Felipe Camargo e Jece Valadão
A impressão é que os dois repetiram tudo o que foi feito na primeira minissérie, só que ao contrário. Eles apresentaram uma história original, Filhos do Carnaval, escalaram um grande protagonista, Jece Valadão, e jogaram ilustres desconhecidos na coadjuvância, com a diferença fundamental de que estes coadjuvantes provaram ser extremamente talentosos. O produto, como não podia deixar de ser, quando se une uma ótima história a um elenco competente, é de primeiríssima qualidade.
Jece e Thogun
Filhos do Carnaval conta a história do bicheiro Anésio Gebara (Jece), seu império, que inclui centenas de pontos de jogo do bicho, máquinas de caça-níquel e uma escola de samba, e a relação que tem com os quatro filhos, dois legítimos (Felipe Camargo e Enrique Diaz) e dois bastardos (Thogun e Rodrigo dos Santos). O argumento e o roteiro são excelentes e fogem completamente dos estereótipos intragáveis que se veiculam sobre o Rio, no cinema de hoje: miséria e violência superlativas nos morros ou opulência nababesca e criminosa nos condomínios de luxo. Nada disso. A minissérie de Cao e Elena mostra um Rio sóbrio, verdadeiro, que tem favelas e tem a avenida Atlântica, ricos e pobres têm filhos, têm dores de cabeça e todos fazem uma coisa só, que é sobreviver.
Enrique Diaz, Rodrigo dos Santos, Thogun e Jece
A desgraça, o tráfico e as chacinas dos morros deixam de ser o cartão postal invertido em que se transformou o cinema brasileiro de hoje e dão lugar ao verdadeiro drama, que é familiar, humano, e o Rio é apenas cenário. Os temas são a ganância, a inveja, a lealdade e a deslealdade, a cobiça, a solidariedade, qualidades e defeitos de cada um e assim por diante. Jece é o velho patriarca da contravenção, Anésinho (Camargo) é o filho inconseqüente e preferido, Cláudio (Diaz) é o filho alijado e pequeno-burguês, Nilo (Thogun, fio condutor da trama) é o bastardo conformado e disciplinado e Brown (Santos) é o bastardo irresponsável e eternamente adolescente.
Diaz e Mariana Lima
As sub-tramas são todas críveis, sem maniqueísmo, sem breguice, sem serem piegas. É possível compreender a agonia de Thogun sobre o mistério em torno da morte de sua mãe, como é possível sentir o terror que leva Anésinho ao suicídio no primeiro capítulo, e o desconforto de Cláudio na lida diária com a contravenção que ele mal conhece. Brown é o retrato do adolescente que cresceu à deriva, irresponsável e impune. Sua mãe, o protótipo da mãe ignorante e complacente; Dona Dadá, o exemplo da empregada chata e falastrona; Órfão, o próprio penetra sem eira nem beira. A personalidade de cada um é burilada à perfeição. São críveis porque a um tempo nada se lhes sonega e nada se lhes exagera. E tudo graças ao texto bem amarrado e enxuto, mas sobretudo pelas grandes interpretações.
Felipe Wagner e Jece
Dá um alento especial ao coração ver que Jece Valadão – morto aos 76 anos, meses depois da minissérie ser veiculada – teve um último grande papel para fazer brilhar seu extraordinário e incompreendido talento. Os veteranos Jorge Coutinho (Joel) e Felipe Wagner (Sírio) dominam a tela a cada aparição. Os conhecidos Felipe Camargo e Enrique Diaz estão ótimos. O canalhinha Órfão ganha peso e humor na interpretação de Felipe Martins. Mariana Lima (Ana Cristina), à semelhança do que já disse anteriormente sobre Andréa Beltrão, é outra que depois de mais de uma década de trabalhos amorfos e esquecíveis, começou finalmente a ter um caso de amor com a câmera.
Em sentido horário: Shirley Cruz, Maria Manoella, Roberta Rodrigues e Sabrina Rosa
O show, entretanto, fica quase que exclusivamente a cargo dos desconhecidos Thogun, Rodrigo dos Santos, Shirley Cruz (Glória), Maria Manoella (Bárbara), Roberta Rodrigues (Rosana), Sabrina Rosa (Carlinha) e até mesmo Thiago Queiroz, que faz o menino Cris. Todos brilhantes. Filhos do Carnaval é uma luz no fim do túnel. É Cao Hamburguer e Elena Soarez ensinando nossos cineastas a fazer cinema e a Globo a fazer novelas. É lição de casa para Jayme Monjardim e Daniel Filho. É mostrar violência sem precisar de cabeças rolando e sangue sendo espirrado. É erotismo sem uma única cena de nudez frontal. É o morro pelo morro e Copacabana pelo que é, nem melhor e nem pior. Uma aula de cinema e de televisão.
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