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AS ESTRÉIAS DE BIBI — 3/4
Revista da Semana, 11/9/37 |
As suas interpretações são invulgares e o seu talento é brilhantíssimo. A Ipanema vai ter a primazia da apresentação de Bibi Procópio Ferreira em recitais radiofônicos. (A Batalha, 30/6/37)
As últimas apresentações de Bibi Procópio Ferreira ao nosso público constituem um esboço vigoroso e evidente de uma gloriosa carreira artística. (A Batalha, 2/7/37)
Bibi Procópio Ferreira podia passar a ser, após a sua estréia, "a filha de Procópio", como é tão comum. Mas não foi o que se deu. Ela afirmou uma personalidade própria, mostrou ter recursos para vencer por si mesma e conquistar, tornar legitimamente seu, o nome que trouxe do berço. (Vida Doméstica, Set/37)
O livro Bibi Ferreira, Uma Vida no Palco, de 2003, diz, em determinado trecho (baseando-se em um artigo escrito por Brício de Abreu para a revista O Cruzeiro, na edição de 17 de novembro de 1956), sem
mencionar qualquer data, mas referindo-se a período que corresponde à
adolescência de Bibi: “A esta altura, já tocava violino e também dava aulas de
violão, além de ser a rainha das festas familiares, onde dançava e cantava.
César Ladeira a ouviu e levou-a para a Rádio Mayrink Veiga”.
Not quite. Vamos aos fatos:
Bibi teve
sua estréia no cinema com Cidade-Mulher
no dia 27 de julho de 1936. No dia seguinte o jornal Gazeta de Notícias informou que o famoso cantor de tangos Antônio
Gomes, conhecido como "Milonguita", fora nomeado diretor artístico da
PRH 8, Rádio Ipanema. Enquanto a Inglaterra já tinha televisão desde 1932, a
rádio-difusão ainda engatinhava no Brasil, com seus pouco mais de treze anos, e
Milonguita era considerado um veterano do meio. Trabalhara durante anos na
Cruzeiro do Sul e na Rádio Club do Brasil, e se propunha a reorganizar o time
de artistas da Ipanema. A promessa era alvissareira, considerando que entre os valores
descobertos pelo cantor estavam figuras como Sílvio Caldas e a então jovem e
novata Dalva de Oliveira.
Ary Barroso, por Augusto Rodrigues (Carioca, 29/1/38) |
Na imprensa da
época não descobrimos nem quando e nem como, mas em dezembro de 1936
encontraremos Bibi participando do “Hora H”, programa musical e humorístico que
Ary Barroso trouxe de São Paulo para a Cruzeiro do Sul. Propaganda tardia de Cidade-Mulher ou de outro projeto? Sambas, foxes, tangos? Pode ser qualquer um dessas alternativas. Ary já era então um dos
mais respeitados compositores e revisteiros do país e no punhado de edições de
que participou, Bibi se juntou a talentos precoces e promissores como o dela
mesma, e a artistas no auge de suas carreiras. Estavam lá a cantora paranaense Cidinha
Penteado, de apenas treze anos, apelidada de “a rainha do folclore brasileiro”
ou “a garota que canta como gente grande”; as cantoras Neyde Barros e a irmã de
Francisco Alves, Nair; o cantor e locutor Arnaldo Amaral, os estreantes Anjos
do Inferno e o Regional da PRD 2, entre outros. (Gazeta de Notícias, 24-29/12/36) Teria Milonguita sintonizado sua
antiga casa, a PRD 2, Cruzeiro do Sul, no fim daquele ano, e escutado a menina
Bibi Ferreira cantando?
Quase estréia: com Ary Barroso na "Hora H" (Gazeta de Notícias, 29/12/36) |
O que se
sabe, em caso concreto, é que em fevereiro do ano seguinte a PRH 8 anunciava
para breve um recital de Bibi Procópio Ferreira, "indubitavelmente uma das
mais notáveis e originais intérpretes de foxes americanos que possuímos" (A Batalha, 16/2/37), deixando claro que
o fox Come on, Baby, de Roulien,
cantado em Cidade-Mulher, não era o único
pelo qual Bibi era conhecida. A impressão que fica é que o tangueiro teve, sim,
acesso às suas performances, impressionou-se, assim como todos, com o talento e
a versatilidade da menina de catorze anos e não perdeu tempo em convidá-la para
uma apresentação exclusiva.
Cidinha Penteado |
Seja lá por
qual razão, o parto acabou sendo encruado. Bibi já havia completado quinze anos
quando foi marcado, finalmente, o dia de seu recital na Rádio Ipanema: 30 de
junho de 1937. A Batalha anunciou o
recital com pompa:
É finalmente hoje que, às 20h30, a Rádio Ipanema vai
apresentar Bibi Procópio Ferreira num lindo recital de canções típicas
norte-americanas. Bibi Procópio Ferreira, herdeira legítima da notável
personalidade de seu papai, é uma artista impressionante (não fosse ela filha
de Procópio). As suas interpretações são invulgares e o seu talento é
brilhantíssimo. A Ipanema vai ter a primazia da apresentação de Bibi Procópio
Ferreira em recitais radiofônicos. Ouçam, pois, hoje às 20h30. (30/6/37)
Infelizmente
não foi possível encontrar o set list da estréia radiofônica de Bibi, mas A Batalha do dia 2 de julho rasga
elogios: "O estupendo recital de ontem [referindo-se a 30 de junho], na
Ipanema, serviu para demonstrar mais uma vez o valor indiscutível dos seus
predicados e a originalidade absoluta de suas interpretações ao
microfone". O crítico daquele jornal foi mais um a vaticinar um futuro de
sucesso à pequena Bibi: "As últimas apresentações de Bibi Procópio
Ferreira ao nosso público constituem um esboço vigoroso e evidente de uma
gloriosa carreira artística". (2/7/37)
Bibi e sua mãe, Aída |
A sensação do mês radiofônico, aliás movimentado com a passagem de vários astros de renome internacional, foi, sem dúvida, a estréia de Bibi Procópio Ferreira, essa interessantíssima cantora que a Ipanema lançou vitoriosamente com um belíssimo repertório de músicas americanas. Era grande a responsabilidade dessa menina quando se apresentou ao público. Pelo nome que trazia. Os nomes que não são feitos pelos que os portam, constituem às vezes uma carga penosa, para quem os herdou. Podem auxiliar na carreira. O mais freqüente, porém, é serem um empecilho. Bibi Procópio Ferreira podia passar a ser, após a sua estréia, "a filha de Procópio", como é tão comum. Mas não foi o que se deu. Ela afirmou uma personalidade própria, mostrou ter recursos para vencer por si mesma e conquistar, tornar legitimamente seu, o nome que trouxe do berço. A sua estréia foi a mais auspiciosa, estando de parabéns os dirigentes da Rádio Ipanema por terem trazido ao "broadcasting" um elemento tão promissor. (Set/37)
Bibi em sua estréia, no trabalho impecável de restauração e colorização de Reinaldo Elias |
A Batalha, 2/7/37 |
Diante de tantos encômios e o que foi, de fato, uma recepção calorosa e entusiástica de parte do público ouvinte, Milonguita tratou de contratar Bibi não apenas para o quadro de artistas da emissora, mas para apresentar seu próprio programa na Ipanema. O mês de julho foi inteiro passado entre discussões e preparativos, e no início de agosto o jornal A Batalha mais uma vez deu o furo: Bibi estava contratada para um programa semanal e estrearia no dia 10 daquele mês. O release foi bombástico:
Pouco depois do vitorioso recital de Bibi
Procópio Ferreira na Rádio Ipanema, A BATALHA foi o primeiro jornal que
noticiou o início das démarches da PRH 8 no sentido de obter o concurso
exclusivo da surpreendente artista que, não obstante sua pouca idade, pode ser
classificada como uma das mais notáveis intérpretes da música internacional no
nosso broadcasting. Removido agora um pequeno número de dificuldades de ordem
secundária, Bibi Procópio Ferreira aceitou o vantajoso contrato que lhe
ofereceu Milonguita, devendo estrear como exclusiva da elegante emissora do
Posto 6, na próxima terça-feira, 10 de agosto, com um sensacional programa de
músicas americanas. (3/8/37)
A Batalha, 3/8/37 |
Bibi, com quinze anos recém-completos, concorrendo com Chico Alves e Sílvio Caldas na Mayrink, e Dircinha Baptista e Dalva de Oliveira na Nacional (A Batalha, 30/9/37) |
O cast da
Ipanema, a emissora de Xavier Filho que procurava enfrentar sua concorrência de
igual para igual, era de notáveis, mas são artistas que ficaram nos anos 30;
não romperam a barreira do tempo. Estavam lá Elisinha Pierrotti, "cantora
de músicas finas", o tenor Hugo Guidi, Alayde Briani, "artista lírica
completa", o cantor Potyguar Paranhos, o tangueiro argentino Tito Sosa
(que trabalhara com Milonguita na Cruzeiro), Sylvinha Torres, “um ornamento
gracioso da PRH 8”, Jayme Britto, o “cantor carnavalesco 100%”, o arranjador
Barros Figueiredo, a cantora lírica Gilda Farnése, entre outros, e Bibi, “a
formidável artista das canções internacionais”. Deve ter sido difícil encarar a
temida PRA 9, Rádio Mayrink Veiga, que trazia nomes como Francisco Alves,
Sílvio Caldas, Alvarenga e Ranchinho, Luperce Miranda e Pixinguinha; a PRD 2,
Rádio Cruzeiro do Sul que além de Ary Barroso contava com a maranhense Dilu
Melo e os Anjos do Inferno; a PRG 3, Rádio Tupy, que contava com Carlos
Galhardo e Alzirinha Camargo; e até mesmo a hoje antológica PRE 8, Rádio
Nacional, que surgira apenas um ano antes e já elencava artistas do naipe de Orlando
Silva, Dircinha Baptista, Nuno Roland e Mesquitinha. Bibi, como sempre,
estreava roçando ombros com gigantes.
