico”:

Lançamento de "Cidade-Mulher" em São Paulo (Correio Paulistano, 30/8/36)

Aproveitei, então, a folga para ir apreciar “Cidade-Mulher”. Quando a fita terminou, saí do Alhambra com a impressão de ter visto mais pernas e curvas femininas do que propriamente arte. E fiquei pensando seriamente se houve ou não eficiência no auxílio dos artistas do nosso broadcasting para o sucesso do filme. Cheguei à conclusão de que não houve eficiência nenhuma, e a razão é simples: o sucesso de “Cidade-Mulher” não correspondeu à expectativa, a não ser que "sucesso" queira dizer pernas de fora. Neste caso sim, houve sucesso à beça. (A Batalha, 30/7/36)

A crítica do Diário de Pernambuco seguiu essa mesma linha: "A Brasil Vita Film fez aqui, nesse caso, um prodígio: conseguiu que as mais jovens e galantes das nossas estrelas de rádio aparecessem em Cidade-Mulher em números de conjunto, cantando e dançando como girls, despretensiosamente, em grupos esbeltos, sem nome no cartaz...". (9/8/36)

Além dos elogios serem escassos e genéricos, o vetusto Viriato Corrêa ficou ofendidíssimo com o cabeleireiro gay de Bandeira Duarte, e queixou-se através de sua coluna no Jornal do Brasil. Disse que não condenava o filme, mas “o mau gosto de quem permitiu a apresentação do ator cômico que faz na fita o papel de cabeleireiro dos cães. (...) Não há defesa possível para esse moço Bandeira Duarte. Sem a mais vaga veia de jocosidade, apela até para o triste recurso de efeminar a voz e os trejeitos. (...) Não devemos nunca baixar o nível. A efeminação de figuras, com o intuito de provocar o riso, atualmente já nem se pode chamar um remoto lugar-comum da palhaçada, é um processo infeliz que só serve para desmoralizar as tentativas de arte”. (Jornal do Brasil, 31/7/36)

Viriato era opinião única nesse sentido. Como se viu na crítica de L. S. Marinho, Duarte agradou muito com sua performance. É o que ratifica o espectador Renato Freitas, em análise interessante que enviou a O Imparcial, e que segue também a linha de Marinho em bater e assoprar:

Irmãs Pagãs, em cena de "Cidade-Mulher"
(O Cruzeiro, 4/4/36)
Jayme Costa, em torno do qual gira a parte cômica do filme, tem oportunidade de exibir, mais uma vez, os seus ótimos predicados artísticos. Sarah Nobre completou com Jayme Costa o “double” cômico do filme. O par amoroso, formado por Carmen Santos e Mário Salaberry, é bem inferior à dupla cômica. Carmen Santos, visivelmente deslocada, ainda não produziu trabalho de grande mérito. (...) O intelectual Bandeira Duarte foi felicíssimo no seu debut cinematográfico. Foi um tanto exagerado, porém é mais uma exigência do papel do que um defeito de representação. (...) Entretanto, a parte mais linda e luxuosa do filme é a revista, à qual não faltam nem melodias lindas que só o talento de Noel Rosa sabe criar, nem a graciosidade das pequenas do nosso broadcasting. Nela destaca-se Orlando Silva. A sua atuação na marcha que dá nome ao filme, ao lado das Irmãs Pagãs, vale por uma notável performance. (...) O trabalho de Humberto Mauro, conquanto ressinta de um enredo original e seja inferior à "Favela dos meus amores", agradará a todos os fãs, sempre condescendentes para com o cinema nacional. (O Imparcial, 4/8/36)

É difícil dizer se um filme daquela época era ou não um sucesso financeiro. Como os intermediários eram poucos, é possível que eles dessem dinheiro nas sucessivas exibições nas capitais e no interior. Ressalte-se também que o ingresso podia ser baixo, mas cinemas com mais de mil lugares eram comuns. Carmen provavelmente recuperou seu investimento, embora dinheiro não lhe faltasse e não fosse a razão de seu sacerdócio cinematográfico. Cidade-Mulher ficou cerca de um mês no Alhambra. No início de agosto ela soltou um comunicado “aos exibidores do Brasil”, dizendo que a Brasil Vita “fará diretamente, a partir de Cidade-Mulher, a distribuição de suas produções, através de seu departamento de distribuição”. No mato sem cachorro de ter um filme pronto e estreado e nenhuma distribuidora, ela foi à luta. Em setembro o filme estreou no Pathé. Em dezembro ela anunciou um contrato com a desconhecida “DN”, que suponho ser “Distribuidora Nacional” para a distribuição de seu trabalho mais recente pelo resto do Brasil. Se isso aconteceu, não sei.

Propaganda da estréia de "Cidade-Mulher" no alhambra
de São Paulo (Correio Paulistano, 30/8/36)

Ao contrário de Favela, que entraria pela década de 40 sendo considerado o primeiro grande filme brasileiro, lotando cinemas em sucessivas reprises, e geralmente considerado muito superior a qualquer um dos AlôsCidade-Mulher foi esquecido rapidamente. Humberto Mauro e Carmen pouco falariam sobre o assunto. Pongetti, eterno espírito de porco, recalcado e infeliz por nunca ter conseguido transcender os gêneros mais rasteiros da literatura ou da dramaturgia, lançaria anos depois um vômito de bile sobre suas duas associações com a Brasil Vita, tentando culpar Mauro e Carmen por suas próprias falhas. Curioso é o depoimento de Orlando Silva, seis anos depois, à Scena Muda:

Orlando Silva
Apareci na tela duas vezes e fiquei desiludido. Não gostei do que fiz em “Cidade-Mulher” nem do que me mandaram fazer em “Banana da Terra”. Fui convidado para trabalhar com insistência em novas fitas nacionais e a todas dei a mesma resposta: Não. Só voltarei a filmar quando me for permitido ler e analisar com calma a minha tarefa no filme, com a faculdade de escolher eu próprio meus números musicais e os acompanhamentos, com o direito imprescindível de julgar o meu trabalho depois de pronto. (4/8/42)

Ou conseguiu o que queria, ou voltou em sua palavra, porque ao tempo dessa entrevista Orlando já trabalhara em Laranja da China, dirigido pelo mesmo Ruy Costa de Banana da Terra, e seguiria trabalhando em musicais por toda a década de 40.

