Acima: James O'Neill, Mary Ellen O'Neill, Jamie O'Neill e Eugene O'Neill. Abaixo, Fredric March, Florence Eldridge, Jason Robards e Bradford Dillman |
Quando ele começou Long Day's Journey, foi a experiência mais estranha assistir aquele homem ser torturado todos os dias por seu próprio texto. Ele saía de seu escritório no fim do dia abatido e por vezes chorando. Seus olhos estavam vermelhos e ele parecia dez anos mais velho do que quando entrara, pela manhã. Acho que ele se sentiu mais livre quando pôs isso para fora de seu organismo. Foi sua maneira de fazer as pazes com sua família. E consigo mesmo.
Ele me explicou que tinha que escrever esta peça sobre sua juventude e sua família. Era uma coisa que o assombrava. Ele foi forçado a escrevê-la. Era algo que saiu de seus intestinos, ele tinha que por isso para fora, ele tinha que perdoar o que quer que tivesse causado esta tragédia entre ele e sua mãe e seu pai. (Carlotta Monterey O’Neill)
"Long Day's Journey Into Night" é como um romance de Dostoevsky no qual Strindberg escreveu os diálogos. (Brooks Atkinson)
O'Neill, em foto do grande Carl Van Vechten |
Essa vida no mar podia ser rica e servir de inspiração para muitos de seus trabalhos, mas nada se comparava à matéria-prima que O’Neill tinha dentro de sua própria família, sobretudo quando ela se reunia na casa de veraneio, a “Monte Cristo Cottage” na cidade de New London, estado de Connecticut. Era para ser um retiro de verão, mas como o patriarca da família era ator e passava a maior parte do ano em turnê, eles efetivamente não tinham outra casa. O nome da residência é homenagem à peça que deu fama e fortuna ao ator.
James interpretando Hamlet, c. 1897 |
Em 1875, em Chicago, depois de uma vitoriosa temporada junto a Booth, James interpretou o papel de Edmond Dantès em Monte Cristo, adaptação teatral de Charles Fechter para o romance de Alexandre Dumas. Sendo parte de um repertório, a peça teve um êxito moderado e James seguiu em frente. Somente oito anos depois, em 1883, o destino opera a grande mudança de sua vida. A mesma adaptação de Fechter estava em cartaz em Nova York, com o ator Charles Towne no papel principal. Depois da primeira apresentação, o ator morreu subitamente e James foi chamado às pressas para substituí-lo. O que se imaginava uma substituição fortuita, tosca, não programada e que possivelmente desagradaria fãs e admiradores de Towne acabou resultando em um sucesso retumbante. A reação foi bem mais positiva do que aquela geralmente recebida pelo ator que acabara de morrer. Uma companhia foi criada a toque de caixa para que a montagem com James entrasse em turnê e os lucros foram estratosféricos. Com bom tino comercial, ele comprou os direitos da peça e transformou-a em uma máquina de fazer dinheiro.
James tenta fugir do Château d'if, c. 1900 |
O Conde de Monte Cristo |
Em 1877, ainda no excitante período ascensional de sua carreira, James se casou com Mary Ellen Quinlan e no ano seguinte nasceu o primeiro filho de ambos, James O’Neill Jr. Em 1883 nasceu Edmund — morto pelo sarampo, dois anos depois — e em 1888 nasceu Eugene, concebido, aparentemente, para apaziguar a tristeza do casal pela perda prematura de Edmund. O parto de Eugene, entretanto, foi problemático e prejudicou a saúde de Mary Ellen. Premida por dores terríveis, ela recebeu de seu médico doses de morfina, cuja propriedade altamente adictiva e seus devastadores efeitos colaterais ainda não eram bem conhecidos. Mary ficou viciada em morfina por mais de duas décadas, passou por diversos tratamentos e isso terá sido motivo de grande ressentimento, consciente e subconsciente, de James e James Jr,. em relação a Eugene.
Para que se tenha uma idéia da falta de informação sobre Mary Ellen, existem por aí quatro fotos supostamente dela, todas diferentes. Uma delas é essa, ao lado, que eu vi como sendo de Mary num documentário seriíssimo da PBS. Só tem um problema: essa é Eleonora Duse.
