Bob Hope |
Na busca constante por idéias originais, ele encontrou em sua própria experiência norte-americana os subsídios para encher um roteiro de duas horas. Elementos para ridicularizar, dentro do cotidiano norte-americano, em todas as áreas, não faltavam. Faria troça com a imprensa e com o poder alienador da televisão, veículo ainda relativamente novo; brincaria com os incômodos causados pela imensa tela do Cinemascope, o barulho intolerável nas ruas e nos restaurantes, a febre do rock and roll e a mercantilização do indivíduo. Jerry Epstein, um dos assessores de Chaplin, observa em suas Memórias que a cada novo trejeito, gag ou cena que inventava para o rei, Chaplin comentava: “Bob Hope seria perfeito neste papel!”, uma pequena janela para o cérebro de Chaplin, por onde vemos um comediante que ele admirava, embora fossem totalmente diferentes.
Chaplin e o filho Michael |
Vista aérea dos estúdios Shepperton
Foi uma filmagem difícil. Era o primeiro filme que o cineasta realizava em um estúdio que não fosse seu, com o seu próprio staff em 40 anos. Os ingleses não tinham a mesma eficiência que os norte-americanos e não estavam acostumados ao ritmo ou às manias de Chaplin. Ele mudava seus roteiros constantemente e sempre tinha idéias de última hora, o que obrigava os funcionários a trazer cenários e objetos de cena com extrema rapidez nos horários mais inoportunos. Já na Inglaterra, tudo era mais lento e burocrático. Jerry Epstein conta a história de quando Chaplin, na hora de filmar, mudou a posição de uma cadeira e quase provocou uma greve dos encarregados pelo cenário. As regras sindicais beiravam o ridículo, de tão severas, e Chaplin teria que ter pedido para alguém fazer aquilo, ou estaria invadindo a atribuição profissional de outros. O trabalho se arrastou, tudo era moroso, demoradíssimo, e Chaplin teve brigas terríveis com o câmera, por conta de sua lerdeza. Para piorar, Shepperton era um lugar frio e pouco acolhedor. A cantina do estúdio era uma pocilga com um cardápio pobre e sem graça. Aos domingos não havia quem servisse um café a Chaplin. E como se não bastasse, o hotel para onde ele ia, no fim do dia, era o Great Fosters Hotel, em Egham, que mais parecia uma casa mal-assombrada.
Kay Kendall |
Dawn Addams em 1954, "starlet and bride" |
Uma história deliciosa desse processo é contada por Jerry Epstein. O papel da rainha Irene é pequeno. Ela e Shadov se casaram por um acordo político entre a Estróvia e (aparentemente) a França, e quando o rei é deposto, não vê mais razão para que a rainha permaneça presa a ele pelos laços matrimoniais. Só que se os dois não se amavam quando se casaram, os anos de convivência fizeram surgir uma estima profunda, uma grande amizade, e quando chega o momento de terminar o casamento, a rainha se mostra triste. Quando volta a Paris, depois de um rápido encontro com Shadov em Nova York, a despedida dos dois no aeroporto deixa claro que o fim da necessidade diplomática do casamento deles pode ser, paradoxalmente, o início de um verdadeiro romance. Chaplin tinha a atriz australiana Margaret Johnston em mente para o papel, mas ela estava fazendo Lady Macbeth no teatro. Começaram os testes com inúmeras atrizes na faixa dos 35 a 40 anos. Depois de dias testando uma atriz atrás da outra, Chaplin mandou um aviso a Jerry Epstein pela recepção do hotel Savoy, em Londres: não queria mais ver rainhas. Em uma ironia do destino que poderia tranqüilamente figurar numa das comédias do cineasta, a rainha Elizabeth foi visitá-lo no Savoy e a mensagem, mal-interpretada pelos recepcionistas do hotel, fez com que a rainha desse meia-volta, desconsolada, e se dirigisse à saída. Por sorte algum executivo do hotel se deu conta que havia um engano e correu a tempo de trazer a rainha antes que ela fosse embora, ou seria o fim das boas relações de Chaplin com seu próprio país. No fim o papel foi para a apagada Maxine Audley.
