sábado, 11 de setembro de 2021

Minestrone Cultural XIX


EDIÇÃO PANDEMIA

O PATATIVA


Fico muito satisfeito quando vejo textos do meu blog sendo utilizados em trabalhos acadêmicos. Desta vez trago alguns artigos publicados em revistas científicas, uma tese de mestrado e duas citações em livro. O primeiro artigo é de Michelle dos Santos, para a "Revista Expedições: Teoria da História e Historiografia", da UEG. Ela é Professora de História Moderna e Contemporânea na Universidade Estadual de Goiás (campus de Formosa), e mestra em História pela Universidade de Brasília.


O segundo é de Lucas Henrique Ribeiro, pesquisador do OBCOM - Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura da USP, núcleo interdisciplinar de apoio à pesquisa que se dedica ao estudo da liberdade de expressão e da censura nas artes e nos meios de comunicação.


O terceiro artigo é  de Walter de Souza Jr., que o escreveu para o livro "Leituras e Releituras" do Instituto Palavra Aberta. O Instituto "promove a liberdade de expressão e informação manifestada na liberdade de imprensa, na liberdade de expressão comercial e na livre iniciativa como pilar fundamental de uma sociedade avançada e sustentável". Ele é Professor doutor pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e é também pesquisador do OBCOM. (24/09/2020)


A tese de mestrado em Artes Cênicas pela ECA/USP é de Stênio Dias Ramos. Chama-se "O que é público não é de vocês: A ATBC e os Modelos de Gestão dos Grupos de Teatro em São Paulo" e foi apresentada em 2019.


Na seqüência temos o artigo de Maria Sílvia Betti: "A Politização do Teatro: Do Arena ao CPC" e faz parte do livro "História do Teatro Brasileiro - Do Modernismo às tendências contemporâneas", organizado por João Roberto Faria para a Editora Perspectiva, em 2013. Betti é doutora em Literatura Brasileira pela USP e realizou pós-doutorado na New York University.


E por fim temos o artigo de Alcides Freire Ramos - "Muito além do ressentimento e da inação: pensando as sensibilidades dos anos 1960, no Brasil, a partir do filme O desafio (1964, Paulo César Sarraceni)", que está no livro "Sensibilidade históricas: entre narrativas, gestos e imagens", organizado pela notável pesquisadora Rosângela Patriota em 2020. Alcides é Doutor em História pela USP e professor titular da Universidade federal de Uberlândia.

O ego agradece. (11/09/2021)

HALLEY

Minha mãe e eu depois de ver o Halley (fev. ou mar./1986)

O Cometa Halley voltou á nossa órbita em fevereiro de 1986. Sua passagem revestiu-se de imensa expectativa, já que os avanços tecnológicos na área da astronomia eram gigantescos desde a última visita do cometa, em 1910. O Brasil, entretanto, não pôde participar dessa festa porque o céu ficou nublado durante semanas e somente um punhado de privilegiados, em planetários ou pontos específicos de observação, conseguiu ver o cometa.

Eu tive a sorte de estar nos Estados Unidos, na ocasião, e - melhor ainda - em uma fazenda cheia de descampados no meio da Virginia. Certa noite do fim de fevereiro ou início de março, eu e minha família levamos uma luneta para o meio de um desses descampados e, munidos de coordenadas relativamente simples, mostradas diariamente pelos jornais para identificá-lo, começamos a observar.

O tempo foi passando e nada. Eu olhava com atenção, com cuidado, meticulosamente. Olhava, olhava e olhava. Olhava com todo o saco do mundo, como só um adolescente é capaz. Todos tentaram encontrar e nada. "The air bites shrewdly", como diria Hamlet. O frio noturno variava entre zero e cinco graus negativos. O pessoal começou a desistir. Eu peguei aquele jornal uma última vez.

Estudei as coordenadas. Constelação tal, estrelas tal e tal, a leste ou oeste de não sei-o-quê e de repente percebo, do nada, o que parecia ser uma estrela cadente. Era o próprio. O tal cometa batizado em homenagem ao astrônomo Edmund Halley (1656/1742), que estudou a órbita do cometa que passou pela Terra em 1682, afirmando que se tratava do mesmo que estivera entre nós em 1456, 1531 e 1607, e ainda previu acertadamente sua volta em 1758.

Minha visão do cometa foi perfeita. Movia-se de maneira lenta e contínua, e quando o observei mais detalhadamente me dei conta de que era estranhamente colorido. Era tricolor. Sua cabeça era avermelhada, a cor se esmaecia levemente no corpo, assumindo tonalidade de uma chama clara, amarelada, e a cauda se azulava. Eram três tons de fogo.


Uma experiência transcendental. Não digo "única" porque ele voltará em 2061, e não duvido que chegarei aos 89 anos. Quem sabe terei o curioso privilégio de ver duas vezes o arredio cometa.

* Na foto estou com minha mãe naquela noite, em uma primeira foto em que trago expressão de zumbi, e na segunda, mais simpática. (10/09/2020)

70 ANOS DE TV NO BRASIL


Não há melhor maneira de comemorar os 70 anos da TV Brasileira do que lembrar do homem que disse, em 18 de setembro de 1950, assim que as luzes foram acesas e a câmera começou a rodar:
"Está no ar a PRF-3 TV TUPI de São Paulo, a primeira estação de televisão da América Latina".