Mesmo doente, ela acompanha James em suas turnês. Inicialmente porque o marido pedia que ela fosse, e depois porque ela já não podia mais ficar sozinha, tendo o problema do vício.
James Jr. — também chamado de Jamie ou Jim — carregou por toda sua juventude o pesadíssimo fardo de seu nome e das ambições frustradas de seu pai. Não tendo nem a vontade de se tornar ator e nem o talento de seu progenitor, Jamie fracassou no teatro e acabou herdando somente os talentos marginais do pai, ou seja, uma inclinação excessiva e descompromissada pela bebida e pelas mulheres. James Sr., porém, aprendeu de alguma forma a equilibrar seu próprio alcoolismo com o trabalho e a vida familiar; sua infância miserável lhe incutira um pavor sobre-humano da pobreza e ele não ia permitir que um vício o levasse de volta àquela vida desgraçada que ele tanto lutou para transcender. Fosse qual fosse o preço que seus familiares e seus colegas de palco tivessem que pagar por seu temperamento ou por sua sovinice, ele era responsável e não deixava sua companhia na mão, e nem deixava de prover para sua família.
Mesmo doente, ela acompanha James em suas turnês. Inicialmente porque o marido pedia que ela fosse, e depois porque ela já não podia mais ficar sozinha, tendo o problema do vício.
James Jr. — também chamado de Jamie ou Jim — carregou por toda sua juventude o pesadíssimo fardo de seu nome e das ambições frustradas de seu pai. Não tendo nem a vontade de se tornar ator e nem o talento de seu progenitor, Jamie fracassou no teatro e acabou herdando somente os talentos marginais do pai, ou seja, uma inclinação excessiva e descompromissada pela bebida e pelas mulheres. James Sr., porém, aprendeu de alguma forma a equilibrar seu próprio alcoolismo com o trabalho e a vida familiar; sua infância miserável lhe incutira um pavor sobre-humano da pobreza e ele não ia permitir que um vício o levasse de volta àquela vida desgraçada que ele tanto lutou para transcender. Fosse qual fosse o preço que seus familiares e seus colegas de palco tivessem que pagar por seu temperamento ou por sua sovinice, ele era responsável e não deixava sua companhia na mão, e nem deixava de prover para sua família.
Jamie |
Da esq.: Eugene O'Neill, seu irmão mais velho Jamie e o pai, James O'Neill. Monte Cristo Cottage, c. 1900 |
Monte Cristo Cottage... nem tanto o "summer dump" de que fala O'Neill. |
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Eugene por Van Vechten, 1933 (e as seis a seguir) |
Com exceção de Mary — como veremos daqui a pouco — não há exatamente “áreas cinzentas” na análise dos personagens reais dramatizados por O’Neill: James é frio. Suas emoções estão mais à flor da pele do que dentro dele. Ele apenas reage. É sentimentalista mas não é sensível. Fora do ambiente familiar ele é gentil e divertido. Já como homem de família é um desastre. Não foi bom pai e não foi bom marido. Não deixou o essencial faltar à família, mas emocionalmente esteve e está ausente. Vive o paradoxo de coração versus cérebro: acerta em cheio quando condena Jamie por ter envenenado Edmund com seus maus exemplos e tê-lo tornado velho antes do tempo; acerta quando condena a vida desregrada levada por Edmund e acerta quando tenta convencer Mary a sair um pouco de casa. Mas erra na execução. Não é capaz de ver a frustração e o vazio existencial de Jamie; quando é confirmada a tuberculose de Edmund, seu primeiro comentário é o de que isso certamente não vem “do seu lado da família”; e não gasta um centavo para tornar a casa um lugar mais agradável e familiar, o que acabaria com a necessidade de Mary ter um carro.