Michael Chaplin |
Olivier Johnston, Chaplin e Jerry Desmonde |
Caviar e sopa de tartaruga, para a compreensão do garçom, que não ouve nada com a barulheira
Chegando ao hotel, ele diz a Jaume que está ansioso para desfrutar da noite jovial e frenética de Nova York. Começam novamente as patadas. Na rua, Shadov e seu embaixador andam espremidos em uma rua movimentada e barulhenta, onde se escutam sirenes, automóveis e uma música hilária de fundo que diz “when I think of a million dollars, tears come to my eyes”, cantada pelo próprio Chaplin. A fim de sair do tumulto os dois entram num cinema onde uma banda de rock toca ao vivo antes do filme começar. É talvez o único momento realmente datado em todo filme, primeiro porque o costume da música ao vivo em cinemas caiu em desuso tempos depois, e segundo porque a intenção era mostrar uma banda de rock e o efeito deletério que o então novo estilo musical tinha sobre os jovens. Só que longe de ser uma banda de rock, o que se vê é uma orquestra, uma big band, e a pergunta de Shadov a Jaume, “do you think this sort of thing is healthy?”, hoje não tem mais qualquer sentido.
Terminada a apresentação da orquestra os dois se sentam e começam a assistir os trailers que precedem o filme. Vem uma divertida crítica à produção cinematográfica norte-americana: os filmes anunciados são todos cretinos ou violentos demais. Assistindo a um tiroteio na imensa tela do Cinemascope, acompanhando os tiros com a cabeça, de um lado para outro, Shadov acaba ficando com torcicolo e os dois saem antes do filme começar. No restaurante em que vão jantar as coisas parecem mais calmas até que o pianista se retira e uma big band começa a tocar ao lado da mesa de Shadov e Jaume. A barulheira da música impede que o velho garçom escute o pedido do rei e Chaplin dá um show de comédia mostrando ao garçom através de mímica que eles querem caviar e sopa de tartaruga. No dia seguinte, logo pela manhã, Jaume avisa ao rei que Voudel sacou o dinheiro deles e fugiu para a América do Sul. Ambos estão falidos, e só o que têm são projetos nucleares para a utilização doméstica de energia atômica, nos quais o rei vinha trabalhando antes de sua deposição. Shadov tem um rápido encontro com a rainha Irene, que vem da França só para vê-lo e volta para lá em seguida.
Chaplin e Dawn Addams
Enquanto isso o rei recebe diversos telefonemas da socialite Mona Cromwell, convidando-o para um jantar, convite sempre declinado por Shadov, que não tem qualquer interesse em entreter a esnobe e ignorante sociedade de Nova York (a qual, por sinal, Chaplin freqüentava). Nas palavras do próprio rei, “The answer is no. I’m not accessible to strangers for the price of a free dinner”. É o fim da primeira parte do filme.
Melancólico com a partida rainha, a quem deu a liberdade para pedir o divórcio, se assim desejasse, Shadov prepara-se para tomar banho. Pela porta que conecta seu banheiro ao do quarto ao lado, ele escuta uma moça cantarolando a ária de uma ópera e pede a Jaume que olhe pelo buraco da fechadura. O obediente Jaume assente e vê a bela Ann Kay. Shadov também olha e se encanta com a moça. Ela finge uma torção no tornozelo e grita por socorro. Chaplin abre a porta, que está destrancada e se oferece para massagear o tornozelo da moça. Ela se apresenta e quando o rei diz seu nome, ela comenta, coquete, que os dois se encontrarão naquela noite, na festa de Mona Cromwell. Shadov inicialmente diz que não pretendia comparecer, mas poderia mudar de idéia se a moça estiver presente. Ela vai se vestir e ele volta para seu banheiro, exultante, e dá um salto com pirueta para dentro de sua banheira (cena que - segundo Jerry Epstein - repetiu dezenas de vezes, sendo que em uma delas bateu a cabeça com força e quase teve que interromper as filmagens). Logo se descobre que Ann Kay se hospedou no quarto ao lado de Shadov com o intuito específico de atraí-lo para a festa da socialite. Kay é publicitária e apresentadora de um programa de televisão chamado “Real Life Surprise Party”, espécie de mistura entre o Big Brother e o programa de Amaury Jr., em que festas com celebridades são mostradas em tempo real e a inserção de comerciais é ao vivo.
