Meus caros,
em post recente falei da participação do desenhista e compositor Nássara na eleição para governador de 1954. Houve muitos cartunistas que depintaram esse grande pleito e emprestaram-lhe humor, graça e informação. Há, entre eles, um que está hoje esquecido porque se foi no ano seguinte: o campinense Manuel "Manolo" Romano (1895/1955). Pouco se sabe sobre ele, mas durante muitos anos (quase 20, creio eu), Manolo dedicou seu talento ao semanário humorístico O Governador, fundado por Laio Martins em 1934.
Jânio, por Manolo, 1954 |
Em agosto de 48 ele falou sobre isso, em discurso à Câmara: "Vou ter coragem de declarar de público o nome das revistas que coletei e solicitar da Mesa que as encaminhe juntamente com a Indicação que ofereci ao Sr. Prefeito, para que este, por sua vez, as remeta ao Sr. Secretário da Segurança. Vejamos se S. Excia., ao examiná-las, ao lê-las, entenderá ou não, comigo e com todos, que são nocivas, que são temíveis, que são atentatórias da moral pública e que representam um delito, delito indicado com clareza no artigo 234 da Codificação Penal. (...) Pois bem, a primeira é intitulada Seleções Humorísticas, como disse; a segunda, O Riso; a terceira, Bom Humor; a quarta, O Governador (Risos) — Vv. Excias. me perdoem o título, que não é meu".
Jânio foi um vereador cheio de falso moralismo e O Governador não tinha nada de pornográfico ou atentatório à moral. A razão pela qual o então vereador decidiu investir contra a publicação foi que ela era adhemarista. Provavelmente não por ideologia, mas por trabalhar a soldo de Adhemar e do PSP, então era natural que todas as charges fossem de apoio ao ex-governador.
01/07/1954 |
As charges de Manolo não mostravam o Adhemar real, obeso e fanfarrão,
mas como um atleta imbatível em qualquer disputa de votos (22/07/1954)
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Na sucessão de Lucas Garcez, sendo o lhano Prestes Maia o principal contendor de Adhemar, imaginava-se que o chumbo grosso do semanário fosse direcionado a Hugo Borghi. Jânio, porém, contrariou todos os prognósticos e, embora eleito em março de 1953 para a prefeitura de São Paulo, lançou sua própria candidatura. As chances de Adhemar voltar aos Campos Elíseos foram ameaçadas. Mas o chargista Manolo ganhou conteúdo de sobra para seus desenhos.
Hugo Borghi, Jânio (de capelo, simbolizando sua inexperiência em eleições)
e Adhemar (04/03/1954)
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Garcez fala sobre a sucessão presidencial com Vargas. Charge publicada doze dias antes do suicídio de Vargas |
Em outra ocasião, quando o prefeito multou Adhemar por despejar sobre a cidade milhões de trevos de quatro folhas (símbolo adhemarista) de um avião, o jornal disparou: "Só quem vive nas TREVAS é que odeia o trevo de quatro folhas". Quando Jânio, por alguma razão, deixou de comparecer às comemorações de 9 de julho daquele ano, o petardo não se fez esperar: "É a primeira vez que um prefeito brilha pela ausência na data mais gloriosa da terra bandeirante".
Jânio e Prestes Maia chegam atrasados à disputa (29/07/1954) |
Adhemar na liderança, Jânio na vassoura, Maia em um patinete e Hugo Borghi a pé |
12/08/1954 |
Desferido o pleito e vitorioso Jânio, o jornal não teve outra alternativa senão render-se ao que sentenciou o povo paulista. Mas as charges de Manolo vieram com humor e acidez. Em uma delas Jânio não aparece como vencedor pelo seu mérito e detentor da maioria dos votos, mas como alguém que colocou uma casca de banana no caminho de Adhemar e o fez cair. Até o espaço ocupado pela charge é menor, em relação àquelas publicadas quando ainda se pensava que Adhemar seria o vencedor.
28/10/1954 |
A última charge é ainda mais curiosa. Lucas Nogueira Garcez, que deixava o governo, era uma belíssima figura mas só se elegeu porque contou com o prestígio e o apoio de Adhemar. No governo, talvez horrorizado com as mazelas de Adhemar e a influência nefasta que o ex-governador pretendia exercer sobre ele, se desaveio com o mentor. Não chegou a se tornar figura non grata no Governador, mas recebeu patada em forma de charge. Nela, mostra a Jânio sua herança: Impostos, a situação econômica e o déficit das finanças.
11/11/1954 |
Quem estava em crise financeira não era São Paulo, e sim O Governador. Quando Manolo morreu, em setembro de 1955, a revista não estava sequer circulando. Quando voltou fizeram uma bela homenagem ao desenhista, ilustrada por Karikato (que não consegui apurar quem é). A revista seguiu heroicamente por um tempo, mas não chegou ao fim da década.
E Jânio fez um belo governo até o início de 1959. Assim como acontece com Belmonte, que morreu antes de Jânio ganhar notoriedade como vereador, e não o desenhou, gostaria de ver o que Manolo e O Governador - sempre na oposição ao mato-grossense - teriam aprontado com Jânio na presidência.
Manolo, por Karikato |
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Bernardo Schmidt
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Ver também:
- Jânio, Adhemar e Nássara
- Jânio, Glauco e Santiago
- Jânio - Vida e Morte do Homem da Renúncia
- A biografia de Jânio no Programa do Jô
- O dia em que conheci Jânio
- Dirce "Tutu" Quadros (1943/2014)
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Que bacana! O Manolo era o meu bisavô.
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