A antiga pobreza e o medo de acabar seus dias em alguma instituição governamental de auxílio a mendigos instilaram-lhe uma avareza crônica, encarniçada, que se por um lado o ajudou a ficar rico, por outro foi o flagelo de sua vida. Foram a avareza e o apego ao dinheiro que liquidaram sua carreira artística; foram responsáveis pela escolha de médicos despreparados que provocaram o vício de sua mulher e toda a desgraça conseqüente disso; são responsáveis pela casa mal-acabada que tanto desagrada sua mulher; e por fim é aventado que se Edmund tivesse sido levado a um bom médico logo no início de sua doença, e não a um médico barato, talvez sua tuberculose tivesse sido debelada antes de chegar ao ponto em que chegou. Quando a peça se desenrola James está vivendo num processo de inércia, no qual não tem mais como voltar atrás em seus erros e passará o resto dos seus dias tendo que responder por eles.
Não é simples falar de Mary porque ela já começa derrotada, por estar sob o jugo de um vício tão cruel, e isso joga um farol de compaixão instantâneo sobre ela. Vamos vê-la unicamente como vítima da avareza do marido e uma mulher que está se consumindo e definhando na presença apalermada e impotente de seus familiares. É preciso passar por cima disso e ver mais a fundo. O critico inglês Kenneth Tynan disse certa vez que embora ela fosse “uma vítima patética na superfície”, ela era, de fato, “uma vampira emocional”. Há relativa verdade nisso, quando vemos sua necessidade constante de dizer o quanto odeia aquela casa, o quanto odeia a cidade e o quanto, em última análise, sua vida parecia ser muito melhor antes de se casar. Culpa James pela degradação moral de Jamie e defende James quando fala com o filho; culpa Jamie e a si própria pela morte de Eugene, culpa James pela iniciativa de terem mais um filho, culpa Edmund por seu vício — I never knew what rheumatism was until after you were born — e também o culpa por sua recaída: The doctor there had warned me that I must have peace at home with nothing to upset me, and all I’ve done is worry about you.
É aí que reside, entretanto, a dificuldade de analisar a personalidade de Mary. No que tange às suas queixas sobre James, ela não apenas tem toda razão como não seria o caso de julgar seu caráter por estar em desacordo com o marido em uma série de questões; é uma questão de temperamento. Ela é voluntariosa, insubmissa e gostaria que o marido gastasse mais com ele mesmo e com a família. O que ela teve foi azar de ter nascido em uma época em que a mulher não podia fazer nada, confrontada com uma situação dessas. Já em relação à mordacidade de seus comentários com os filhos, com James, até com Cathleen, e as intrigas que provoca, há que relativizar; ela tem defeitos, sem dúvida, não é perfeita. É imatura, egoísta e mimada com alguma freqüência, mas há momentos em que a linha que separa a sanidade e a coerência, da confusão mental de um viciado em morfina se torna tênue e são diversas as vezes em que não sabemos se é Mary falando, ou se, citando James, it’s the poison talking. E por esse raciocínio, o que se verifica é que Mary é uma mulher maravilhosa, mas, como o bêbado que se torna agressivo ou o paciente de Alzheimer que grita e xinga sem qualquer razão, ela perdeu o controle volitivo de sua argumentação e agredirá, pura e simplesmente, quem estiver contra ela em seus momentos agudos de crise. Quase sempre pedirá desculpas, envergonhada, por saber que está errada. Vem à mente uma das mais notáveis e inspiradas falas de Mary:
How could you believe me, when I can’t believe myself? I’ve become such a liar. I never lied about anything once upon a time. Now I have to lie, especially to myself. But how can you understand, when I don’t myself. I’ve never understood anything about it, except one day long ago I found I couldn’t call my soul my own. (2º Ato, cena II)
Jamie está mais próximo do que qualquer um dos outros ao personagem real. É o proverbial “Júnior” que falhou em ser a continuação (e o melhoramento) do “Sênior”. Já era velho o suficiente para ver o pai bebendo e imitá-lo, para absorver todos os vícios e imoralidades da companhia teatral de James, para pegar a mãe no banheiro com uma seringa, injetando-se uma dose de morfina, para ver o irmão mais novo entregando-se à vida de peito aberto, e tudo isso o fez um adulto ressentido, frustrado e infeliz. A cobrança excessiva sem o devido respaldo emocional quebrou seu espírito e tornou-o acomodado. Não prosperou no amor ou nos negócios e passa sua vida, como se diria antigamente, “na orgia”, ou seja, bebendo e relacionando-se com as prostitutas que atravessam sua vida, seja nas temporadas teatrais ou nos verões em New London. Seu diálogo final com Edmund é um lamentável atestado de insopitável inveja, confessa e manifesta, do irmão fracassado diante do irmão de estrela ascendente.