Na festa, as referências à ignorância dos americanos são várias. Logo na entrada Shadov olha para um quadro e pergunta ao anfitrião, marido de Cromwell: “Is that an El Greco?”, ao que o outro responde, pensando que o rei se refere a alguém que estava por ali: “No, sir, he’s a filipino”. Shadov explica que está falando do quadro, e a tréplica é ainda pior: “Well, I’m not sure, my wife bought it in an auction sale”. A cena do jantar é maravilhosa. Chaplin senta-se com Cromwell à direita e Ann Kay à esquerda. Brinda polidamente à saúde da anfitriã e não pára mais de flertar com a publicitária. Ela, porém, é obrigada a seguir secretamente o script de seu programa de TV, então cada vez que escuta uma campainha, muda completamente de assunto e começa a fazer um comercial decorado, seja de desodorante ou de pasta de dentes, deixando o rei totalmente perdido. As reações de vergonha e basbaque de Shadov, cada vez que ela pula do flerte descarado entre os dois para o problema de “transpirar em salões abafados” ou a necessidade de conversar com as pessoas “sem o medo de ser repelente” são impagáveis. O clímax da cena está no momento em que ela comenta o propalado talento teatral de Shadov, que teria feito um Hamlet em sua juventude. Cheia de charme, ela convence o rei a recitar o monólogo de To be or not to be para os comensais, tendo, evidentemente, a câmera escondida rolando e preparada para transmitir a performance ao vivo.
"The mad bombastic prince..."
Aqui cabe um parêntese. Chaplin sempre falou de Shakespeare e da poesia shakespeariana com uma indiferença que tocava as raias do desdém. Em sua autobiografia se esmera em acrobacias argumentativas para explicar o porquê de se manter à distância de algo tão cultural, humana e sentimentalmente superlativo. “Eu não finjo que gosto de assistir a peças de Shakespeare no palco”, diz o cineasta, entre outras coisas. “Meu sentimento é eminentemente contemporâneo. Tais representações exigem um tipo especial de panache que não me agrada e pelo qual não tenho o menor interesse. Sinto-me como se estivesse ouvindo um discurso escolar”. Desdém puro. Chaplin poderia ter mudado a frase inicial de seu comentário para “eu finjo que não gosto”. Na minha concepção, Chaplin nada mais era do que um shakespeariano frustrado. Enfronhado com a comédia muda, seja no palco ou na telona, e associado umbilicalmente a ela desde os primeiros passos na vida artística, acabou fechando a porta para o teatro da palavra, o teatro dramático e outras de suas formas. Dramas como Casamento ou Luxo (mesmo não participando como ator) e idéias que não vingaram, como interpretar Napoleão, nos anos 20, me parecem o artista expiando sua vontade frustrada de atingir os píncaros de Herbert Beerbhom Tree (que Chaplin conheceu, admirava profundamente e chegou até a imitar em sketches cômicos na companhia de Fred Karno) e outros grandes atores shakespearianos do início do século XX. Na área da composição de texto também são muitas as vezes em que vemos o tal pathos e o sentimentalismo do bardo em Chaplin.