Alguns colegas de Bibi na Ipanema. Em sentido horário, Jayme Britto (Fon Fon, 6/1/40), Elisinha Pierotti (Fon Fon, 24/6/39), Gilda Farnése (Fon Fon, 17/4/37) e Alayde Briani (Fon Fon, 20/9/41) |
Jeanette MacDonald e Nelson Eddy em "Maytime" |
O programa
de Bibi estreou na Rádio Ipanema em 10 de agosto de 1937, às 20h30. Graças à
propaganda em A Batalha, no dia
seguinte, sabemos que Bibi cantou três músicas norte-americanas: a bem humorada
I’d love to take orders from you (Al
Dubin/Harry Warren), do musical da Warner, Shipmates
Forever (“Viva a Marinha”, no Brasil), lançado em 1935, com Dick Powell — que
interpretou a canção — e Ruby Keeler, direção de Frank Borzage. A segunda foi a
magnífica Will You Remember (Sweetheart)?
(Sigmund Romberg/Rida Young), sucesso do novo musical da Metro, Maytime, que estreara em março nos Estados
Unidos, dirigido por Robert Z. Leonard, e no Brasil recebera o nome de
"Primavera". No filme a canção é um inspiradíssimo dueto dos protagonistas
Jeanette MacDonald e Nelson Eddy, dois dos maiores cartazes de seu tempo, mas
podia ser interpretado individualmente. Ressalte-se que Maytime foi a maior bilheteria do ano de 1937 e Will You Remember tornou-se um dos pièce de résistance da carreira de
Jeanette e Nelson.
A Batalha, 10/8/37 |
A última foi
Rainbow on the River (Louis
Alter/Paul Webster), canção-título do filme com o mesmo nome, dirigido por Kurt
Neumann e produzido pela RKO em 1936, como veículo para o menino prodígio Bobby
Breen. No Brasil virou “Cantando Saudades”. Breen é quem cantou a música e como
tinha apenas 9 anos, a interpretação deve ter sido um passeio para Bibi.
Milonguita, o cantor, compositor e radialista que lançou Sílvio Caldas, Dalva de Oliveira e deu à Bibi sua estréia na rádio (Fon Fon, 26/3/38) |
A Batalha, como sempre, incensou:
"Bibi Procópio Ferreira estreou ontem na Rádio Ipanema. Estréia, sem
dúvida, auspiciosíssima. Bibi Procópio Ferreira comprovou, com desassombro, a
soberba personalidade de que é dotada. (...) Não podia ter sido melhor a
impressão que Bibi Procópio Ferreira deixou no espírito de todos. É, realmente,
uma artista notável". (11/8/37) No mesmo texto acabamos descobrindo o
porquê do eterno interesse da Batalha
nas atividades de Milonguita, da Rádio Ipanema e de Bibi; o músico que a acompanhou
ao piano era Júlio de Oliveira, o mesmo que tocou enquanto ela dançava na
“Noite Farroupilha” de setembro de 1935, e que além de professor de piano e
pianista ocasional dos artistas da Ipanema, era o crítico musical de A Batalha.
A Revista da Semana também festejou, dias
depois: “A estréia auspiciosa de Bibi
Procópio Ferreira na PRH 8 veio abrir novos horizontes à estação de Copacabana.
Realmente, Bibi constitui uma atração que Milonguita conseguiu apresentar ao
nosso público rádio-ouvinte”. (21/8/37)
Divertida mesmo
foi a nota dada pelo A Nação, no
próprio dia 10, classificando Bibi, sabe Deus por quê, de cantora de “blues”: “Bibi
Procópio Ferreira, que é admirável nos blues,
ingressou no cast da Ipanema, que como dissemos, promete muitas novidades nesta
temporada”. (10/8/37) Dias depois veio novo comentário: “Bibi Procópio Ferreira
é uma cantora de blues das mais interessantes da rádio, atualmente”. (18/8/37)
Gastão Lamounier (Fon Fon, 26/10/35) |
A Batalha, 30/9/37 |
Alma Cunha de Miranda (Blog De Óperas e Concertos) |
Nada disso deixaria qualquer recordação, a bem da verdade, não fosse pela presença do sócio honorário e convidado de honra da sociedade, que não era ninguém menos do que o venerando médico e cientista Vital Brasil. Terminada essa parte passou-se para o programa artístico, que teve números individuais com a soprano Alma Cunha de Miranda, "o novo uirapuru brasileiro"; a pianista Maria das Mercês Calazans; a cantora lírica Venilia Martins da Veiga; a declamadora Marietta Lopes de Souza; o cantor Roberto Miranda, e Bibi, como sempre encarregada das "canções típicas", todos acompanhados pelo maestro José Botelho. (O Jornal, 14/8/38)
Naruna Korder (Beira-Mar, 29/10/38) |
No fim de
outubro Bibi volta à dança, que andava meio parada por suas múltiplas
atividades voltadas ao canto: a renomada professora de balé Naruna Korder
anunciou na imprensa a “temporada de bailados” anual, sob o patrocínio da
Associação Brasileira de Imprensa, com suas alunas no Teatro Municipal e Bibi
estava entre elas. “Mme. Naruna”, como era chamada, conhecera a “filhinha de
Procópio” na Feira de Amostras, em 1928, e agora era sua professora. A primeira
de três apresentações foi marcada para o dia 28 de outubro e o programa começava
com árias da ópera Hänsel und Gretel —
conhecida no Brasil como “História de João e Maria” — do alemão Engelbert
Humperdinck, baseada no conto dos Irmãos Grimm. Os papéis principais foram
divididos entre Elsa Maria da Silveira (João), Mary Frisbee (Maria), Yvonne
Gama e Silva (pai), Enid Calaza (mãe) e Bibi interpretando a malévola feiticeira
que atrai crianças com doces e as transforma em biscoitos de gengibre. Não há
indicação precisa das cenas que tiveram participação de Bibi, na imprensa, mas
supõe-se que ela certamente protagonizou números como “Na Casa da Feiticeira” e
“Dança da Feiticeira”.