O saudoso Walter Forster (foto de 1991) (19/09/2020)

LARRY KING


Assisti Larry já nos primeiros anos de seu talkshow da CNN. Tenho até hoje a fita na qual gravei, nos Estados Unidos, a entrevista de Ronald Reagan a Larry, em 1989. Decepcionei-me com algumas conversas preciosas que a meu ver ele desperdiçou, como sua entrevista com Sinatra, mas acabei tornando-me espectador de carteirinha depois de vê-lo com Sammy Davis (em estado terminal de seu câncer na garganta), Jerry Lewis, Brando, Mel Brooks e centenas de outros.

Larry não ia atrás da fofoca e não queria encurralar seus entrevistados. Diferia de Mike Wallice nesse quesito. Era do bem. Tinha um estilo simples, quase ordinário; ao contrário do empoado Merv, do charmosíssimo Carson ou do descolado Cavett, King parecia um executivo velho e mal-ajambrado, com cara de sapo e uma risada esquisita. Mas era inteligente e perspicaz. A combinação era exatamente o que lhe dava credibilidade. Não tinha compromisso com nada a não ser consigo mesmo. Aparentava certa frieza, e com isso fazia com que seus entrevistados se abrissem. E não da maneira lacrimosa e apelativa que caracaterizava os entrevistados de Barbara Walters, mas de forma descontraída e, no mais das vezes, divertida.

Transitava com igual desenvoltura e falava com a mesma naturalidade sobre assuntos tão díspares quanto os espinhosos problemas sócio-políticos do Oriente Médio, até as bobagens e os mexericos das celebridades de ocasião. É notável a facilidade com que conseguia conversar com os mais arredios ex-presidentes, como Nixon e Ford. Ou a tranquilidade com que trocava idéias com figuras como Margaret Thatcher. Promoveu debates antológicos entre inimigos figadais, como Jerry Falwell e Larry Flint. Organizou conversas que envolviam sete ou oito artistas homenageando este ou aquele ícone da música, do cinema ou da TV. Também entrevistou artistas reservadíssimos como Prince e Al Pacino.

Assim como Carson e Cavett, colecionou entrevistas históricas e momentos divertidos e inesquecíveis em seu programa da CNN. Depois de 25 anos deixou esse programa e partiu para um formato menor, na ORA TV. Continuava o mesmo. Apenas mais velho e cansado. O cigarro lhe provocara um câncer na próstata e outro no pulmão. Batalhou contra os dois e contra a diabetes. Frágil, ligeiramente corcunda, com seus óculos que mais lembravam janelas de ônibus, e os suspensórios que foram sua marca registrada, ele seguiu firme e forte. Fez excelentes entrevistas com artistas mais novos. Emanava respeito e confiança.

Próximo ao fim - e quiçá prevendo esse fim - tinha prazer em rever seus colegas mais antigos. Suas últimas entrevistas com Regis Philbin, Don Rickles ou Dick Van Dyke foram mais do que entrevistas; eram atestados de amizades que ultrapassavam os sessenta anos. A felicidade de King era visível. Era o encontro de velhos que tinham as mesmas lembranças que remontavam aos anos trinta.

Em 2019 a vida o golpeou com força: separou-se da mulher depois de vinte anos e perdeu dois filhos adultos no mesmo mês, um deles para o câncer de pulmão e o outro com um tumor no cérebro. Ele continuou como pôde. O coronavírus o liquidou, aos 87 anos.

King foi uma grande figura. Infinitamente melhor e mais competente do que Charlie Rose ou qualquer outro dos entrevistadores ditos "sérios". Assisti suas entrevistas até o fim.

Sentirei saudade. (23/01/2021)

TARCÍSIO E PAULO JOSÉ

Tarcísio e Paulo José

Tarcísio e Francisco Cuoco foram desde sempre os galãs fundamentais, basilares de nossas novelas e por isso foi tão difícil vê-los envelhecer e perceber que aos poucos iam se tornando anciães. Assisti Cuoco no teatro em 2006, em O Último Bolero. Ele fazia um galã envelhecido, evidentemente, mas o charme estava todo lá. Aos 73 anos, Cuoco era basicamente o mesmo. Por essa época trombei com Tarcísio em um restaurante. Mesma coisa. Ele ainda mantinha um pouco seu ar de galã. Alto, largo, era um armário vindo em minha direção. Um armário com um sorriso aberto, generoso que conhecemos tão bem. Já quando o assisti - finalmente - no teatro, em fins de 2019, o galã deixara completamente de existir e, aos 84 anos, ele abraçara sua senectude. A condição, por sinal, era positiva para o papel que interpretava - um velho ator.

Intimamente, porém, me doeu ver Tarcísio tão alquebrado. Não era nascido quando Irmãos Coragem foi ao ar mas o Dom Pedro I que interpretou em Independência ou Morte (1972) e em Saramandaia (de 1976, em ponta de luxo de presente para Dias Gomes) foi gravado a fogo em minha memória. Não consegui jamais pensar no Imperador sem pensar em Tarcísio. A cena do grito no Ipiranga é um primor. Que pena que o filme foi jogado numa vala comum de sectarismo ideológico, simplesmente porque foi produzido durante a ditadura para comemorar o 7 de setembro. É um belíssimo filme e deveria ser conhecido e festejado pelas novas gerações.