Edmund é um extrato do inconformismo adolescente, de idealismo juvenil e de uma família caindo de podre. Seu período de tropelias marítimas pode até ter deixado uma lembrança intensa, mas só existiu para que ele se provasse aos pais e a si mesmo. Uma panacéia que mistura aventura, experiência e largas doses de imaturidade e total comodismo. Não consigo encontrar sentido ou catarse nas histórias de O’Neill dormindo em bancos de praça em Buenos Aires ou em espeluncas nesta ou naquela cidade portuária. Ele nunca foi pobre, estudou nas melhores escolas, teve a melhor formação e se viveu durante um tempo como um vagabundo bêbado por aí, foi inteiramente por decisão sua. James, no fim das contas, tem toda a razão quando diz a Edmund que aquilo foi “a game of romance and adventure to you. It was play”. Concordo.
É possível, como diz Edmund, que ele fosse mais feliz se “tivesse nascido uma gaivota ou um peixe”, mas o que se sobressai, em caso concreto, é que seu grande problema era a família. Embora duramente marcado pelas desgraças pessoais e revelando um princípio de depressão (que iria fustigar O’Neill anos depois), Edmund é obviamente o único dos Tyrones que está em sintonia com a realidade e ainda tem a vida pela frente. É o único deles que pode sair vivo da lenta destruição de sua família. De forma nenhuma ileso (fracassará em dois casamentos, terá seus próprios embates com o alcoolismo e será também um péssimo pai para os três filhos), mas vivo.
Em linhas gerais, a peça será sobre descobertas e o fim da ilusão de uma família minimamente funcional: 1) James, Jamie e Edmund descobrirão que Mary teve uma recaída e voltou a usar morfina. 2) Ela voltou a usar morfina porque suspeitou de algo que todos desconfiam e confirmarão ao longo daquele dia: Edmund está tuberculoso. 3) James descobrirá que Mary culpa Jamie pela morte de Eugene (Jamie estava com sarampo e entrou no quarto da criança, passando-lhe a doença e Mary acha que foi de propósito); que ela considera seu vício uma vingança da Virgem Maria por ela ter parido uma criança depois de perder Eugene; que ela não teria se casado com ele se soubesse que ele bebia tanto e, por fim, que ela detesta aquela casa e nunca a considerou um lar. 4) James descobrirá que todos eles o culpam tanto pelo vício de Mary quanto pela tuberculose de Edmund, por ser miserável e ter sempre contratado os médicos mais baratos e incompetentes, quando ainda havia alguma chance de evitar ambos os problemas. 5) Edmund e Jamie descobrirão que James é tão avarento e insensível que é capaz de gastar uma pequena fortuna na compra de um terreno que não precisa, mas não quer gastar mais do que o mínimo no sanatório para onde Edmund será enviado. 6) Edmund descobrirá que Jamie o ensinou a beber e a viver de forma auto-destrutiva por ressentimento e inveja.
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Embora LDJ (sigla pela qual me referirei à Long Day's Journey into Night) termine de forma triste e melancólica, prenunciando um destino de desgraças para todos eles, os anos seguintes não foram tão ruins: na peça, Edmund se recusa a ser internado em uma instituição pública, bancada pelo estado para pessoas pobres. O pai então sugere uma outra instituição, esta utilizada por “milionários donos de fábricas” para o tratamento de seus próprios funcionários. Edmund se cansa de discutir o assunto e aceita ser internado lá. Na realidade, a primeira internação de Eugene foi em uma “state farm”, o Fairfield County State Tuberculosis Sanatorium, uma instituição minúscula, paupérrima, na cidade de Shelton, oeste de New London, e ele agüentou dois dias até convencer seu pai de que não ficaria lá de jeito nenhum.