Diário de Notícias, 19/10/38 |
A parte
cantada "foi desempenhada com eficiência pelos festejados artistas
patrícios: contralto Marietta Lopes de Souza”, que acabava de participar da
festa dos médicos, junto a Bibi, “soprano Chiquinha Jacobina, barítono João
Faini, mezzo-soprano Dyla Cruz, soprano Noêmia de Sá Periraz" e — suprema
ironia — "pelo excelente Coro Russo-Brasileiro, sob direção de Luiza
César, e pela orquestra, sob a regência ativa e seguríssima do maestro Santiago
Guerra".
Na seqüência
veio uma coreografia feita sobre a Rhapsody
in Blue, de George Gershwin (cuja morte prematura, no ano anterior, ainda entristecia o mundo), “outro quadro encantador,
verdadeira Sinfonia Azul”, com Nilcéa Roma, Enid Calaza, Yvonne Gama e Silva,
Yedda Mello, Thais Sá Pires, Elsa Maria da Silveira, Vera Sant’Anna, Maria
Victoria Lessa, Therezinha Muniz Freire, Mary Frisbee, Daisy Davies, Annita
Wright, Yolanda Silva Santos de Souza, e Bibi, todas acompanhadas da orquestra
e do maestro Martinez Grau ao piano.
Diário de Notícias, 25/12/38 |
Para terminar, os divertissements, “variados e luxuosos, no qual mais caprichosamente
puderam as jovens artistas coreográficas exibir o seu talento e aptidões
estéticas”. Bibi participou no número “Baile Militar” com um solo de sapateado.
Houve um segundo espetáculo no dia 30 de outubro e a matinê para a apresentação
das alunas até nove anos no dia 6 de novembro. (Correio da Manhã, 30/10/28)
Ainda sobrou
tempo, naquele ano, para que Bibi participasse do “Salão de Natal”, uma
interessantíssima mistura de sarau com vernissage promovida pela Associação dos
Artistas Brasileiros desde 1933, que durava alguns dias no mês de dezembro e
acontecia no Palace Hotel. Os organizadores eram em sua maioria artistas
plásticos e se dividiam no agendamento dos artistas em cada uma das tardes do
evento, que envolvia música, literatura, teatro e pintura. A tarde na qual Bibi compareceu foi organizada pelo pintor russo
radicado no Brasil, Dimitri Ismailovitch, e por sua aluna, a pintora açoriana também
radicada por aqui, Maria Margarida Soutello. Segundo o Diário de Notícias, no dia cujo agendamento de artistas esteve a cargo dos dois pintores, “o número de grande sensação foi a
apresentação de Bibi Procópio Ferreira, que cantou com raro talento”. (25/12/38)
Infelizmente não sabemos o quê. Mas provavelmente, as tais “canções típicas”,
ou canções norte-americanas com as quais ela tanto se notabilizou na Ipanema.
Bibi
trabalhou com Odilon Azevedo quando tinha 6 anos; ele tinha 24, era solteiro e
galã da companhia de Abigail Maia e Oduvaldo Vianna, em Folha Caída. Em setembro de 1939, eles se reencontraram. Bibi era
agora uma mulher linda de 17 anos. Odilon estava com 35 anos e formara um das
mais prestigiosas companhias teatrais do país com sua esposa, Dulcina de
Moraes, considerada a maior atriz brasileira do momento, e que recebera da famosa atriz italiana Luisa Satanella o título de "a Duse morena dos trópicos".
Para o dia 6
daquele mês foi anunciada a festa artística de Dulcina, que consistia em um
programa triplo: na primeira parte seria encenada Uma Experiência de Amor (“Trois... Six... Neuf...”, creio), de
Michel Duran, com tradução de Brício de Abreu; a segunda parte teria Dulcina
sozinha, no palco, brilhando com o monólogo A
Voz Humana (“La Voix Humaine”, de Jean Cocteau, sem indicação do tradutor,
na imprensa), e na seqüência “Bibi Procópio Ferreira homenageará Dulcina cantando
canções brasileiras e mexicanas”. Havia, como sempre, três performances
diárias: o vesperal às 15h e as apresentações regulares às 20h e às 22h. Bibi
cantaria no vesperal e na sessão das 22h.
Em “A Voz Humana”, a deliciosa peça de um
ato, de Jean Cocteau, (...) a nossa grande comediante será admirada pela
platéia através de todos os seus maravilhosos recursos interpretativos. Os
variados momentos desse lindo poema de amor e de desespero, que é “A Voz Humana”,
serão vividos com todo o expressivo colorido de que se revestem, da mais
infantil meiguice à mais violenta revolta, do tumulto da paixão à serenidade da
renúncia. (O Imparcial, 6/9/39)
Não há comentários sobre a performance de Bibi nas duas sessões, mas deve ter sido uma noite extraordinária para Dulcina, “a nossa maior comediante, valor autêntico e insofismável do teatro nacional”. “A sua festa (...) revestiu-se do maior brilho, assinalando notável acontecimento que repercutiu com simpatia nos meios teatrais da cidade”. Segundo a imprensa, ela recebeu, “ao pisar em cena, uma prolongada e significativa salva de palmas. Também no intervalo entre as duas peças do programa da festa, a homenageada foi novamente alvo de expressivas ovações, ao tempo que eram levadas para o palco lindas corbeilles de flores naturais”. (Diário de Notícias, 8/9/39) Vale dizer também que foi o primeiro encontro artístico de Bibi e a grande Dulcina, que cerca de quinze anos depois se tornaria madrinha da filha única de Bibi, Tina.
Para bancar
o espetáculo Corder teve a ajuda das esposas de grandes empresários como Francis
Walter Hime (avô do compositor Francis Hime), Carlos Guinle (pai de Jorginho
Guinle), Ernesto Gomes Fontes (do conglomerado EG Fontes), Carl Alden Sylvester
(presidente da Light do Rio de Janeiro), a empresária francesa radicada no
Brasil, Blandine Sloper e a princesa polonesa Anna Yolanta Czartoryska, esposa
do príncipe austríaco Ladislaus Radziwill.
Na terça-feira, dia 24, parte do elenco se reuniu para participar do programa de rádio "Ondas Musicais", "dedicadas a todos os rádio-ouvintes que preferem as obras de compositores clássicos e dos modernos já consagrados pelo bom gosto musical". O programa — que possuía beneplácito estatal e patrocínio da Liga Brasileira de Eletricidade — era transmitido ao vivo por seis estações e aquela edição seria quase toda dedicada ao Carioca Cocktail. Bibi esteve entre os participantes:
O Programa "Ondas Musicais apresentou ontem belos números de estúdio, a cargo dos artistas que tomarão parte na revista "Carioca Cocktail". Gostamos de ouvir o Quarteto Azul, esplêndido no gênero. Bibi Ferreira, a talentosa filhinha de Procópio, esteve também muito segura no número "Mammie", de sua autoria. (O Imparcial, 25/9/40)
Serão aplaudidos, após, The Clef Club, com
uma ótima seleção de canções em que suas belas vozes foram muito apreciadas:
Margaret Quick sempre tão contente em uma dança espanhola, tocando suas
castanholas como se estivesse em Sevilha; o sketch "Illusions & Confusions",
que muito fez rir à platéia e o final do primeiro ato: "Song Memories", que reúne
todas as canções dos tempos passados, onde todas as artistas tomaram parte. O
cenário é uma linda vista das "Houses of Parliament" com o rio Tâmisa e o maior
boulevard de Londres — o "embankment" — no "foreground".
