domingo, 15 de março de 2015

Jânio, Adhemar e Manolo

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Meus caros,
em post recente falei da participação do desenhista e compositor Nássara na eleição para governador de 1954. Houve muitos cartunistas que depintaram esse grande pleito e emprestaram-lhe humor, graça e informação. Há, entre eles, um que está hoje esquecido porque se foi no ano seguinte: o campinense Manuel "Manolo" Romano (1895/1955). Pouco se sabe sobre ele, mas durante muitos anos (quase 20, creio eu), Manolo dedicou seu talento ao semanário humorístico O Governador, fundado por Laio Martins em 1934.

Bloco do "Nós queremos os Campos Elíseos" no carnaval de 54. Da esq. para dir, Lucas Garcez,
governador em fim de mandato, Adhemar, Jânio com o gorro do PDC (pura ironia, já que no mês anterior teve o desentendimento que o levaria a romper com o partido), Getúlio, então presidente, de mãos dadas a Adhemar, e Hugo Borghi, vestido sempre de fazendeiro, referência velada à acusação de trabalho escravo em suas fazendas, que pesou sobre ele na eleição anterior

Jânio, por Manolo, 1954
Quando vereador, Jânio apresentou diversas indicações ou requerimentos solicitando a apreensão de publicações que ele considerava impróprias ou mesmo "pornográficas". O Governador foi uma delas. O semanário era uma espécie de embrião do Pasquim e misturava política com charges picantes e às vezes até ligeiramente eróticas de mulheres lindas e curvilíneas.

Em agosto de 48 ele falou sobre isso, em discurso à Câmara: "Vou ter coragem de declarar de público o nome das revistas que coletei e solicitar da Mesa que as encaminhe juntamente com a Indicação que ofereci ao Sr. Prefeito, para que este, por sua vez, as remeta ao Sr. Secretário da Segurança. Vejamos se S. Excia., ao examiná-las, ao lê-las, entenderá ou não, comigo e com todos, que são nocivas, que são temíveis, que são atentatórias da moral pública e que representam um delito, delito indicado com clareza no artigo 234 da Codificação Penal. (...) Pois bem, a primeira é intitulada Seleções Humorísticas, como disse; a segunda, O Riso; a terceira, Bom Humor; a quarta, O Governador (Risos) — Vv. Excias. me perdoem o título, que não é meu".

Jânio foi um vereador cheio de falso moralismo e O Governador não tinha nada de pornográfico ou atentatório à moral. A razão pela qual o então vereador decidiu investir contra a publicação foi que ela era adhemarista. Provavelmente não por ideologia, mas por trabalhar a soldo de Adhemar e do PSP, então era natural que todas as charges fossem de apoio ao ex-governador.

01/07/1954

As charges de Manolo não mostravam o Adhemar real, obeso e fanfarrão, 
mas como um atleta imbatível em qualquer disputa de votos (22/07/1954)

Na sucessão de Lucas Garcez, sendo o lhano Prestes Maia o principal contendor de Adhemar, imaginava-se que o chumbo grosso do semanário fosse direcionado a Hugo Borghi. Jânio, porém, contrariou todos os prognósticos e, embora eleito em março de 1953 para a prefeitura de São Paulo, lançou sua própria candidatura. As chances de Adhemar voltar aos Campos Elíseos foram ameaçadas. Mas o chargista Manolo ganhou conteúdo de sobra para seus desenhos.

Hugo Borghi, Jânio (de capelo, simbolizando sua inexperiência em eleições)
e Adhemar (04/03/1954)

Os alvos deixam de ser Maia e Hugo Borghi e Jânio vira o adversário nº1.
No automóvel de Adhemar vemos "Campos Elíseos - PSP - Via Catete", alusão
óbvia ao apoio de Vargas. Só que Vargas se matou dois meses antes do pleito. (08/07/1954)

Garcez fala sobre a sucessão presidencial
com Vargas. Charge publicada doze dias
antes do suicídio de Vargas
Junto às muitas charges que mostravam Adhemar como candidato imbatível e insuperável, havia alfinetadas constantes a Jânio. Chamado de "co-prefeito", por conta das múltiplas licenças que levavam o vice Porphyrio da Paz a ocupar constantemente a prefeitura, Jânio era mimoseado com piadas como estas: "Os artistas circenses estão protestando com veemência contra a concorrência feita, ilegalmente, pelo Sr. Jânio Quadros, aos profissionais do picadeiro".

Em outra ocasião, quando o prefeito multou Adhemar por despejar sobre a cidade milhões de trevos de quatro folhas (símbolo adhemarista) de um avião, o jornal disparou: "Só quem vive nas TREVAS é que odeia o trevo de quatro folhas". Quando Jânio, por alguma razão, deixou de comparecer às comemorações de 9 de julho daquele ano, o petardo não se fez esperar: "É a primeira vez que um prefeito brilha pela ausência na data mais gloriosa da terra bandeirante".

Jânio e Prestes Maia chegam atrasados à disputa (29/07/1954)

Adhemar na liderança, Jânio na vassoura, Maia em um patinete e Hugo Borghi a pé

12/08/1954

Desferido o pleito e vitorioso Jânio, o jornal não teve outra alternativa senão render-se ao que sentenciou o povo paulista. Mas as charges de Manolo vieram com humor e acidez. Em uma delas Jânio não aparece como vencedor pelo seu mérito e detentor da maioria dos votos, mas como alguém que colocou uma casca de banana no caminho de Adhemar e o fez cair. Até o espaço ocupado pela charge é menor, em relação àquelas publicadas quando ainda se pensava que Adhemar seria o vencedor.

28/10/1954

A última charge é ainda mais curiosa. Lucas Nogueira Garcez, que deixava o governo, era uma belíssima figura mas só se elegeu porque contou com o prestígio e o apoio de Adhemar. No governo, talvez horrorizado com as mazelas de Adhemar e a influência nefasta que o ex-governador pretendia exercer sobre ele, se desaveio com o mentor. Não chegou a se tornar figura non grata no Governador, mas recebeu patada em forma de charge. Nela, mostra a Jânio sua herança: Impostos, a situação econômica e o déficit das finanças.

11/11/1954

Quem estava em crise financeira não era São Paulo, e sim O Governador. Quando Manolo morreu, em setembro de 1955, a revista não estava sequer circulando. Quando voltou fizeram uma bela homenagem ao desenhista, ilustrada por Karikato (que não consegui apurar quem é). A revista seguiu heroicamente por um tempo, mas não chegou ao fim da década.

E Jânio fez um belo governo até o início de 1959. Assim como acontece com Belmonte, que morreu antes de Jânio ganhar notoriedade como vereador, e não o desenhou, gostaria de ver o que Manolo e O Governador - sempre na oposição ao mato-grossense - teriam aprontado com Jânio na presidência.

Manolo, por Karikato
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Bernardo Schmidt
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