O Dom Pedro de Tarcísio
Vi quase tudo que Tarcísio fez nas novelas desde o fim da década de 70 até o início da década de 90. Não cheguei a fixar tão bem seu Capitão Rodrigo de O Tempo e o Vento - quase tão marcante quanto seu Dom Pedro, no imaginário popular - e nem seu Hermógenes, de Grande Sertão, Veredas - que Lima Duarte considerou melhor e mais merecedor de todos os prêmios daquele ano, 1985, do que seu Sinhozinho Malta - lacunas pelas quais hoje me penitencio. Talvez eu fosse muito novo para mergulhar no oceano literário daquelas duas obras, tanto é que só muito mais tarde fui assistir seu Beijo no Asfalto. Amor, Estranho Amor marcou minha geração por razões muito diversas a seu valor artístico; e o filme de fato tem valor, escoimando-se os excessos de Walter Hugo Khoury. Já seu Renato Villar de Roda de Fogo, foi, para mim, inesquecível. Mas é inesquecível porque alimentou seu status de grande galã das novelas, sem embargo de Tarcísio já contar mais de 50 anos, na época. Seus melhores trabalhos vieram, como não poderia deixar de ser, quando o galã foi sendo gradualmente aposentado. Eu seria injusto, entretanto, se não relembrasse uma seqüência em particular: em determinado capítulo, Renato tinha um embate violento com seu agora inimigo Labanca (Paulo Goulart). Quando se livra de Labanca, chega sua ex-mulher Maura (Eva Wilma), que confessa ainda estar apaixonada por ele. Assim que ela sai ele não suporta esse choque de emoções e tem um derrame. Tarcísio foi excepcional. Seu ataque apoplético assemelhava-se a um prédio ruindo e destruindo tudo em volta. A seqüência inteira foi dramática, eletrizante, num crescendo fantástico de tensão.

Em 1990 Tarcísio interpretou Euclydes da Cunha na minissérie Desejo, adaptação de Glória Perez da tragédia real de Euclydes, sua esposa Anna e o amante da esposa, Dilermando. Foi, a meu ver, a primeira ruptura interpretativa séria de sua carreira. Tarcísio saiu inteiramente de sua zona de conforto: estava com 55 anos, sendo que Euclydes morreu com 43; não tinha um pingo de semelhança física com o cronista da guerra de Canudos, e, como se não bastasse, ainda estava interpretando um homem atrabiliário e amorosamente frio, o que levava sua mulher a procurar outro homem, jovem e fogoso. O Euclydes de Tarcísio era, por assim dizer, o "anti-galã". E sua performance foi irretocável. Lembro-me de suas discussões com a esposa (Vera Fischer, também brilhante) e seus gritos tonitruantes: "Não és a cavalariça do sargentão?" E a cena crucial do duelo com Dilermando. Baleado duas vezes, o Euclydes de Tarcísio tremia inteiro. Estrebuchava. Uma cena fortíssima.

O Taveira de Tarcísio

O Berdinazzi da primeira fase do Rei do Gado (1996) me deixou absolutamente estarrecido. Tarcísio quebrara, com Euclydes, o molde de seus galãs quadrados e limitados, e com a tragicidade do atribulado personagem criado por Benedito Ruy Barbosa, passava definitivamente a outro patamar. Era a performance de um grande ator. De um ator consumado, realizado e competentíssimo. Tarcísio escorava-se agora só em seu talento. Suas cenas com Eva Wilma e com Antônio Fagundes eram duelos de titãs. A cena de sua morte é antológica e a cereja do bolo veio em 2000, quando interpretou o facinoroso Taveira de A Muralha. Um exercício e um desafio para qualquer ator. Principalmente um ex-galã, já que Taveira era um personagem velho e asqueroso. Eu já nem sequer lembrava mais do galã. Mais do que isso: eu, que rira às casquinadas de seus papéis cômicos - Tarcísio era muito eclético - sobretudo o palhacíssimo Felipe de Alcântara Pereira Barreto, em Guerra dos Sexos, agora me emocionava com ele. Ele alcançou o píncaro de sua profissão. Deixou de ser uma estrela e se transformou em um ATOR.

Paulo José é um daqueles cometas que eu persegui mas não pude tocar. Estudei o Teatro de Arena, conheco praticamente todos os seus membros, mas Paulo, que morava no Rio, eu não pude conhecer. Cecília Thompson tecia loas intermináveis a seu trabalho de ator e diretor em O Filho do Cão, de Guarnieri (onde Paulo conheceu Dina Sfat, diga-se de passagem). Não precisava. Paulo (assim como Tarcísio) era polivalente e brilhou igualmente no teatro, na TV e no cinema nos últimos sessenta anos. Lamento imensamente não ter podido abraçá-lo. Minha admiração por ele é perene.

Perdemos duas referências do teatro, da TV e do cinema.

Em uma época em que somos mendigos culturais. Mas La Nave Va. Eles viveram muito e muito bem. E serão sempre lembrados com carinho e respeito. (12/08/2021)

BEATRIZ E TEREZA

Tereza Rachel e Beatriz Segall (Foto de Bernardo Schmidt)

31 de Outubro de 1993 - Nos bastidores do SESC Consolação, após a apresentação de "A Guerra Santa", de Luis Alberto de Abreu, direção de Gabriel Vilella.