Nos meses finais de 1940 Bibi seguiu trabalhando na Mayrink, sempre com grande brilho e acolhimento por parte de público e imprensa. Em outubro, citando "alguns nomes que se puseram em evidência nos últimos trinta dias", a Cinearte citou Lydia Campos, colega de Bibi na emissora. "Outro nome: Bibi Ferreira que além de cantora, interpretando deliciosamente o samba, o tango, o fox, se revela compositora de mérito. Bibi Ferreira é, no momento, um dos grandes cartazes do rádio carioca". (15/10/40)
No fim de novembro esteve no Brasil, em lua de mel com a atriz francesa Marcelle Rogez, o veterano diretor Wesley Ruggles, responsável por inúmeros filmes de grande sucesso no mundo inteiro, como o faroeste Cimarron, a comédia I’m no Angel, com Mae West e Cary Grant, No man of her own, com Clark Gable e Carole Lombard, e dezenas de outros, em uma carreira que remontava aos primeiros anos do cinema mudo. A jornalista Zenaide Andrea, amiga de Bibi desde Cidade-Mulher, era a diretora do departamento de publicidade da Columbia Pictures no Brasil, e a convidou para um encontro com o diretor no Copacabana Palace, que foi registrado pela revista A Scena Muda.
Ruggles adorou o país e falou "do seu encantamento por estar recebendo do Brasil e dos brasileiros uma impressão real, confessando-se mesmo surpreendido com tudo o que estava apreciando". (A Scena Muda, 3/12/40)
O Programa do Almoço continuava, acrescido do locutor Souza Filho e das cantoras Simone Moraes, que pouco depois dublaria Cinderella e se tornaria pioneira nas gravações infantis da célebre coleção “Disquinho”, e Carmen Dolores, mineira que abandonaria o canto para mergulhar de cabeça no rádio-teatro. Mas estava na reta final. Já havia, a essa altura, uns três ou quatro “programas do almoço” em diferentes emissoras, o formato dava sinais de desgaste e era preciso reformulá-lo. Sendo um piloto de prova para novos talentos, nada mais natural que houvesse uma saudável rotatividade no quadro de artistas. No início de dezembro vemos o programa sendo substituído de vez em quando pelo programa de Ademar Casé. O último registro de Bibi no Programa do Almoço e na Mayrink é do sábado, 14 de dezembro, junto a Joaquim Pimentel, Ernani Filho e Lenita Bruno.
Os
apresentadores — ou “compéres”, como se dizia então — foram Paulo Gracindo, no
papel de “Autor” e a cantora Zezé Fonseca, no papel de “Graça”. Embora feito às
pressas, não se pode negar que o nome da revista de Barros e Senna fosse
adequado. Entre estrelas que brilhavam naquele momento, outras que seguiriam
brilhando e outras que brilham até hoje estavam lá os cantores Carlos Galhardo,
Gilberto Alves, Fernando Barreto, Mário Moraes, Sebastião Pinto, o trio “Os
Pinguins” e Moreira da Silva, então referido como “o tal”. As cantoras eram
todas jovens e igualmente promissoras: Bibi, Cynara Rios, Inezita Falcão,
Yvonette Miranda, Janyr Martins, Simone Moraes e Léa Coutinho. Nos sketches
humorísticos e nas “cortinas”, ou entreatos, estavam os também muito populares
e respeitados Armando Louzada, o casal Cordélia e Plácido Ferreira, o casal Déa
Selva — a linda atriz de Ganga Bruta
— e Darcy Cazarré (mais tarde pais dos atores Olney e Older Cazarré), Jararaca
e Ratinho, Silvino Neto e Jorge Murad. Todos com acompanhamento da orquestra do
maestro Bernardo Bontempo. (A Batalha,
15 e 16/1/41)
O espetáculo (...) terminou,
mesmo, abruptamente, sem que tivesse sido dada uma satisfação ao público,
numerosíssimo, aliás, já que não havia um único programa impresso. Aos poucos,
porém, os espectadores, compreendendo que o Sr. Olavo de Barros se tinha esquecido
daquele detalhe, sem medir a irreverência do seu efeito, foram desocupando o
casarão da Praça Tiradentes.
____________________________________
Bibi e Procópio, 1939 |
O Malho, 15/6/39 |
A
apresentação seguinte de Bibi também foi amena. “Mme. Emile Xima” — cujo nome
creio que era Juliette, mas levava sempre o nome do marido, um adido do governo francês
no Brasil — era professora de um conservatório artístico de elite onde, além de
lecionar francês, formava pianistas, dançarinas, declamadoras, cantoras e
atrizes. Há quase dez anos ela fazia, mais de uma vez por ano, apresentações de
suas alunas, geralmente em um estúdio ou em um teatro. Em junho de 1939 o local
escolhido para a vigésima “audição” de suas alunas foi o Teatro Casino, velho
conhecido de Bibi. No dia 3 de junho, às 14h45, o espetáculo começou, diante de
um público seleto e numeroso, que ia dos pais até toda a nata da sociedade franco-brasileira,
incluindo o cônsul e sua família, membros da Missão Militar Francesa e Americana,
o encarregado de negócios da França, a esposa do conselheiro comercial e etc. A
Vida Doméstica estava lá:
Mme. Xima, seríissima (à esq.), e Jenny Pimentel Barbosa (à dir.), sobraçando uma estola, entre convidados e alunas (O Malho, 15/6/39) |
Houve números de piano, declamação e canto, e
a imprensa elogiou particularmente “o sketch opereta Le Grill Room de l’Olympe,
fantasia mitológica em versos, na qual as jovens intérpretes, umas 40, todas
pertencentes às melhores famílias da nossa sociedade, rivalizaram pelo seu
ardor, suas maravilhosas toilettes, sua atuação inteligente e suas vozes
impecáveis”. (jul/39)
Presente, emprestando prestígio ao evento, estava também a escritora e feminista Jenny Pimentel de Borba. Os jornais
anunciaram bastante a "audição", mas só a Vida Doméstica registrou a presença de
Bibi, que provavelmente foi ou ainda era aluna do conservatório: “A Srta. Bibi Ferreira,
acompanhando-se ao violão, encantou os assistentes com uma canção em inglês, e
duas outras em castelhano e vernáculo, estas últimas da autoria da inteligente
e simpaticíssima menina. Foi alvo de estrondosos aplausos”. (id.)
Vida Doméstica, jul/39 |
Quais seriam
essas músicas? Há uns dez anos, quando o IMS disponibilizou na internet o
acervo de José Ramos Tinhorão, encontrei duas músicas de Bibi no meio, gravadas
em 1941: “Lá Longe na Minha Terra”, e “Fitinha Encarnada”. Perguntei a Bibi se
eram músicas de alguma produção teatral ou cinematográfica, e me disse ela serem
composições suas, da época. Imagino, portanto, que ela tenha cantado uma dessas
músicas, que dois anos depois gravou com Dilermando Reis e Jayme Florence.
Dulcina de Moraes (O Malho, 26/7/34) |
O elenco incluía os
pais de Dulcina, Átila e Conchita de Moraes, sua irmã Edith de Moraes, a colega
de Bibi em Cidade-Mulher, Sarah
Nobre, além de novos talentos que iam despontando no rádio e no teatro, como Aristóteles
Penna, Zilka Salaberry (que também fez uma ponta em Cidade-Mulher, protagonizado por seu marido Mário Sallaberry) e
Paulo Gracindo. Eles estavam em temporada no Teatro Alhambra, no centro do Rio,
e ironicamente, uma das peças de seu repertório, Uma Mulher Livre, da argentina Malena Sandor
com tradução de Christovam de Camargo, era sobre o divórcio, assim como Folha Caída. Também de autores
argentinos — Carlos Goicoechea e Rogelio Cordone — a trupe apresentou Noites de Carnaval no início de setembro, com tradução de Odilon.