Jaume assiste o Hamlet de Shadov na televisão |
A fama conseguida involuntariamente no programa de Ann Kay faz com que Shadov seja perseguido durante uma semana por agentes de publicidade, interessados em contratá-lo para comerciais de TV. Ann Kay vai ao hotel e é tratada com frieza por Shadov. Não obstante ela lhe entrega um cheque de 25 mil dólares mandado por Mona Cromwell, por sua participação no jantar. Ele rasga o envelope, mas quando se dá conta de que o dinheiro dele e de Jaume acabou, pega os pedaços no cesto de lixo e ordena ao embaixador que telefone à Mona Cromwell e agradeça pelo cheque. A fim de melhorar um pouco sua imagem pública depois de aparecer na festa de Cromwell, Shadov faz uma visita de cortesia a uma Escola Progressiva. Ao invés de garotos exercitando sua sensibilidade e seus talentos, o rei vê um bando de moleques mal-criados e indisciplinados. O menino desenhista o presenteia com um desenho obsceno. O escultor tem maus-bofes e ignora o rei, e o cozinheiro faz doces e mete a mão na massa tranqüilamente, mesmo depois de ter enfiado o dedo no nariz. Shadov assiste a tudo isso horrorizado e por todo caminho é azucrinado pelas crianças, que lhe atiram bolinhas de papel com zarabatanas. É apresentado ao menino Rupert, que está sozinho lendo um livro de Karl Marx.
Pai e filho: o maravilhoso embate entre Shadov (Chaplin) e Rupert (seu filho Michael) |
"Thank you, Melrose, Royal Crown Whisky I always enjoy"...
Às voltas com a falta de dinheiro, o rei reata sua amizade com Ann Kay e seus métodos pouco sutis de publicidade. Ele acaba aceitando o contrato para fazer um comercial do “Royal Crown Whisky”. É outra das cenas memoráveis do filme. Durante o ensaio tudo corre às mil maravilhas, Shadov dá facilmente as falas idiotas de seu texto, mas quando a transmissão – ao vivo – começa, ele engasga com a bebida e começa a estrebuchar em frente às câmeras. Ao contrário do que se podia imaginar, o comercial se torna um sucesso absoluto, o público acredita que aquele havia sido um sketch cômico para vender whisky e Shadov se torna um disputado garoto-propaganda.
Lágrimas de riso: Shadov e sua tenebrosa plástica rejuvenescedora |
Chaplin levou sátira e mensagem à perfeição. No plano cômico, sua plástica é das coisas mais maravilhosamente ridículas e hilárias já vistas no cinema. Seu nariz é empinado e seu lábio posterior fica erguido, o que o faz parecer um rato. Ann Kay dá um berro e quase desmaia quando o vê pela primeira vez, assim como Jaume, que sai correndo, aterrado, com o braço cobrindo o rosto. Além disso, ele é proibido de rir pois a operação é recente e há o perigo dele soltar os pontos e desgrudar todo o tenebroso processo cirúrgico que escondeu suas imperfeições. Só que Shadov fica deprimidíssimo com sua aparência e Ann Kay tem a desastrada idéia de levá-lo a uma casa noturna onde há performances de cantores e comediantes, para animá-lo. O sketch cômico na casa noturna é Chaplin em seu elemento. Um operário apalermado e atrevido precisa colar alguns papéis de parede e acaba infernizando a vida de um casal que está por perto. A cena é muda, o operário é um Carlitos contemporâneo e todos se divertem. Shadov assiste sério, a princípio, mas aos poucos vai se rendendo ao humor. Só que não pode rir, então toma o máximo cuidado para não gargalhar, o que se torna impossível, com o desenrolar do sketch. Ele acaba perdendo o controle e gargalha, soltando todos os pontos da operação plástica. De volta ao cirurgião, readquire seu rosto antigo e enrugado, com o maior prazer. Fim da terceira parte.
A operação plástica de Shadov – até onde sei – foi a primeira vez em que um cineasta ridicularizou abertamente a necessidade de permanecer jovem e ter um rosto perfeito, no cinema. Correções de nariz e de dentes eram comuns já naquela época (estrelas como Marilyn Monroe só se tornaram verdadeiramente bancáveis depois de passar pelo bisturi) mas ninguém nunca se atrevera a apontar o holofote para isso. Chaplin, como sempre, foi o primeiro.