Beatriz Segall saiu de seu camarim e encontrou uma conversa animada que incluía Tereza Rachel, Vilella e José Rubens Chachá (e eu, que levava apenas minha cara de pau e meu amor incontido por todos eles). Tereza - acredito eu - estava lá para ver Gabriel Vilella e não Beatriz. Quando se cumprimentaram amistosamente, não resisti de pedir às duas que posassem juntas para uma foto.

Um encontro antológico, de duas das estrelas mais difíceis e mais brilhantes do Teatro Brasileiro. A antipática Beatriz e a problemática Tereza. De Beatriz, posso dizer que fazia jus à fama; de Tereza, entretanto, guardo a mais doce das recordações. Conversamos, rimos e saímos juntos do teatro. Andamos até a Maria Antônia, ela ficou em um restaurante de cozinha típica nordestina que existia, na época, e lá nos despedimos.

Saudade. É bom ter 21 anos. (26/10/2020)

SÉRGIO E ZÉ CELSO

Sérgio Mamberti e José Celso Martinez Corrêa (Foto de Bernardo Schmidt)

Em novembro de 1997, fui com meu irmão Alexandre assistir a peça "Santidade", de José Vicente, com direção do saudoso Fauzi Arap. O evento revestiu-se de grande valor simbólico pois o texto tinha sido escrito em 1967 e censurado em 1968. Era, portanto, sua primeira montagem depois de quase 30 anos de forçado ineditismo.

O teatro era o Crowne Plaza, que há tempos trazia a direção artística de Sérgio Mamberti. Sérgio era amigo e ex-professor de Alexandre. No fim do espetáculo, estamos conversando com Sérgio quando vejo que Zé Celso estava lá. Mais uma vez, como sempre acontecia, não resisti e pedi aos dois que posassem para uma foto. E aí está ela, depois de quase 24 anos. Dois queridos mestres do teatro.

(Agradecimento especial à Dani Silva de Jesus) (03/09/2021)

Vá em paz, querido, talentoso e aguerrido Sérgio! (Foto de 1999. Festa dos
60 anos de Sérgio, organizada pelo mano Alexandre)


A LEI DO ABORTO E O ABORTO DA LEI, NO TEXAS



Pensei que poderia passar o dia de hoje apenas recordando Mamberti e lamentando sua partida, mas não posso diante do que ocorreu nos Estados Unidos.

O procedimento do Texas, revertendo Roe v. Wade - pela qual a Suprema Corte determinou, em 1973, que a Constituição protege a liberdade de uma mulher grávida optar pelo aborto - proibindo o aborto depois de seis semanas e contrariando aquilo que dita a lei em todo o país é asqueroso. É estúpido e cruel.

Sou favorável não apenas ao aborto até a 20ª semana, ou até a hora que for; sou favorável à absoluta e incondicional descriminalização do aborto.

Que o Brasil esteja na lanterninha da história, não permita sequer que o assunto seja discutido, e ainda se deixe controlar e guiar moralmente pelos ditames cínicos e medievais da religião e de suas batinas emboloradas e grudentas, não me surpreende. Mas que um estado norte-americano, a esta altura de nossa história, dê uma de Curupira e comece a andar para trás, cobrindo o país inteiro de vergonha, é grotesco. (03/09/2021)

RICKLES E OUTROS, LEGENDADOS

CARRIE FISCHER ROASTS GEORGE LUCAS (2005)

            

Homenageado pelo AFI em 2005, George Lucas recebe um "roast" exemplar da eterna Leia, Carrie Fisher.

RICKLES ROASTS FRANK SINATRA (1978)

            

Em noite especialmente célebre do "The Dean Martin Celebrity Roast", no dia 7 de fevereiro de 1978, a vítima foi o grande amigo de Dean, Frank Sinatra. Rickles foi o último roaster e não decepcionou, roçando ombros com Ronald Reagan, Gene Kelly, George Burns, Redd Foxx, Jimmy Stewart, Flip Wilson, Telly Savalas, Jonathan Winters, Orson Welles, LaWanda Page, Red Buttons, e etc.

FRANK SINATRA AND DON RICKLES -
THE TONIGHT SHOW (1977)

           

No dia 14 de novembro de 1977 foi ao ar na NBC o The Tonight Show with Johnny Carson, e o apresentador convidado foi Frank Sinatra. Os convidados foram George Burns, Angie Dickinson, Carrol O'Connor e - claro - Don Rickles. Desnecessário dizer que foi a melhor entrevista, e Frank certamente passou a pensar duas vezes antes de aceitar os convites de Carson para ser o guest-host.

RICKLES ROASTS JOHNNY CARSON (1968)

            

O "The Kraft Music Hall Friars Club Roast" de Johnny Carson foi ao ar em 23 de outubro de 1968. Contou com o apresentador Alan King e os "roasters" foram Groucho Marx, os apresentadores Ed Sullivan, Steve Allen e Dick Cavett, os comediantes Flip Wilson e Don Rickles, além de seu colega Ed McMahon e o prefeito de Nova York, John V. Lindsay.

Alguns comentários:

1 - Para aqueles que conheceram Rickles mais velho e mais calmo, deve impressionar o nível de sua agressividade nas piadas com Ed Sullivan. Nada se compara, entretanto, ao pelourinho a que o comediante foi submetido pelo próprio Carson em um roast um ano antes, ou no início daquele ano, no Friars ou em outro clube. O audio está no Youtube.