Dulcina e Odilon (O Malho, fev/40) |
A Gazeta de Notícias se mostrou desatualizadíssima
em sua informação, quando diz, em 31 de agosto, que Bibi prestaria sua
homenagem a Dulcina “cantando, pela primeira vez, em público”. Sem sequer
mencionar seu programa de rádio, essa era provavelmente a vigésima vez que ela
cantava para uma platéia. O Diário de
Notícias de 1º de setembro foi mais acurado: “Em homenagem a Dulcina, Bibi Ferreira
cantará canções brasileiras e mexicanas, acompanhada ao violão por Tito Sosa e
Mário Silva”, deixando entrever que o acompanhamento de Bibi, não por coincidência,
era de dois de seus colegas da Rádio Ipanema.
Correio da Manhã, 5/9/39 |
Mais do que
a peça de Michel Duran, hoje esquecida, salta aos olhos A Voz Humana, no que imagino ser sua primeira encenação no Brasil. O
texto é de 1930, então a menos que alguma atriz tenha se arriscado no perigoso
terreno do monólogo, no meio tempo, foi Dulcina que abriu a picada. A imprensa
fez questão de registrar:
Correio da Manhã, 6/9/39 |
Não há comentários sobre a performance de Bibi nas duas sessões, mas deve ter sido uma noite extraordinária para Dulcina, “a nossa maior comediante, valor autêntico e insofismável do teatro nacional”. “A sua festa (...) revestiu-se do maior brilho, assinalando notável acontecimento que repercutiu com simpatia nos meios teatrais da cidade”. Segundo a imprensa, ela recebeu, “ao pisar em cena, uma prolongada e significativa salva de palmas. Também no intervalo entre as duas peças do programa da festa, a homenageada foi novamente alvo de expressivas ovações, ao tempo que eram levadas para o palco lindas corbeilles de flores naturais”. (Diário de Notícias, 8/9/39) Vale dizer também que foi o primeiro encontro artístico de Bibi e a grande Dulcina, que cerca de quinze anos depois se tornaria madrinha da filha única de Bibi, Tina.
Martha Eggerth e Jan Kiepura |
Cinco dias
antes dessa homenagem, a Alemanha invadiu a Polônia e começou a Segunda Guerra.
O tenor Jan Kiepura, um dos maiores artistas poloneses, casara-se em 1936 com a
igualmente famosa soprano húngara Martha Eggerth e por conta da ascensão do
nazismo, ambos deixaram seus respectivos países no ano seguinte e emigraram
para os Estados Unidos. Continuaram lá uma carreira que já dava frutos na
Europa, tanto no teatro quanto no cinema. Em 1940 Jan terá dois acontecimentos
decisivos em sua vida: seu nome será incluído no dantesco Lexikon der Juden in der Musik – espécie de lista negra de músicos
judeus ou “meio-judeus” elaborada pelo partido nazista alemão — e fará uma
turnê na América do Sul, onde o destaque é sua participação na grande Temporada
Lírica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, patrocinada pela prefeitura e
organizada pelo maestro Sílvio Piergili. De quebra, Martha foi contratada no
mesmo período para uma série de shows no Grill Room do Cassino da Urca, o que significava uma
turnê brasileira concomitante para o célebre power couple da música clássica.
Maestro Silvio Piergili (Site Ópera Sempre) |
A Temporada
Lírica de 1940 foi algo de espetacular. No primeiro semestre, não fazendo
sequer parte do evento, estiveram no Brasil o jovem Jascha Heifetz — já
considerado um dos maiores violinistas do mundo — o pianista polonês (também emigrado
aos Estados Unidos) Arthur Rubinstein e as pianistas brasileiras Guiomar Novaes
e Magdalena Tagliaferro, que alcançaram consagração no exterior e voltavam de
vez em quando ao Brasil. A temporada, propriamente, só começava em agosto.
Prometia catorze óperas e além de Jan Kiepura, trazia tenores como Bruno Landi
e Tito Schipa, e sopranos como a brasileira Bidu Sayão — outra que há tempos
era mais cultuada nos Estados Unidos do que no Brasil, e estava acostumada a se
apresentar com Kiepura no Metropolitan de Nova York — a japonesa Toshiko
Hasegawa, do Scala de Milão, e a franco-italiana Gina Cigna, velha conhecida de
nosso público, entre muitos outros. Orquestra com 75 “professores”, coro de 70
vozes e corpo de baile com 45 figuras, estas sob a direção da bailarina russa
Maria Olenewa, que morava no Brasil desde 1926, quando criou com Mário Nunes
uma escola de dança no Municipal, oficializada em 1931.O corpo de
baile foi criado em 1936.
Mas a cereja
do bolo dessa temporada não era nem Kiepura, nem Bidu e nem Schipa. Silvio
Piergili vinha se desdobrando em negociações desde fevereiro para trazer
Leopold Stokowsky ou ninguém menos do que o venerando Arturo Toscanini para
abrir a temporada. Ou os dois, se fosse possível. Vencidos os intermináveis
óbices financeiros — o cachê de Toscanini era astronômico — a prefeitura do
Rio, em parceria com o governo de São Paulo, conseguiu contratar o velho
Toscanini para quatro concertos no Rio e dois no Municipal de São Paulo.
Não encontrei a data exata de criação do programa, que deve ter ocorrido no início de 1940, mas por volta de abril e maio veremos, graças ao Diário de Notícias, um dos únicos jornais a fornecer a programação diária das rádios, o programa sendo comandado por jovens como o cantor Hedel Luiz, recém-premiado em um concurso de cantores, Manuel Vilar — ou "Manoel Villar", músico negro sobre quem encontrei apenas uma reportagem (Revista da Semana, 29/11/41), contando de nova reformulação do Programa do Almoço, na qual se diz que Manuel era "popularíssimo" e tinha a alcunha nada lisonjeira de "Branca de Neve" — a cantora Odaléia Sodré, de apenas 16 anos, a cantora Nena Robledo, irmã de Emilinha Borba, de vez em quando Marília Batista, João Petra de Barros ou o fadista português Joaquim Pimentel, entre outros, e um quadro para puxar público chamado “Canção da Fan”, no qual Carlos Galhardo provavelmente cantava músicas requisitadas por suas fãs. Galhardo é daqueles que estavam no horário nobre, mas dava uma palinha permanente no Programa do Almoço.
**********
César Ladeira (O Malho, jul/41) |
Fernanda
Montenegro, ao entregar a Bibi o Prêmio Sharp por sua carreira, em 1996, disse:
“Bibi, você sempre foi parte do meu Olimpo teatral. Desde quando eu ouvia você
cantar na Rádio Mayrink Veiga, desde sua estréia no teatro como Mirandolina, eu
sonhei ser como você”. Atualmente, quando se fala da antiga associação de Bibi
com o rádio, a única referência é sua passagem pela Mayrink Veiga, graças ao
convite de seu diretor artístico, César Ladeira. Ignora-se tudo o que veio
antes e fixa-se em um período que, assim como a passagem de Bibi pela Rádio
Ipanema, não durou nem seis meses. Justiça seja feita, a própria Bibi nunca sequer citou a Ipanema. E sobre a Mayrink ela não chegou a ser, digamos, caudalosa nos detalhes. Mas consignou com bastante clareza pelo menos o período onde lá trabalhou: “Como toda garota carioca, já cantei no rádio, aliás, estive até contratada, de julho de 1940 a janeiro de 41, na Mayrink Veiga”. (Jornal das Moças, 29/5/41) Poucos anos depois de sua estréia com Procópio lhe
perguntaram: “Você cantou na Mayrink Veiga no Programa do Almoço?” “Cantei”, respondeu ela, “e compus também
algumas músicas”. (Ilustração Brasileira,
dez/47)
Embora relativamente recente, e Bibi estivesse na ordem do dia por toda a década de 40, o assunto parecia distante e de difícil acesso. Eis um comentário de abril de 1948: “Bibi Ferreira já cantou muito
tempo num Programa do Almoço que
havia na Mayrink Veiga, interpretando foxes”. (Revista do Rádio, abr/48) O “muito tempo” fica por conta do
articulista.