Acontece o que se imagina. Um dos velhos pergunta inocentemente sobre a educação do menino, que ele acredita ser sobrinho do rei, e Rupert inventa uma história hilária sobre a briga do rei e de seu pai, e as circunstâncias que o levaram a ficar nos EUA, “the land of the free and the home of the brave”. Como sempre, se empolga em meio à sua retórica inflamada e faz um verdadeiro libelo contra o Comitê de Atividades Anti-americanas: “But today that freedom is threatened. Commitees are searching men’s minds, are controlling their thoughts, and those who have the courage to stand up for their rights are boicoted, lose their jobs and are left to starve!” Falas que poderiam ser de Chaplin, todas elas, e Michael dá um show de interpretação: “They’re condemned without trials! Such procedure debases the legality of our courts which says that no state may deprive any person of life, liberty, freedom of speech without due process of law!” Quando Shadov e Jaume finalmente voltam com os planos, Rupert está de pé, como um prisioneiro, entre os velhos, sendo sabatinado. Um deles joga-lhe a deixa perfeita, dizendo que o acusaria perante as autoridades, se ele não fosse um garoto. Chaplin lava sua alma e a alma de todos os perseguidos pelo macartismo e pelo CAA através de Michael, que se supera na réplica, sensacional: “All right, report me! Make me give names! Make a snivelling stool pigeon out of me! Brain wash me! But you can’t! They couldn’t brain wash the signers of the declaration of independence, and you can’t brain wash me!”
Audiência da Comissão de
Atividades Anti-Americanas
Quando os velhos da comissão atômica vão embora (sem fechar qualquer negócio com Shadov, pois já tinham planos semelhantes), o rei e Rupert vêem pela televisão que os pais do garoto foram presos por não revelar nomes no CAA. Ao mesmo tempo um funcionário da escola localiza Rupert no hotel do rei e vai buscá-lo. Shadov promete ir visitar o menino no dia seguinte. No meio tempo, a mídia descobre que o filho do casal recentemente preso estava escondido no hotel do rei e, sem notícias interessantes para veicular, inventam que Shadov tem ligações com os comunistas. O rei é imediatamente intimado a comparecer à CAA.
Pequeno equívoco: nos jornais o nome do rei é grafado com H depois do A, ao contrário dos créditos finais do filme, que trazem simplesmente o nome "Shadov" |
O mal-entendido é desfeito e Shadov é inocentado. De qualquer forma, ele resolve ir embora do país antes que mais alguma maluquice aconteça. Em seu último encontro com Ann Kay, a publicitária pede que ele fique. Shadov responde: “It’s too crazy here”. Kay replica por todos os norte-americanos que não compactuavam com a nojeira do CAA: “Don’t judge by what’s going on today, it’s just a passing fase, very soon it will all be over”. Ele decide ir para Paris encontrar-se com a rainha, que não pediu o divórcio, no fim das contas. Mas antes cumpre sua promessa de visitar Rupert na escola progressiva. É a cena mais marcante e dolorosa do filme.
Um dos diretores conversa com Shadov antes do garoto entrar e comenta que Rupert está bem melhor, agora que os pais foram libertados, o que significa que o menino cooperou com as autoridades e deu os nomes que os pais se recusavam a dar. Rupert entra silencioso e abúlico. As autoridades não conseguiram fazer uma lavagem cerebral, mas quebraram seu espírito. Ele abraça Shadov aos prantos, e o rei promete que mandará buscar a ele e a seus pais assim que aquele clima horrendo de perseguição terminar. A cena final mostra Shadov e Jaume dentro do avião, indo embora. Chaplin pretendia fazer um take da Estátua da Liberdade, vista de dentro do avião, se distanciando cada vez mais, até desaparecer. Uma idéia boa, que Chaplin preferiu descartar. O filme inteiro era um grito pela liberdade ideológica e de expressão; não era necessário repisar a coisa, no fim.