Por recomendação de outro médico, Eugene acabou sendo internado no Gaylord Farm Sanitarium, em Wallingford, também a oeste, só que mais próxima a New London. A peça fala que em seis meses ele estaria curado. Eugene levou cinco meses. Sua internação foi benéfica. Ele teve tempo para pensar, meditar e processar o que havia sido sua vida até então. No sanatório ele conheceu a obra do dramaturgo August Strindberg (na tradução de Edwin Björkman, imagino, lançada nos Estados Unidos naquele mesmo ano), considerado o criador (junto a Ibsen) do teatro realista e morto meses antes, em maio de 1912. O’Neill ficou maravilhado com a obra do sueco e foi graças a Strindberg que ele começou a escrever seriamente para teatro. Saiu renovado da instituição, pela qual guardou carinho nos anos vindouros.
August Strindberg |
Há indicações de que durante a primavera de 1914 Mary passou por uma última internação que a afastou definitivamente da morfina. Não há informações precisas sobre o local onde isso ocorreu. Provavelmente em Nova York. Ela viveu o resto daquela década acompanhando James e Jamie em turnê pelo país, como sempre.
Agnes Boulton |
James, Mary e Jamie morreram com um intervalo de três anos: James teve câncer no intestino e um atropelamento apressou sua morte, que ocorreu em 10 de agosto de 1920. Ele tinha 72 anos, mas viveu para ver Eugene receber seu primeiro Pulitzer meses antes, pela peça Beyond the Horizon.
Mary Ellen fez uma mastectomia em 1919. Com a morte de James ela vendeu a “Monte Cristo Cottage”, e no ano seguinte teve um tumor no cérebro. Morreu em 28 de fevereiro de 1922, aos 64 anos. Sem saber, talvez, do segundo Pulitzer dado a seu filho, pela peça Anna Christie.
Cerca de um ano e meio antes de morrer ela conseguiu fazer Jamie parar de beber. Sua morte interrompeu a abstinência do filho primogênito e ele mergulhou na bebida como um náufrago se agarra a uma tábua de salvação. Com a saúde combalida por décadas de alcoolismo, Jamie sucumbiu de vez com a morte da mãe; morreu em 8 de novembro de 1923, com apenas 45 anos. Eugene não esteve presente a seu enterro. Quem cuidou de tudo foi sua esposa Agnes.
Capa da Time, 1924 |
O Nobel de O'Neill |
Carlotta e Eugene, 1929 |
Eugene por Van Vechten, 1933 (e as duas a seguir) |
Depois da cena com Hogan, Josie e Harder, que Jamie assistiu escondido, divertindo-se, de dentro da casa, no sítio, ele marca um encontro com Josie, à noite, e vai para o velho Inn. Hogan se encontra com ele mais tarde e volta para o sítio indignado. Diz à Josie que Jamie voltou atrás na promessa e vai aceitar a proposta de Harder, que foi feita no Inn através do assessor de Harder. Mas é mentira; a proposta foi feita e Jamie só aceitou porque no dia seguinte se encontrará com Harder para assinar o contrato e quer ter o prazer de negar tudo e vender o terreno a Hogan, humilhando Harder ainda mais. Josie morde a isca e responde que a única maneira de fazê-lo cumprir o que prometeu é que quando ele chegar para o encontro com ela, ela o deixará bêbado até ele dormir e o carregará para sua cama. No dia seguinte Hogan aparecerá com testemunhas, encontrarão os dois na cama e ela terá o direito, pela lei da época, de exigir que ele se case com ela.
Ele não dorme com ela, mas permitindo que ela o possua com seu amor, abrindo-se até que tudo o que está escondido venha à tona, respondendo a seu poder ao se tornar seu amante e seu filho, ele descobre nela não só a mulher, a prostituta, mas a pureza que é maternal e tem o poder de conceder a absolvição. Enquanto ele a ama e se entrega, ela se torna como uma deusa lendária, virgem, prostituta e mãe, todas as mulheres, de Mary Tyrone até Fat Violet até a Porca Loira do trem, e o que é eterno na mulher é trazido à tona por ela para absolvê-lo antes que ele morra.