Revista do Rádio, abr/48 |
Se apenas
oito anos depois de Bibi trabalhar na Mayrink as informações já começavam a ganhar braços e pernas, hoje em dia não é diferente. Carla Siqueira, por exemplo, foi responsável
pelo verbete da Mayrink Veiga no DHBB, Dicionário Histórico-Biográfico
Brasileiro, editado pela FGV. Diz ela, escorada em sólida documentação: “Nesse
período de maior evidência da Mayrink Veiga, Almirante ali lançou o seu
programa Caixinha de Perguntas e mais
Programa do Almoço, com Bibi
Ferreira, Lenita Bruno, Alvarenga e Ranchinho e Jararaca e Ratinho”. (Abreu
& outros, 2001)
Almirante, na caricatura de Augusto Rodrigues (Revista do Rádio, abr/48) |
Pois é, mas há um problema: no prefácio de sua biografia de
Noel, o próprio Almirante cita as sete estações por onde passou durante sua
vida no rádio, e lá não está a Mayrink. No mesmo prefácio ele lista nada menos
do que vinte programas criados por ele, e não há qualquer menção ao Programa do Almoço. E se levarmos em
conta a imprensa da época, as duas duplas citadas nunca estiveram no programa.
O erro —
repetido por Roberto Salvador em seu livro A
era do radioteatro, de 2011 — está no fato de que havia outros “Programas
do Almoço” na mesma época, em emissoras como Rádio Transmissora PRE 3, ou a
Rádio Clube do Brasil PRA 3, ambas estações onde Almirante efetivamente
trabalhou, em uma época ou outra. Se criou o programa, não faço idéia. Bibi
certamente não tem a nada a ver com nenhum desses dois. Considerando que criar
um programa musical para a hora do almoço e batizá-lo de “Programa do Almoço”
não é exatamente a invenção da roda, o mais provável é que César Ladeira limitou-se
a incorporar o conceito na Mayrink Veiga. A abalizada Norma Hauer, em belo trabalho
sobre a emissora, elimina Almirante, que entrou para essa história como Pilatos no
Credo, e diz o seguinte:
Cynara Rios (O Malho, jul/40) |
Outra figura, esta ainda em atividade em
pleno século XXI e que estreou na PRA 9 em 1940, foi Bibi Ferreira. Ladeira
logo intitulou Bibi assim: “Um nome tão pequeno para uma artista tão grande”.
(...) Começou no “Programa do Almoço”, transferindo-se logo para o horário
noturno, onde cantava em inglês, espanhol e, naturalmente, português.
(Hauer, 2011)
A informação vem da revista Pranóve (da própria emissora) de agosto de 1940: “Aparecendo no programa do Almoço da PRA-9, logo se transferiu para os programas noturnos, onde César Ladeira, com aquela visão das coisas que lhe conhecemos, disse, de uma feita, e isso ficou como um slogan: Bibi Ferreira, um nome tão pequeno, para uma artista tão grande!” E está
correta, exceto pelo fato de que a estréia de Bibi, como já se viu, foi na
Ipanema, em 1937. Quanto à transferência para o horário noturno, não é
inteiramente exata. Há registro de que ela participou algumas vezes do
programa Balangandans, mas além dele
ser transmitido às 18h, o que não qualifica como um “programa noturno” (que era a partir
das 21h, depois da intragável “Hora do Brasil”, e reservava-se para grandes cartazes como Carmen Miranda, quando ela estava no Brasil, o próprio Ladeira, a atriz e cantora Cordélia Ferreira, Jararaca e Ratinho e poucos outros), Bibi não
era headliner e estava no meio de
diversos outros artistas, como o radialista Paulo Serrano, o compositor Fernando
Barreto, a imitadora Lydia Campos, a cantora — e sua substituta na Rádio
Ipanema — Cynara Rios, etc.
Segundo que a informação é dada um mês depois de sua contratação, quando ela mal começara no “Programa do Almoço”. É mais um release do que qualquer coisa. É possível, entretanto, que tenha sido convidada em uma ou outra ocasião e apresentada ao público por Ladeira, como já o fora anteriormente por Ary Barroso. Vamos aos fatos:
Segundo que a informação é dada um mês depois de sua contratação, quando ela mal começara no “Programa do Almoço”. É mais um release do que qualquer coisa. É possível, entretanto, que tenha sido convidada em uma ou outra ocasião e apresentada ao público por Ladeira, como já o fora anteriormente por Ary Barroso. Vamos aos fatos:
Bibi, 1940 |
Durante seus
primeiros anos a rádio brasileira teve programação apenas em horário nobre, quando as famílias se reuniam e ouviam as notícias e os sucessos do momento.
Em 1940, portanto, programas matinais eram uma novidade e ainda não atraíam o
grosso do público ouvinte. Talvez por isso César Ladeira recheava
o Programa do Almoço — transmitido de
segunda a sábado às onze da manhã — com artistas amadores, tendo aqui e ali a
ajuda de veteranos. O programa servia como uma espécie de oficina para criação e teste de novos talentos e consagração definitiva daqueles que já estavam no meio há um pouco mais de tempo. Se o artista fosse competente, era promovido. Se não empolgasse, era simplesmente retirado sem qualquer prejuízo
à Mayrink. E nisso não estavam só os cantores, mas também os comediantes: "Muitos e muitos astros e estrelas têm nele surgido. Alguns dos nosso melhores humoristas radiofônicos adquiriram público, fama e situações iniciando-se no Programa do Almoço da sua PRA 9". (Revista da Semana, 29/11/41)
Manuel Vilar, o "Branca de Neve" (Revista da Semana, 29/11/41) |
Diário de Notícias, 6/7/40 |
Até o fim de
junho, quando o programa foi reformulado. Saíram alguns artistas, foi limado o
quadro de Galhardo, entrou o cantor Sebastião Pinto como elemento mais
experiente, e tornaram-se praticamente fixos artistas como Hedel Luiz, Manuel
Vilar, a Orquestra Passos, o cantor Ernani Filho, que vinha do Teatro de
Revista, o jovem Ernani de Barros, a quem Ladeira deu o apelido de “o
intérprete dolente da nossa canção”, uma bonequinha linda chamada Lenita Bruno
— de apenas 14 anos, e que rivalizava com Bibi na interpretação de canções
norte-americanas — Nena Robledo e Bibi. Sua estréia na Mayrink ocorre no dia 3
de julho de 1940, junto a Hedel Luiz, Ernani de Barros e Manuel Vilar. Ao contrário
da estréia na Ipanema, amplamente divulgada e hoje esquecida, mesmo sendo um
programa que tinha Bibi como estrela, não encontrei uma única linha ou foto
sobre sua estréia na Mayrink, onde era parte de um elenco. E é, paradoxalmente,
a única incursão radiofônica associada a ela. Talvez porque César Ladeira e a
Mayrink são lembrados até hoje, enquanto Milonguita e a Ipanema infelizmente desapareceram
nos desvãos do tempo.
Foi dito que
o elenco era “praticamente fixo” porque raramente eram os mesmos todos os dias.
No máximo dia sim, dia não, ou alguns dias seguidos. Sebastião Pinto era
razoavelmente constante, mas os outros se alternavam, seja por compromissos ou
por shows fora do Rio, então veremos Ernani Filho e Hedel com Nena Robledo em um
dia, no outro estarão Ernani de Barros, Bibi e a Orquestra Passos, no outro
estarão Hedel, Manuel Villar e Lenita Bruno, e assim por diante. O programa,
que era despretensioso e focado no público feminino que ouvia rádio a essa
hora, continuou agradando, como quase tudo que a Mayrink produziu naquela
época.
