sábado, 3 de julho de 2021

Sandra Bullock fala de "Fire on the Amazon" no Programa Livre, em 1997


Sandra, em 1997
Meus caros,
em 1997, três anos depois do sucesso de Speed ("Velocidade Máxima"), o diretor Jan de Bont se juntou novamente à Sandra Bullock para uma continuação. Keanu Reeves, talvez prevendo que a seqüência ou não era necessária, ou não alcançaria jamais o sucesso do primeiro, não quis participar. Perguntada sobre isso, a razão dada por Bullock era de que Reeves acabara de fazer um filme de ação e não desejava emendar um no outro. Mentira. Seu último filme de ação, Chain Reaction, estreara um ano antes, e desde então ele já emendara três filmes que nada tinham a ver com o gênero: a comédia Feeling Minnesota, o indie The Last Time I Committed Suicide e o drama The Devil's Advocate, prestes a estrear. Em seu lugar os produtores cometeram a insanidade de colocar um dos mais deploráveis canastrões de Hollywood, um galãzinho insignificante, de quinta categoria chamado Jason Patric. Para piorar, o roteirista original, Graham Yost, também ficou de fora e o roteiro acabou nas mãos de dois ilustres ninguéns, Randall McCormick e Jeff Nathanson. O resultado foi um desastre de proporções estratosféricas. Um fracasso de público e crítica. Mas isso só ficou meridianamente claro tempos depois.

Em agosto de 1997, entretanto, dois meses depois da estréia norte-americana, o estúdio resolveu trazer Sandra e Jason ao Brasil para promover o filme. Apreciador de Bullock, eu assisti algumas de suas entrevistas no Brasil, para o Metrópolis e outros programas eminentemente culturais. Não creio que foi ao Jô, aliás, por alguma razão. A impressão inicial foi claríssima: Sandra era exatamente o que se esperava dela, ou seja, simpática, engraçada e divertida. E o substituto de Keanu Reeves também não surpreendeu; era, nas entrevistas, o que é em frente as câmeras: uma nulidade. Insípido, inexpressivo, desagradável e descartável.

Soube (já não me recordo se pela Ilustrada ou através de um amigo que trabalhava no SBT) que na segunda-feira, 4 de agosto de 1997, ela daria uma entrevista para o Programa Livre, de Sérgio Groisman. Acionei meu amigo e ele deu um jeito de me colocar na platéia do programa, que era ao vivo. Sentei-me no canto de uma das arquibancadas do estúdio, que dava diretamente para a saída dos convidados. Cumprimentei Groisman, que passou por ali pouco antes de começar a transmissão, e qual não foi minha surpresa quando ele me tratou com inusitada familiaridade. A única coisa que posso imaginar é que se lembrou de quando o conheci pessoalmente, na Semana Cultural do Mackenzie, anos antes, na qual integrou uma mesa com o jornalista Nelson Gomes e o dramaturgo Geraldo Vietri. Ou talvez ele seja, mesmo, naturalmente legal e boa praça com todo mundo.

O apresentador, porém, estava um pouco alterado e compreendi o porquê minutos depois. No centro do estúdio, ele cumprimentou o público e disparou: "Galera, em primeiro lugar, o ator que vinha com a Sandra Bullock deu o cano! O convite era para os dois e ele simplesmente não veio". Como ninguém nem conhecia aquele inútil e 100% do público estava lá para ver Sandra, não houve qualquer comoção. A notícia que veio a seguir foi um pouco mais traumática: "A assessoria dela acaba de me avisar que o uso de máquinas fotográficas está completamente proibido. E não é só isso: me disseram que se uma foto for tirada, ela levanta e vai embora". O público chiou. Ele continuou: "Vai passar uma pessoa da produção para pegar as máquinas de todos vocês. E no fim do programa elas serão devolvidas". Enquanto parte do público vaiava ou reclamava, ao entregar suas máquinas, ele desabafou: "É a primeira vez que isso acontece no Programa Livre. Temos atrações internacionais toda hora e nunca houve uma exigência desse tipo. Peço desculpas a vocês". O público aplaudiu, sabendo que nenhuma culpa cabia a Groisman, sempre liberal e tranqüilo com sua platéia, e apesar da decepção inicial com as câmeras houve grande empolgação quando Sandra foi anunciada e entrou no estúdio. A bem da verdade, em questão de segundos qualquer contratempo foi esquecido, diante da estrela, mais linda e mais simpática do que nunca.

No meio do programa eu perguntei sobre Fire on the Amazon, filme que ela protagonizou ainda em início de carreira, com produção executiva de Roger Corman. Sua resposta foi inteligente, objetiva e informativa. Confessou que só aceitou o trabalho para poder conhecer a Amazônia peruana, em Iquitos, onde foi gravado o filme, e que aproveitou a experiência para aprender sobre aspectos básicos de uma filmagem, como respeitar marcas e coisas do tipo. Anos depois ouvi rumores de que ela se arrependera de ter feito esse filme, em virtude de cenas de nudez e a exploração gratuita delas, agora que ela era famosa. Para mim, que nem sequer vira o filme e só o mencionara por achar interessante sua associação com o velho mestre dos filmes B, não fazia qualquer diferença. Durante a entrevista ela equilibrou-se entre o humor e a seriedade, pendendo mais para o sério. E não por decisão sua, mas porque as perguntas foram inesperadamente inteligentes e relevantes. Isso permitiu que ela desse vazão a um curioso traço de sua personalidade: considerada inicialmente apenas uma brincalhona, sempre bem-humorada e descontraída em suas entrevistas, não foi necessário muito tempo para perceber que por trás disso há uma profissional dedicada, competente, e uma mulher articulada e brilhante. E sua participação foi um deleite para todos os presentes e para aqueles que assistiram a transmissão ao vivo, do SBT. Quando a entrevista terminou e o programa foi para o comercial, ela levantou e veio em minha direção, já que eu estava sentado ao lado da saída dos convidados. Beijei-lhe a mão. Ela pôs sua outra mão em minha cabeça e agradeceu, maravilhada com a gentileza do público brasileiro. Dito isto passo ao epílogo deste texto:

Estando presente à trasmissão ao vivo, não pude gravar o programa e durante anos tentei encontrar alguém que o tivesse gravado. Na época do Orkut eu cheguei a entrar em comunidades de Sandra Bullock no Brasil e nos Estados Unidos, na esperança de que colecionadores tivessem essa fita. Não tinham. No Youtube a coisa não foi muito melhor. Há uns dez anos vi no site a cena de sua entrada e ela cumprimentando Groisman. Terminava ali, e aparecia um e-mail para que o programa fosse encomendado na íntegra. Escrevi. Nada. E conversando outro dia com esse mesmo amigo que conseguiu minha entrada no programa, e lamentando nunca ter conseguido assistir a entrevista, ele pergunta sobre o Youtube. Por desencargo de consciência fui dar uma olhada e eis que a entrevista foi postada, finalmente, no ano passado, depois de 23 anos. Pude, portanto, assistir a entrevista e minha pequena participação, depois de 24 anos. E foi muito divertido. Lamento apenas não ter tirado os óculos na hora de perguntar.


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