Oona: lindíssima |
A elegia a seu irmão acabou se tornando o último texto escrito por O’Neill. Carlotta disse, anos mais tarde, que O’Neill morreu ali, e que seus últimos dez anos de vida foram “um inferno”.
Em 1945 O’Neill entregou o manuscrito de LDJ para a Random House, sua editora, com o compromisso de que o texto só viria a público vinte e cinco anos após a sua morte. Uma segunda cópia lacrada foi enviada para o arquivo que a Universidade de Yale dedicava ao dramaturgo.
James Dunn |
Primeira edição de "Moon" |
Inseguro com o destino da montagem, O’Neill recomendou que ela tivesse pequenas temporadas por cidades do interior, expediente comum utilizado para testar um espetáculo antes de sua estréia em uma capital. A peça teve sua premiere em 20 de fevereiro de 1947 em Columbus, Ohio. Seguiu em março para Pittsburgh e Detroit. Em ambas as localidades aconteceu algo que ninguém previu: a peça teve problemas com a censura. Josie tem fama de ser uma prostituta e alimenta essa fama, embora na verdade ela seja virgem. O suficiente para horrorizar os pudibundos. Terminada a mini-temporada em St. Louis O’Neill pediu que ela fosse retirada do cartaz. O texto foi publicado em 1952, mas enquanto ele foi vivo a peça não foi mais encenada.
A sweet spectacle for me! My first-born, who I hoped would bear my name in honour and dignity, who showed such brilliant promise! (...) A waste! A wreck, a drunken hulk, done with and finished! (4º Ato)
Aniquilado pela saúde e pela vida, O’Neill morreu em Boston, em 27 de novembro de 1953, aos 65 anos. Dois a mais que Strindberg. Deixou cinco peças inéditas: além de LDJ ele concluiu Hughie em 1941 e A Touch of the Poet em 1942 (enquanto escrevia A Moon), e em seus papéis foram encontrados os manuscritos de More Stately Mansions e The Calms of Capricorn. A Touch e Stately Mansions são as duas peças que ele concluiu do projeto A Tale of Possessors Self-Dispossessed.
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Yale: Primeira Edição |
O primeiro James, Lars Hanson (Todas as fotos dessa montagem sueca são de Carl Mydans, da revista Life) |
Inga Ridblad (Mary) |
Lars Hanson (James) |
Ulf Palme (Jamie), Jarl Kulle (Edmund), Inga Tidblad (Mary) e Lars Hanson (James) |
Lång dags färd mot natt estreou em Estocolmo em 10 de fevereiro de 1956 e não é exagero afirmar que foi o maior acontecimento do teatro sueco até então. O público encheu o teatro todas as noites, a crítica elogiou em uníssono e a peça rapidamente se tornou a maior bilheteria do Dramaten em todos os tempos. A notícia não podia ser melhor para o grupo, já que o acordo dos suecos com Carlotta não previa o pagamento de royalties pela utilização do texto e todo e qualquer dinheiro que entrasse no Dramaten com LDJ seria revertido na distribuição de bolsas para atores da companhia.
Hanson (James), Tidblad (Mary), 1956 |
A curiosidade explodiu nos Estados Unidos e dez dias depois a editora de Yale lançou sua primeira edição de LDJ. O assunto viralizou e um período de ansiosa espera se iniciou, até que a peça chegasse, por fim à Broadway.