2 - Ainda no que concerne ao relativo mau gosto das piadas com Sullivan, é notável a expressão de absoluto desagrado manifestada por Groucho Marx. Também me parece significativo que Rickles não tenha mencionado Groucho.

3 - A expressão "the bowl blew up" era inteiramente desconhecida para mim. Na Internet, encontrei uma explicação que remete ao consumo exagerado de maconha ou - se optarmos pela inocência - de narguile. Por não ter qualquer certeza a respeito, coloquei simplesmente que a pessoa fumava muito. Se alguém tiver uma tradução mais fiel, me avise. Estou sempre disposto a aprender.

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Veja mais:



terça-feira, 17 de agosto de 2021

Paulo (1964/2021)

 


Meu irmão mais velho, Paulo, nos deixou sexta-feira, levado pela Covid.

Ele foi a maior influência que tive em minha infância e adolescência. Assistindo-o desenhar comecei a rabiscar meus primeiros desenhos. Vendo seus personagens criei os meus. Usei suas cartolinas, suas canetas "Futura", "Pilot" e as de nanquim. Atravessei cadernos tentando aos trancos e barrancos imitar as maravilhas que ele desenhava sem qualquer esforço. Com quinze anos Paulo desenhou inteiro um álbum de figurinhas para uma entidade judaica beneficente. O resultado foi tão positivo que o álbum foi distribuído pelo mundo. Por intermédio do Beit Chabad, Paulo recebeu uma benção especial do venerando Lubavitcher rebe shlita, Menachem Mendel Schneerson. Pouco depois desenhou capas e ilustrou livros do célebre e saudoso autor infantil Ganymédes José. Por essa época foi convidado para trabalhar no estúdio de Maurício de Souza. Ficou entusiasmado. Veio a ressalva: "Mas você terá que esquecer os teus próprios personagens e se concentrar única e exclusivamente na Turma da Mônica e no traço característico do Maurício". Paulo polidamente recusou o convite.

Continuou maravilhando a todos com sua arte. Participou, em 1981, de uma campanha do grêmio escolar. A propaganda era feita com seus desenhos. O mascote de sua chapa era um elefante. E todos os dias, eu - que estudava na mesma escola, só que no primário - andava pelos corredores e olhava com total incredulidade sua criação espalhada pela escola. Dezenas - literalmente dezenas - de cartolinas, por vezes duas ou quatro, coladas com fita crepe, gigantes, todas sensacionais. Verdadeiros murais. Propagandas, histórias em quadrinhos, mensagens rápidas, slogans, piadas, tudo ilustrado com o máximo capricho e profissionalismo. Poderia se imaginar que a chapa contratara uma agência de propaganda, não apenas pela quantidade, mas, sobretudo, pela notabilíssima qualidade do trabalho. E ele não chegara nem aos dezoito anos.

Com dezenove, desenhou seu perfil com uma fita crepe na porta de seu quarto. Uma obra-prima de proporção e simplicidade. Em outra ocasião fez seu próprio busto em argila. Magnífico. Eu e meu outro irmão só observávamos, embasbacados com a absoluta perfeição de seu trabalho. Paulo estava longe de ser apenas talentoso. Seus desenhos e esculturas tocavam, realmente, a perfeição. Eram formidáveis. Certa vez chego em casa e encontro uma escultura retratando o mito de Leda e o Cisne, em argila. Não pude acreditar no que via. Minha mãe apareceu e confirmou o que eu já imaginava: "Você viu o que o Paulo fez?"

1984

Em 1982 o Shopping Iguatemi - como costumava ocorrer, naquela época dourada desse shopping - promoveu um concurso de desenho para crianças. O tema era Monteiro Lobato e o prêmio era uma viagem para os estúdios da Globo em Sepetiba, onde era gravado o Sítio do Pica-Pau Amarelo (na incomparável versão de Geraldo Casé, com Zilka Salaberry e Jacira Sampaio). Paulo tomou para si a tarefa de fazer o desenho com o qual eu concorreria. Sentou de frente para sua mesa e fez um desenho de Monteiro Lobato cercado dos personagens do Sítio. Um primor de idéia, de execução e de criação artística. Um desenho que poderia ser capa de qualquer obra contendo os livros de Lobato sobre o Sítio. Venci o concurso em primeiro lugar e fui ao Rio conhecer o Sítio com tudo pago.

Paulo comentava que este desenho estava "inacabado".

Na prova de admissão para o curso superior de Artes que cursou em Nova York, em fins da década de 80, Paulo começou a espirrar pequenos jatos de tinta sobre uma cartolina. Os juízes fecharam a cara, esperando um manjadíssimo plágio de Jackson Pollock. Minutos depois ele levantou a cartolina e a colocou de frente para os juízes. Era seu auto-retrato. Foi aprovado com loas.

A influência de Paulo, entretanto, extrapolou em muito os limites do desenho. Ele acompanhou assiduamente a campanha para governador de 1982. E se ele com dezoito anos acompanhava aquela chatice, eu com dez também tinha que acompanhar, então sentava e assistia com ele o tosco e estático horário eleitoral gratuito, todos os dias. O hoje famosíssimo debate da Band nós assistimos juntos. Só que eu dormi durante grande parte do debate, até que ele me acordou para que eu pudesse me deliciar com a pancadaria entre Jânio e Montoro. E foi ali que se iniciou meu interesse pela política. Foi ali que conheci Jânio, cuja existência se tornaria tão fundamental para mim. A partir dali, com ele ou sem ele, eu acompanhei religiosamente (e em alguns casos participei) de todas as campanhas que se seguiram.