Quanto à Bibi, só voltaria ao cinema anos depois. É assunto para outro texto. Vale lembrar, a título de curiosidade, que trabalhou em 1949 com Leo Marten, o diretor de A Carne e Mlle. Cinéma, com Carmen. O filme teve o infeliz nome de "Almas Adversas" e ela contracenou, entre outros, com o ator Fregolente. Pergunto certo dia à Bibi se o filme existe. Sua resposta: "Não tenho idéia".

Ouro Verde sumiu no arquivo de idéias não-realizadas de Carmen. Um mês depois da estréia de Cidade-Mulher ela declarou que "não considero Favela e Cidade-Mulher como realizações definitivas, pois eles são, na verdade, simples experiências de quem quer ir mais longe, e vai com calma, sem vaidade de espécie alguma. (...) Quando ficarem prontos os meus novos estúdios, cuja construção tem sido retardada por exigências burocráticas, iniciarei então uma fase nova de filmagem e aí sim espero fazer qualquer coisa de definitivo, que corresponda à simpatia do público. (A Noite, 7/8/36)

Carmen, no papel de Bárbara Heliodora
Ela manteve o foco em Minas Gerais e decidiu escrever e dirigir um épico sobre a Inconfidência Mineira, no qual interpretaria Bárbara Heliodora, dando vazão, finalmente, ao talento que sentia ter represado até aquele momento. O projeto foi anunciado no ano seguinte a Cidade-Mulher mas demoraria para decolar. Em 1939 os estúdios da Brasil Vita ficaram prontos. No ano seguinte, como Inconfidência não acontecia, ela interpretou a viúva Luciana, em Argila, roteiro e direção de Humberto Mauro, filmado nos estúdio de Carmen.

Os anos 40 ela passou em uma batalha sem fim para produzir, dirigir e protagonizar Inconfidência Mineira. Conseguiu conclui-lo em 1948. A reação foi fria, semelhante à da crítica de Cidade-Mulher: Carmen era esforçada, batalhadora, perseverante, uma pioneira, etc., mas tanto o filme, quanto o roteiro e sua performance estavam abaixo do esperado. Ela não suportou o golpe da rejeição ao trabalho que lhe consumira tantos anos, e abandonou o meio.

Carmen Santos
(1904/1952)
A Brasil Vita ainda produziu dois filmes. Em 24 de setembro de 1952, aos 48 anos, Carmen morreu de câncer. Seis anos depois, o destino lhe pregou uma última peça: um incêndio aniquilou parte dos estúdios da Brasil Vita, e nele foram destruídas as únicas cópias de Favela dos meus amores, Cidade-Mulher e Inconfidência Mineira. A posteridade, portanto, só conhecerá esses trabalhos de Carmen pelas fotos e pela imprensa.

“E que é Cidade-Mulher?”, perguntava a Fon Fon de 11 de julho de 1936. A resposta:

Um poema em celulóide dedicado ao Rio de Janeiro, à galantaria das suas mulheres, ao bom humor do seu povo, à beleza das suas praias, e tudo isso com palavras amáveis de Henrique Pongetti e melodias buliçosas ou românticas de Noel Rosa.

O Diário de Pernambuco de 9 de agosto também perguntou: “Que é, afinal, Cidade-Mulher? Uma comédia musicada? Uma Revista? Um cocktail de mil coisas diversas — canções, sambas, bailados, anedotas — feito para divertir o povo?” A resposta:

É uma comédia-revista, porque possui o inteiro arcabouço de uma comédia, dentro da qual se colocaram, como números de atração, mas tudo mais ou menos ligado por um mesmo e único motivo — o elogio do Rio de Janeiro — uma dezena de meninas bonitas, melodias ótimas de Noel Rosa, a brejeirice de Bibi Procópio Ferreira, a voz estranha de Mara, e uma infinidade de outras coisas bem escolhidas e bem dosadas para que mais agradável ficasse esse poema em celulóide feito em homenagem à cidade mais gostosa do mundo...

Sim. Mas foi também a visão única e inimitável de Humberto Mauro, misturada ao sangue, ao suor, às lágrimas e à saúde de Carmen Santos.

No dia 27 de julho, tanto o lançamento de Cidade-Mulher quanto a estréia de Bibi no cinema completam 80 anos.



FIM DA SEGUNDA PARTE
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VEJA TAMBÉM:
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BIBLIOGRAFIA
  • A Batalha
  • A Noite
  • A Notícia
  • A Ofensiva
  • Correio da Manhã
  • Correio Paulistano
  • Diário Carioca
  • Diário de Pernambuco
  • Gazeta de Notícias
  • Jornal das Moças
  • Jornal do Brasil
  • O Jornal
  • O Radical
  • A Scena Muda
  • Cinearte
  • Fon Fon
  • O Cruzeiro
  • O Malho
Agradecimento a Laura Macedo e Milton Baungartner

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