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Trinta e dois anos depois: à esquerda, o Edmund de Jarl Kulle observa James (Lars Hanson), em 1956. E à direita, Jarl Kulle interpreta James em 1988, direção de Ingmar Bergman |
Jarl Kulle (James), Dramaten, 1988 |
Sentados: Bibi Andersson e Jarl Kulle. Em pé, Peter Stormare e Thommy Berggren |
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José Quintero |
Enquanto LDJ estreava em Estocolmo, Carlotta já estava em negociações com Oscar Fritz Schuh e sua esposa Ursula, que traduziram a peça para o alemão. Sob direção de Oscar, os ensaios começaram e Eines langen Tages Reise in die Nacht teve sua estréia alemã em 25 de setembro de 1956 no Theater am Kurfürstendamm, em Berlim, como parte do Berliner Festwochen, festival de teatro e cinema que buscava aproximar ocidente e oriente no pós-guerra.
Ensaio de "Eines langen Tages Reise in die Nacht" com Heinz Drache (Jamie), Grete Mosheim (Mary) e Paul Hartmann (James), Berlin, 1956 |
Elisabeth Bergner (Mary) e Bernhard Minetti (James), 1956 |
Da esq: Klaus Jürgen Wussow (Jamie), Martin Benrath (Edmund), Elisabeth Bergner (Mary) e Bernhard Minetti (James), Düsseldorf, 1956 |
Florence Eldridge (Mary) e Fredric March (James) |
Bradford Dillman (Edmund), Jason Robards (Jamie), Fredric March (James) e Florence Eldridge (Mary) |
No dia 29 de outubro de 1956 houve uma pré-estréia no Shubert Theatre de New Haven, cidadezinha de Connecticut a menos de uma hora de New London, onde se passa o drama de LDJ. E a estréia, efetivamente, ocorreu no dia 7 de novembro, no Helen Hayes Theatre, em Nova York. Foi um sucesso extraordinário. Brooks Arkinson, do New York Times deu grande crédito ao elenco:
As performances são deslumbrantes. Como o velho ator que é chefe da família, Fredric March tem um desempenho magistral que será um marco na interpretação de peças de O'Neill. Tacanho, agressivo, tirânico, impulsivo e de língua afiada, ele também tem magnificência — um homem de fortes paixões, lealdades profundas e fundamental humildade. (...) Florence Eldridge analisa o personagem patético da mãe com ternura e compaixão. Como o irmão perverso, Jason Robards Jr., que interpretou Hickey em "The Iceman Cometh", dá outra performance notável que tem tremenda força e verdade no último ato. Bradford Dillman é excelente como o irmão caçula — vencedor, honesto, e ao mesmo tempo ingênuo e perspicaz em seu relacionamento com a família. Katherine Ross desempenha a parte da empregada doméstica com frescura e bom gosto. (08/11/56)
Bradford Dillman (Edmund), Jason Robards (Jamie), Florence Eldridge (Mary) eFredric March (James), Nova York, 1956 |
Jason Robards (Jamie) e Bradford Dillman (Edmund) |
Sentados, Florence Eldridge (Mary) e Fredric March (James). Em pé, Bradford Dillman (Edmund) e Jason Robards (Jamie) |
Florence Eldridge (Mary) e Fredric March (James) |
Depois de alguns meses o ator Albert Morgenstern substituiu Bradford Dillman, que recebeu dezenas de convites e foi trabalhar em cinema e televisão. Em 1957 o espetáculo recebeu o Tony de melhor peça e de melhor ator para Fredric March, além de indicações para Florence, Jason Robards e José Quintero. Como cereja do bolo, O’Neill recebeu postumamente seu quarto Pulitzer. LDJ ficou em cartaz durante dois anos.