Um Rei em Nova York foi lançado em setembro de 1957 na Inglaterra e mais um punhado de países na Europa. O sucesso foi relativo. Executivos da United Artists se recusaram sumariamente a distribuí-lo nos Estados Unidos. Na Inglaterra a crítica foi favorável, mas infelizmente o público inglês não tinha uma noção tão profunda do que era o CAA. Não queriam saber. Eram questiúnculas norte-americanas às quais os britânicos davam de ombros. À imprensa, Chaplin fez questão de declarar: “Meu filme não é político. É uma sátira. Um palhaço satiriza”. O renomadíssimo dramaturgo J. B. Priestley não regateou elogios ao cineasta: “Me parece que Chaplin conseguiu algo muito difícil, como já fizera em Tempos Modernos e O Grande Ditador. Ele transformou palhaçadas em sátira social e crítica, sem perder sua extraordinária habilidade de nos fazer rir”. O poeta C. Day Lewis foi outro a tecer belíssimos elogios ao filme. Um Rei em Nova York, porém, só gozou da fama que merecia, mesmo, quando foi relançado, já na década de 70, inclusive nos Estados Unidos. Jerry Epstein foi quem descreveu melhor a situação: “Os jovens [na época do relançamento] ficaram surpresos com a audácia do filme. Não o acharam controverso, só engraçado. Chaplin simplesmente estava 20 anos à frente de seu tempo”.
Dawn Addams, anos depois |
Seja pela controvérsia, pela dificuldade de encontrar um outlet adequado para suas novas idéias, ou porque já estava com 68 anos e uma penca de filhos pequenos, Chaplin passou os anos seguintes relançando seus filmes mudos com uma nova trilha sonora composta por ele, e só voltaria a escrever e dirigir dez anos depois, em A Condessa de Hong Kong.
Dawn Adams se separou do príncipe Vittorio Massimo em 1958. Teve uma carreira apagada e morreu de câncer em 1985. Oliver Johnston, o embaixador Jaume, morreu em 1966 e um de seus últimos papéis foi na Condessa de Hong Kong. Jerry Desmonde se suicidou em 1967. Maxine Audley trabalhou até o fim da vida, em 1992.
Michael, hoje em dia |
Um país pede desculpas: Chaplin recebe oscar honorário em 1972
No fim dos anos 50, Eisenhower chegou a sondar amigos e assessores de Chaplin sobre a possibilidade dele voltar aos EUA. Ciente do fato, o cineasta declinou quaisquer convites. Uma década mais tarde os convites reapareceram. O macartismo era página virada, uma vergonha para os norte-americanos e Chaplin, octogenário, começava a assumir foros de lenda viva. Seus filmes antigos, restaurados e relançados com as trilhas sonoras que ele compunha, vinham conquistando toda uma nova geração de admiradores. Era hora dos EUA darem o braço a torcer e pedir desculpas ao mestre pioneiro. Ele aceitou receber uma homenagem no Lincoln Center, em Nova York. Era a primeira vez que pisava em NY em 20 anos. Foi uma gritaria. Chaplin foi recebido como um semi-Deus. Aos gritos de “Charlie, we love you!!”, ele respondeu, hilário, “They loved Kennedy too...”. Na última hora aceitou o convite para receber um Oscar, na cerimônia daquele ano. Em abril de 1972, a academia lhe deu um prêmio honorário, “pelo efeito incalculável que ele tem alcançado em transformar os filmes na forma de arte deste século”. Em suas memórias, Claire Bloom conta ter ouvido de Oona O’Neill a história de que enquanto recebia o Oscar e a inaudita ovação de vários minutos, Chaplin dizia para si mesmo: “Fuck you, and fuck you, and fuck you”.
Chaplin morreu em 25 de dezembro de 1977, aos 88 anos. Oona morreu apenas 14 anos depois, em 27 de setembro de 1991, aos 66 anos.
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BIBLIOGRAFIA:
- BLOOM, Claire. Leaving a doll’s house. London, Little Brown, 1996
- CHAPLIN, Charles. Minha Vida. Rio de Janeiro, José Olympio, 8ª ed., 1989.
- EPSTEIN, Jerry. Remembering Charlie. New York, Doubleday, 1989.
- http://www.glamourgirlsofthesilverscreen.com/show/4/Dawn+Addams/index.html
- http://www.express.co.uk/printer/view/28746/
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Tanks! Melhor não poderia ser.
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