A campanha municipal de 1985, que elegeu Jânio, nós vimos juntos, de cabo a rabo. Anos depois, já em meados da década de 90, ele abre uma editora e passamos dias discutindo que livros poderíamos publicar. Comento minha irritação por Jânio não ter, até aquele momento, uma biografia meticulosa e completa. Ele me responde sem quaisquer rodeios: "Por que VOCÊ não escreve?" A idéia, que jamais passara pela minha cabeça, foi plantada e floresceu. Um ano depois - 1998 - comecei informalmente a pesquisa para a biografia cujo primeiro volume lancei em 2013.

Com ele assisti Gandhi no cinema, aos onze anos. Com ele assisti Amadeus no cinema, aos doze anos. Com ele assisti pela primeira vez em video um filme do Monty Python, que eu nem sabia o que era. E mijei de tanto rir, porque se tratava de nenhum outro a não ser And now for something completely different. Graças a ele assisti o primeiro Rocky de Stallone, em video, pelo qual eu passava todos os dias na locadora e ignorava olimpicamente. Mas isso não é nada; com ele assisti Chaplin pela primeira vez, em filmes que a Globo passava domingo pela manhã. Lembro-me que asisstimos O Garoto juntos e no meio do filme, na seqüência em que o policial tenta levar o menino e Chaplin dá um jeito de recuperá-lo, Paulo deu um salto: "Cortaram o filme! Cortaram uma cena inteira!" Sem noção do que ele dizia, ele explicou: "Existe uma seqüência inteira de perseguição pelos telhados das casas! A Globo cortou!" Dias depois ele me mostra a seção de correspondência da Folha de S. Paulo. Inconformado, ele escreveu para o jornal e relatou o corte criminoso da obra-prima de Chaplin. E o jornal publicou a carta. Paulo sentiu-se melhor. Seu dever, como chaplófilo (obrigado, Jô, pelo termo), estava cumprido.


Com ele assisti o Rei Lear de Olivier, em video, meu primeiro contato com Shakespeare. Com ele assisti Ubu-Rei, do Ornitorrico, no teatro. Ri às lágrimas com Cacá Rosset, José Rubens Chachá e o saudoso Gerson de Abreu. Como esquecer o gordíssimo Gerson entrando nu em pelo no palco, tendo apenas uma pequena cartola cobrindo-lhe as pudendas? E em 1987, a grande obra de Paulo: ele me levou para assistir o Cyrano de Bergerac de Fagundes, dirigido por Flávio Rangel. Mudou minha vida. Me quebrou ao meio e inoculou o teatro no meu sangue para sempre. Assistimos Cyrano
duas vezes. Na segunda ele me comprou a tradução de Ferreira Gullar, à venda no saguão do teatro.

Ele conhecia tudo, sabia de tudo, me explicava tudo. Foi o maior leitor que já conheci. Era um manancial inesgotável de conhecimento. E gostava de transmitir essa cultura ao irmão oito anos mais novo. Uma criança talvez tão curiosa quanto ele o fora. Mas nossos pais estavam sempre ocupadíssimos com seus próprios pepinos, trabalho, pagamentos, construção de casa, etc., e Paulo abriu suas picadas culturais sozinho. Não teve quem o tomasse pela mão como ele fez comigo.


Além do desenho, Paulo também brilhou na literatura. Em 2008 lançou Jack , o Estripador - A Verdadeira História, 120 Anos Depois. Em 2016 veio o Guia politicamente incorreto dos presidentes da República, best-seller da notória coleção criada por Leandro Narloch. Em 2018 lança pela Harper Collins o divertido Cogumelo Jesus e Outras Teorias Bizarras Sobre Cristo, juntando as mais absurdas histórias e teorias atribuídas a Cristo. E no mesmo ano lança o romance, Anjo Negro, história ficcional de Gregório Fortunato contada em primeira pessoa pelo próprio. Por esse livro ele recebeu o Prêmio Cepe Nacional de Literatura 2017, na categoria Romance.

2009

Tenho milhares de histórias com o Paulo. Aprendi tanto com ele. Fomos tão próximos quanto dois irmãos podem ser. Tivemos rompimentos estrepitosos, reconciliações fantásticas, trabalhamos juntos um punhado de vezes... Paro por aqui porque nem sequer me atreveria a tentar elencar algumas dezenas de episódios, que fossem, neste momento. Não é a hora e nem eu conseguiria. Quero apenas comunicar que ele se foi. Que morreu um homem inteligente numa época em que não podemos prescindir de homens inteligentes. Morreu o homem mais culto que já conheci. Morreu um super-dotado. Um raríssimo ser humano bafejado pela genialidade. Alguém que poderia ensinar professores de História sobre Napoleão e professores de Cinema sobre Zeffirelli. Alguém que falara em escrever um romance sobre Sherlock Holmes no Brasil anos antes de Jô Soares escrever O Xangô de Baker Street. Alguém que falou em fazer um filme sobre a guerra de Canudos anos antes de Sérgio Rezende dirigir o filme Guerra de Canudos. Alguém que se foi de maneira ridiculamente prematura, aos 56 anos, mas que deixou no mundo sua imensa impressão digital. E nela, sua preciosa impressão mental, sentimental e espiritual. E era meu irmão. (07/06/2021)