Albert Morgenstern (que substituiu Bradford Dillman no papel de Edmund), Fredric March (James) e Jason Robards (Jamie) |
Zimbienski (James) e Cacilda (Mary), Rio, 1958 |
Rara foto colorida de Cacilda como Mary Tyrone (Foto de Antônio Rudge para “O Cruzeiro” de 05/07/1958) |
Anthony Quayle (James) |
Quayle (James) e Gwen Ffrangcon-Davies (Mary), Edimburgo, 1958 |
Theatre World: Gwen Ffrangcon-Davies, Ian Bannen e Anthony Quayle |
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Earle (James) e Gloria Foster (Mary) na montagem de 1981. |
Existe, entretanto, uma versão da ABC transmitida em 1982 com um elenco negro — Earle Hyman (James), Ruby Dee (Mary), Peter Francis James (Edmund), Thommie Blackwell (Jamie) e Rhetta Hughes (Cathleen), dirigida por William Woodman — a partir da montagem teatral do ano anterior dirigida por Geraldine Fitzgerald no Festival de Teatro de Nova York (embora só Earle e Peter tenham permanecido, do elenco original, que trazia Gloria Foster no papel de Mary e Al Freeman no papel de Jamie), mas não consegui encontrá-la na íntegra. Também soube há poucos dias que há uma versão de 2017 transmitida ao vivo da Broadway, com Alfred Molina (James), Jane Kaczmarek (Mary), Stephen Louis Grush (Jamie), Colin Woodell (Edmund) e Angela Goethals (Cathleen), com direção de David Horn. Encontrando-as, talvez eu faça um apêndice para analisá-las.
[1] For Carlotta, on our 12th Wedding Anniversary
Dearest: I give you the original script of this play of old sorrow, written in tears and blood. A sadly inappropriate gift, it would seem, for a day celebrating happiness. But you will understand. I mean it as a tribute to your love and tenderness which gave me the faith in love that enabled me to face my dead at last and write this play – write it with deep pity and understanding and forgiveness for all the four haunted Tyrones.
These twelve years, Beloved One, have been a Journey into Light – into love. You know my gratitude. And my love!
Gene
Tao House
July 22, 1941
Bibliografia:
Agradecimento especial à Larissa Maragno e Cris Ferraz Prade.
• O'NEILL, Eugene. Long Day's Journey into Night. New Haven, Yale University Press, 1989.
• MICHALSKI, Yan. Zimbienski e o Teatro Brasileiro. São Paulo, Hucitec, 1995.
• MURPHY, Brenda. O'Neill: Long Day's Journey Into Night. (pg 93/111)
• VÖLKER, Klaus & BERGNER, Elisabeth. Elisabeth Bergner: das Leben einer Schauspielerin : ganz und doch immer unvollendet. (pg 397)
• http://archive.spectator.co.uk/article/19th-september-1958/13/theatre
• https://blog.geffenplayhouse.org/journey-into-night-7c3588c47bad
• http://collections-static-4.mcny.org/C.aspx?VP3=CMS3&VF=Home
• https://emuseum.duesseldorf.de/view/objects/asitem/2596/26/title-desc?t:state:flow=d64674b4-be3c-4dea-a1cc-bb472c9b9faa
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• https://en.wikipedia.org/wiki/James_O%27Neill_(actor)
• https://en.wikipedia.org/wiki/José_Quintero
• https://en.wikipedia.org/wiki/José_Quintero
• https://en.wikipedia.org/wiki/Long_Day%27s_Journey_into_Night
• http://levyarchive.bam.org/Detail/occurrences/1432
• http://levyarchive.bam.org/Detail/occurrences/1432
• https://partners.nytimes.com/library/theater/021956oneill-journey.html
• http://time.com/4352425/1956-long-days-journey-into-night/
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• http://www.eoneill.com/artifacts/reviews/ldj1_times.htm
• http://www.eoneill.com/artifacts/reviews/ldj1_tribune.htm
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• http://www.eoneill.com/library/on/shaughnessy/review92.htm
• http://www.eoneill.com/library/newsletter/v_1/v-1d.htm
• http://www.historiasdecinema.com/2015/10/conexao-cinema-teatro/• http://www.eoneill.com/library/newsletter/v_1/v-1d.htm
• https://www.ibdb.com/broadway-cast-staff/jason-robards-75024
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• http://www.josephhaworth.com/james_o'neill.htm
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• https://www.newspapers.com/newspage/101005742/
• http://www.nytimes.com/1982/10/18/theater/hospital-remembers-rebirth-of-o-neill.html
• http://www.nytimes.com/1982/10/18/theater/hospital-remembers-rebirth-of-o-neill.html
• http://www.nytimes.com/1987/10/11/nyregion/new-london-remembers-o-neill-with-a-yearlong-tribute.html
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