**********
Diário de Notícias, 19/6/40 |
O clima era
da mais ansiosa expectativa para a volta de Toscanini ao Brasil, onde estivera 54
anos antes, em 1886, apresentando-se com a orquestra de Leopoldo Miguez, cuja
demissão por desentendimentos múltiplos com seus colegas acabou levando
Toscanini, violoncelista de apenas 19 anos, a empunhar uma batuta e reger uma
orquestra pela primeira vez em sua vida. Os shows ocorreram em meados de junho
e início de julho, dando a largada para a temporada lírica, e foram um
acontecimento.
Na Europa o
clima era bem diferente. No dia do último show de Toscanini no Rio, 10 de
julho, teve início a chamada “Batalha da Inglaterra”, duelo entre a RAF, Força
Aérea Britânica, e a Luftwaffe, Força Aérea Alemã. Semanas depois, já em
agosto, e inaugurada a temporada de óperas no Municipal, dois artistas amadores
de ascendência inglesa, Cyril Corder e Francis Hallawell, tiveram a idéia de
montar um espetáculo em nome do Comitê Britânico de Socorros às Vítimas de
Guerra, com renda revertida para a Cruz Vermelha brasileira, britânica e
polonesa. Ambos eram praticamente desconhecidos, então o Correio da Manhã exagera quando se refere a Corder como "nome
este já bastante conhecido no meio de teatro-amadores do Rio de Janeiro, pelas
suas numerosas produções apresentadas com grande sucesso em diversos teatros do
Rio de Janeiro". (5/9/40)
Correio da Manhã, 24/8/40 |
Resolvida a
questão financeira, ele saiu contratando todos os artistas amadores brasileiros
e ingleses que pôde encontrar no Rio. Conjuntos vocais, comediantes, sketches
dirigidas por Jean Maxwell e Doreen Woodward, o jovem pintor Roberto Burle Marx
para desenhar um dos cenários, as alunas de Peggy Morser e Klara Korte, figurinos
de Louise Malpas, músicos, instrumentistas, cantores e assim por diante. A orquestra de 25 figuras viria do Grill Room do Cassino Copacabana, sob a regência de Carlos Noll, com arranjos do maestro Victor Nisticó. E, claro, a mais célebre artista jovem do momento, capaz de cantar, dançar e interpretar com igual talento, e em vias de se profissionalizar: a filha de Procópio, Bibi Ferreira, que continuava se apresentando no Programa do Almoço, da Mayrink e acabara de entrar na lista de nomes do rádio nacional que mais se destacaram em setembro. (Cinearte, 15/9/40)
Kiepura e Eggerth cantam no benefício pela "Cidade das Meninas" (Revista da Semana, 31/8/40) |
A prefeitura ofereceu o Municipal para uma noite e o espetáculo, batizado de “Carioca Cocktail” — simbolizando o cosmopolitismo da
produção — tomou forma. Os ensaios, para um elenco que ultrapassava as cem
pessoas, ocuparam os meses de agosto e setembro. Seria “uma revista em dois
atos, tipicamente londrina”, permeada de elementos brasileiros. Da maneira que
vinha sendo ensaiada já estaria ótimo. Mas Corder acabou conseguindo o que
parecia impossível: Jan Kiepura e Martha Eggerth foram convidados e aceitaram
participar de um dos números. Os dois artistas eram encantadores, generosos, estavam
adorando o Brasil e haviam participado de eventos beneficentes que iam da arrecadação
de fundos para “as obras da Matriz de Sta. Therezinha” até o chá dançante em
benefício da “Cidade das Meninas”, obra assistencial de Darcy Vargas. Mesmo
encerrada a Temporada Lírica e a temporada no Grill Room, os dois fariam parte
do Carioca Cocktail, cuja apresentação estava marcada para 30 de setembro. (Correio da Manhã, 23/7, 21/8, 5/9, 22/9
e 25/9/40, Diário Carioca, 15/9/40, Diário da Noite, 17/9/1940)
A imprensa
fez seu papel, anunciando constantemente:
"Carioca Cocktail" é na realidade uma mistura
especial de uma infinidade de ingredientes, formulada para satisfazer a todos
os sabores, que será servida ininterruptamente, sendo cada ingrediente
anunciado de forma bastante original por ‘compéres’ brasileiros e ingleses. (...) Do elenco
convém ressaltar o nome da Srta. Bibi Ferreira, filha de Procópio. (Correio da Manhã, 22/9/40)
Correio da Manhã, 15/9/40 |
Correio da Manhã, 28/9/40 |
No dia 23 de
setembro a colônia britânica ofereceu um chá, no Palace Hotel, a todos os
artistas envolvidos no Caroca Cocktail. O Diário Carioca atiçou ainda mais a
curiosidade do público:
Nessa festa (...) tomarão parte, além de
outros artistas brasileiros e britânicos, Jan Kiepura e Martha Eggerth, que
pela primeira vez aparecerão juntos à platéia carioca; Quartetto in Blue, com
Margaret Quick no piano; The Treble Clef Club e, finalmente, Bibi Ferreira, a
famosa e talentosa filha do querido Procópio, cantando e dançando como nunca.
(Diário Carioca, 24/9/40)
Vale
registro, neste caso, de que os “Treble Clef Clubs” eram grupos vocais
femininos de inspiração judaica, e surgiram na cidade norte-americana de
Norfolk, na Virginia, no início do século XX, na YWHA, Young Women's Hebrew Association, Associação Hebréia de Jovens
Mulheres.
O Chá para o elenco do Carioca Cocktail. Bibi parece ser a quarta sentada, da esquerda para a direita. (Diário Carioca, 24/9/40) |
Na terça-feira, dia 24, parte do elenco se reuniu para participar do programa de rádio "Ondas Musicais", "dedicadas a todos os rádio-ouvintes que preferem as obras de compositores clássicos e dos modernos já consagrados pelo bom gosto musical". O programa — que possuía beneplácito estatal e patrocínio da Liga Brasileira de Eletricidade — era transmitido ao vivo por seis estações e aquela edição seria quase toda dedicada ao Carioca Cocktail. Bibi esteve entre os participantes:
O Programa "Ondas Musicais apresentou ontem belos números de estúdio, a cargo dos artistas que tomarão parte na revista "Carioca Cocktail". Gostamos de ouvir o Quarteto Azul, esplêndido no gênero. Bibi Ferreira, a talentosa filhinha de Procópio, esteve também muito segura no número "Mammie", de sua autoria. (O Imparcial, 25/9/40)
O Imparcial, 25/9/40 |
Mammie, composta por Bibi, é música que desconheço completamente. Provável influência de Al Jolson, a quem Bibi deve ter escutado muito quando criança.
Em meio aos ensaios ainda houve tempo para Bibi participar de outro evento, este no então prestigiosíssimo Fluminense Futebol Club. O centro recreativo, pertencente ao time de futebol, era na época uma casa noturna das mais bem-freqüentadas do Rio e possuidora de uma eclética agenda cultural, com bailes e festas para todos os públicos, dividida pelos dias da semana. Martha Eggerth e Jan Kiepura lá estiveram no fim de agosto e na quinta-feira, dia 26 de setembro, uma chá dançante ocorreu para homenagear os integrantes do Bando da Lua, tendo como convidados especiais Dulcina e Odilon. Participaram da homenagem Bibi, a cantora e ex-miss Ipanema Laura Suarez, Linda Baptista, Grande Otelo, Carlos Galhardo, o intérprete de canções internacionais Edgar Lafourcade, o Quarteto de Bronze, novíssimo conjunto musical feminino, o radialista e comediante Silvino Neto (pai do comediante Paulo Silvino), o compositor Arthur Costa, parceiro de Noel, e o brilhante gaitista Eduardo Nadruz, cujo número era referido por "Edú e suas gaitas", estando ele em início de carreira mas já reconhecido por seu imenso talento, entre outros. Infelizmente não encontrei nos jornais quaisquer comentários sobre o decorrer da festa, e os números apresentados. Foi o primeiro encontro artístico, de muitos que viriam no futuro, entre Bibi e Grande Otelo.