sábado, 3 de julho de 2021

Sandra Bullock fala de "Fire on the Amazon" no Programa Livre, em 1997


Sandra, em 1997
Meus caros,
em 1997, três anos depois do sucesso de Speed ("Velocidade Máxima"), o diretor Jan de Bont se juntou novamente à Sandra Bullock para uma continuação. Keanu Reeves, talvez prevendo que a seqüência ou não era necessária, ou não alcançaria jamais o sucesso do primeiro, não quis participar. Perguntada sobre isso, a razão dada por Bullock era de que Reeves acabara de fazer um filme de ação e não desejava emendar um no outro. Mentira. Seu último filme de ação, Chain Reaction, estreara um ano antes, e desde então ele já emendara três filmes que nada tinham a ver com o gênero: a comédia Feeling Minnesota, o indie The Last Time I Committed Suicide e o drama The Devil's Advocate, prestes a estrear. Em seu lugar os produtores cometeram a insanidade de colocar um dos mais deploráveis canastrões de Hollywood, um galãzinho insignificante, de quinta categoria chamado Jason Patric. Para piorar, o roteirista original, Graham Yost, também ficou de fora e o roteiro acabou nas mãos de dois ilustres ninguéns, Randall McCormick e Jeff Nathanson. O resultado foi um desastre de proporções estratosféricas. Um fracasso de público e crítica. Mas isso só ficou meridianamente claro tempos depois.

Em agosto de 1997, entretanto, dois meses depois da estréia norte-americana, o estúdio resolveu trazer Sandra e Jason ao Brasil para promover o filme. Apreciador de Bullock, eu assisti algumas de suas entrevistas no Brasil, para o Metrópolis e outros programas eminentemente culturais. Não creio que foi ao Jô, aliás, por alguma razão. A impressão inicial foi claríssima: Sandra era exatamente o que se esperava dela, ou seja, simpática, engraçada e divertida. E o substituto de Keanu Reeves também não surpreendeu; era, nas entrevistas, o que é em frente as câmeras: uma nulidade. Insípido, inexpressivo, desagradável e descartável.

Soube (já não me recordo se pela Ilustrada ou através de um amigo que trabalhava no SBT) que na segunda-feira, 4 de agosto de 1997, ela daria uma entrevista para o Programa Livre, de Sérgio Groisman. Acionei meu amigo e ele deu um jeito de me colocar na platéia do programa, que era ao vivo. Sentei-me no canto de uma das arquibancadas do estúdio, que dava diretamente para a saída dos convidados. Cumprimentei Groisman, que passou por ali pouco antes de começar a transmissão, e qual não foi minha surpresa quando ele me tratou com inusitada familiaridade. A única coisa que posso imaginar é que se lembrou de quando o conheci pessoalmente, na Semana Cultural do Mackenzie, anos antes, na qual integrou uma mesa com o jornalista Nelson Gomes e o dramaturgo Geraldo Vietri. Ou talvez ele seja, mesmo, naturalmente legal e boa praça com todo mundo.

O apresentador, porém, estava um pouco alterado e compreendi o porquê minutos depois. No centro do estúdio, ele cumprimentou o público e disparou: "Galera, em primeiro lugar, o ator que vinha com a Sandra Bullock deu o cano! O convite era para os dois e ele simplesmente não veio". Como ninguém nem conhecia aquele inútil e 100% do público estava lá para ver Sandra, não houve qualquer comoção. A notícia que veio a seguir foi um pouco mais traumática: "A assessoria dela acaba de me avisar que o uso de máquinas fotográficas está completamente proibido. E não é só isso: me disseram que se uma foto for tirada, ela levanta e vai embora". O público chiou. Ele continuou: "Vai passar uma pessoa da produção para pegar as máquinas de todos vocês. E no fim do programa elas serão devolvidas". Enquanto parte do público vaiava ou reclamava, ao entregar suas máquinas, ele desabafou: "É a primeira vez que isso acontece no Programa Livre. Temos atrações internacionais toda hora e nunca houve uma exigência desse tipo. Peço desculpas a vocês". O público aplaudiu, sabendo que nenhuma culpa cabia a Groisman, sempre liberal e tranqüilo com sua platéia, e apesar da decepção inicial com as câmeras houve grande empolgação quando Sandra foi anunciada e entrou no estúdio. A bem da verdade, em questão de segundos qualquer contratempo foi esquecido, diante da estrela, mais linda e mais simpática do que nunca.

No meio do programa eu perguntei sobre Fire on the Amazon, filme que ela protagonizou ainda em início de carreira, com produção executiva de Roger Corman. Sua resposta foi inteligente, objetiva e informativa. Confessou que só aceitou o trabalho para poder conhecer a Amazônia peruana, em Iquitos, onde foi gravado o filme, e que aproveitou a experiência para aprender sobre aspectos básicos de uma filmagem, como respeitar marcas e coisas do tipo. Anos depois ouvi rumores de que ela se arrependera de ter feito esse filme, em virtude de cenas de nudez e a exploração gratuita delas, agora que ela era famosa. Para mim, que nem sequer vira o filme e só o mencionara por achar interessante sua associação com o velho mestre dos filmes B, não fazia qualquer diferença. Durante a entrevista ela equilibrou-se entre o humor e a seriedade, pendendo mais para o sério. E não por decisão sua, mas porque as perguntas foram inesperadamente inteligentes e relevantes. Isso permitiu que ela desse vazão a um curioso traço de sua personalidade: considerada inicialmente apenas uma brincalhona, sempre bem-humorada e descontraída em suas entrevistas, não foi necessário muito tempo para perceber que por trás disso há uma profissional dedicada, competente, e uma mulher articulada e brilhante. E sua participação foi um deleite para todos os presentes e para aqueles que assistiram a transmissão ao vivo, do SBT. Quando a entrevista terminou e o programa foi para o comercial, ela levantou e veio em minha direção, já que eu estava sentado ao lado da saída dos convidados. Beijei-lhe a mão. Ela pôs sua outra mão em minha cabeça e agradeceu, maravilhada com a gentileza do público brasileiro. Dito isto passo ao epílogo deste texto:

Estando presente à trasmissão ao vivo, não pude gravar o programa e durante anos tentei encontrar alguém que o tivesse gravado. Na época do Orkut eu cheguei a entrar em comunidades de Sandra Bullock no Brasil e nos Estados Unidos, na esperança de que colecionadores tivessem essa fita. Não tinham. No Youtube a coisa não foi muito melhor. Há uns dez anos vi no site a cena de sua entrada e ela cumprimentando Groisman. Terminava ali, e aparecia um e-mail para que o programa fosse encomendado na íntegra. Escrevi. Nada. E conversando outro dia com esse mesmo amigo que conseguiu minha entrada no programa, e lamentando nunca ter conseguido assistir a entrevista, ele pergunta sobre o Youtube. Por desencargo de consciência fui dar uma olhada e eis que a entrevista foi postada, finalmente, no ano passado, depois de 23 anos. Pude, portanto, assistir a entrevista e minha pequena participação, depois de 24 anos. E foi muito divertido. Lamento apenas não ter tirado os óculos na hora de perguntar.


sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Comentário rápido sobre ante-ontem



O que aconteceu ante-ontem em Washington foi uma página negra na história dos Estados Unidos e de todas as democracias ocidentais. Durante os últimos dois anos Bill Maher buzinou em seu programa que Trump não sairia da Casa Branca, ganhando ou perdendo. A profecia acabou caindo no vazio pelo excesso de sua repetição. Ontem, entretanto, vimos sua concretização. E vimos também do que é capaz essa tropa de depravados, inescrupulosos e imbecis que vota em Trump. Protagonizaram uma invasão que é um espelho de quem a idealizou e incitou: caótica, criminosa, e acima de tudo, ridícula. Perucas de touro, bandeiras confederadas, selfies com policiais, roubo de púlpitos e toda a burrice oceânica que caracteriza esse rebotalho da humanidade que Hillary Clinton tão inspiradamente denominou "basket of deplorables". Como cereja desse bolo humano macabro, uma trumpista de carteirinha, veterana das Forças Armadas, foi baleada e morreu. Outras três pessoas morreram na barafunda. Parabéns a Trump e seus deplorables.

Sempre tive a mais perfeita noção do cafajeste tapado, imoral e oportunista que é Trump. E do quanto seria perigoso elegê-lo simplesmente pela piada. Porque a piada pode ter sua graça quando é contada na televisão e o bobo da côrte não passa disso: um bobo da côrte. Mas quando o cetro do reino é entregue ao bobo, a graça termina. A ascensão de Trump à presidência norte-americana pôs a descoberto a fragilidade dessa democracia de duzentos anos, tão respeitada e tão emulada. Pôs a descoberto a fragilidade de instituições que o país por décadas não se atreveu jamais a questionar. E pôs a descoberto a confiança que os norte-americanos têm na segurança dessas instituições. Foi chocante ver o Capitólio, centro da vida legislativa de Washington, ruindo como um castelo de cartas diante da primeira investida dos idiotas pró-Trump. Imaginávamos que ao menor rebuliço, um tiro de tanque reduziria todo mundo a pó. Não foi bem assim. É tanta a confiança de que ninguém jamais se atreveria a invadir o Capitólio (incólume desde 1814) que a segurança parecia ser feita pelos Keystone Cops, ou por uma equipe de guardas de trânsito, completamente inermes diante da baderna.

Curioso, também, que o termo "república de bananas", tão comumente associado a nós pelos norte-americanos, tenha sido usado por eles para caracterizarem-se a si próprios. A presença de Trump e sua camarilha no mais alto escalão do governo é a prova de que - assim como no Brasil - quando o povo elege de maneira irracional, movido pelo ódio ou pelo radicalismo, incide-se no erro funesto de deixar o hospício nas mãos dos loucos, ou, pior ainda, de entregar a chave do cofre nas mãos dos bandidos. Vemos isso acontecer no Brasil há dezoito anos. Nos Estados Unidos, porém, a culpa não é do povo: W foi derrotado em seu primeiro mandato e Trump foi derrotado nas duas vezes em que concorreu. Só chegou ao Salão Oval por causa do Colégio Eleitoral.

Não é necessário ser pitonisa para saber que Bolso - sendo uma cópia piorada de Trump - vai tentar a mesma coisa, ou ainda pior, no Brasil, em 2022. E haverá embate entre dois exércitos de bucéfalos: bolsoafetivos e viúvas ensandecidas do lulopetismo. Espero que aqueles que não comungam com nenhum desses dois movimentos asquerosos se unam em busca de uma alternativa.
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