Correio da Manhã, 24/9/40 |
Os ingressos
para o dia 30 se esgotaram e a Rádio Cruzeiro do Sul, PRD 2, anunciou sua
transmissão ao vivo. Entre os presentes estavam Darcy Vargas e alguns de seus familiares, o prefeito
Henrique Dodsworth, Geoffrey Knox, embaixador da Inglaterra, Jefferson Caffery,
embaixador dos Estados Unidos e mais uma série de figuras proeminentes do corpo
diplomático. (O Jornal, 4/10/40) A "Batalha da Inglaterra" e seus terríveis embates estavam na ordem do dia e as colônias de todos os países que vinham contabilizando feridos e vítimas nos ataques alemães estiveram em peso no Municipal. Foi um
grande sucesso. “Trata-se de uma revista que é um conjunto de arte e beleza”,
disse o Jornal do Brasil, que fez bom
apanhado do espetáculo. A posteridade agradece:
O primeiro número, verdadeiro triunfo,
representa um bar em que está sendo "misturado" o Carioca Cocktail. A
"theme colour", em homenagem ao Brasil, foi verde e amarelo e tanto
os cenários como os vestidos realçam a beleza e a mocidade das bailarinas. Segue-se
com pleno êxito o Quarteto em Azul, com Margaret Quick ao piano — já muito
conhecido no programa de rádio “Variedades Britânicas”, que dentro em breve
voltará ao ar, e o recital de acordeon por Miss Brooker, que muito agrada.
Na
seqüência, “a encantadora Bibi Ferreira canta e dança um número de sua própria
composição, Mammie, que será bastante
ovacionado”. Era a primeira de várias entradas de Bibi durante o espetáculo. Segue o Jornal do
Brasil:
Correio da Manhã, 28/9/40 |
O segundo
ato se iniciou “com as já queridas Cocktail Girls. Enquanto algumas dançam e
cantam, outras descem às poltronas e distribuem à platéia copos com um cocktail
em homenagem à revista”. Depois delas entraram em cena, para o delírio do
público, Martha Eggerth e Jan Kiepura. Infelizmente a imprensa não dá detalhes
sobre a participação de ambos. Mas assim que saíram do palco entraram Bibi e Frank
Zezza “num número encantador: Scatter
Brain”. A canção de Johnny Burke, Keene Bean e Frankie Masters foi
celebrizada pelo último, que era um famoso band leader e cantor. Masters gravou "Scatter Brain" em 1939 e a canção se tornou não
apenas o maior sucesso daquele ano, mas da carreira dele.
Voltemos ao Jornal do Brasil e à entrada de Bibi vestida de baiana, o que provavelmente não fazia desde Cidade-Mulher:
À direita, Bibi e Frank Zezza (Correio da Manhã, 3/10/40) |
Voltemos ao Jornal do Brasil e à entrada de Bibi vestida de baiana, o que provavelmente não fazia desde Cidade-Mulher:
Segue-se um sketch: "The Restaurant", que receberá o aplauso merecido, e novamente as "girls", festa vez divididas entre si - a moderna contra a antiga - num lindo "ballet-valsa". Depois o Quarteto em Azul canta "Umbrella Man" em costume muito original acompanhado por Miss Brooker ao acordeon; "Deep Purple", um ballet moderno originado por Mme. Klara Korte e dançado por suas alunas. E assim chega o "Brazilian Shake" — o grande final do Carioca Cocktail, dedicado ao Brasil. Em pequenos grupos e aos poucos, todos os artistas enchem o palco — tendo cada grupo um número especial. Abre com Bibi Ferreira, uma verdadeira baiana, numa dança cheia de cor e bem brasileira.
Seguindo-se Mrs. F. W. Whittle e Mr. Lynch num maxixe do
"outro mundo", depois um rancheiro, depois o Maracatú — dança
nortista de coroação do Rei Negro — com Margaret Quick e F. Hallawell e música
especial de arranjo de José Burle. Por fim o carnaval carioca com toda a sua
folia e o palco torna-se um mar de beleza e loucura e o remate com o Hino
Nacional, cantado pelos artistas. (Jornal
do Brasil, 5/10/40, Diário de
Notícias, 5/10/40)
No dia 1º de outubro, Jan Kiepura e Martha Eggerth voltaram para os Estados Unidos. Mas o sucesso do Carioca Cocktail permitiu mais uma apresentação, mesmo sem eles, no teatro João Caetano, no dia 5 de outubro. Sem os dois astros internacionais, porém, foi preciso apelar para outras estratégias de marketing. Os produtores então fizeram um acordo com a fabricante de aviões Thornycroft do Brasil S. A., e sortearam dez passeios aéreos sobre o Rio a quem comparecesse à segunda noite do Carioca Cocktail. (Diário de Notícias, 5/10/40) Se a promoção foi levada a cabo, não sei, mas em janeiro do ano seguinte Cyril Corder e Francis Hallawell prestaram contas das duas apresentações do espetáculo. Em carta à Revista da Semana, comunicaram que a arrecadação chegou a quase 114 contos — uma bela quantia — e o valor já havia sido entregue ao Comitê Britânico de Socorros às Vítimas de Guerra, que se encarregou de dividir o dinheiro entre a Cruz Vermelha brasileira, inglesa e polonesa. (Revista da Semana, 4/1/41)
A essa altura da vida Bibi já participara de festas artísticas, de celebrações, de efemérides e de homenagens, com números de música, canto e dança. Mas o Carioca Cocktail, com seu enredo, início, meio e fim, e suas duas apresentações, são a estréia efetiva de Bibi no Teatro de Revista. 30 de setembro de 1940.
A baiana Bibi, segunda, da esquerda para a direita (Revista da Semana, 5/10/40) |
Número musical "Figurinos do Momento". Bibi é a primeira à direita e a seu lado está a instrumentista Lydia Brooker (Revista da Semana, 5/10/40) |
O encerramento, com a tal vista das "houses of parliament" |
Correio da Manhã, 2/10/40 |
No dia 1º de outubro, Jan Kiepura e Martha Eggerth voltaram para os Estados Unidos. Mas o sucesso do Carioca Cocktail permitiu mais uma apresentação, mesmo sem eles, no teatro João Caetano, no dia 5 de outubro. Sem os dois astros internacionais, porém, foi preciso apelar para outras estratégias de marketing. Os produtores então fizeram um acordo com a fabricante de aviões Thornycroft do Brasil S. A., e sortearam dez passeios aéreos sobre o Rio a quem comparecesse à segunda noite do Carioca Cocktail. (Diário de Notícias, 5/10/40) Se a promoção foi levada a cabo, não sei, mas em janeiro do ano seguinte Cyril Corder e Francis Hallawell prestaram contas das duas apresentações do espetáculo. Em carta à Revista da Semana, comunicaram que a arrecadação chegou a quase 114 contos — uma bela quantia — e o valor já havia sido entregue ao Comitê Britânico de Socorros às Vítimas de Guerra, que se encarregou de dividir o dinheiro entre a Cruz Vermelha brasileira, inglesa e polonesa. (Revista da Semana, 4/1/41)
A essa altura da vida Bibi já participara de festas artísticas, de celebrações, de efemérides e de homenagens, com números de música, canto e dança. Mas o Carioca Cocktail, com seu enredo, início, meio e fim, e suas duas apresentações, são a estréia efetiva de Bibi no Teatro de Revista. 30 de setembro de 1940.
Naquele dia 16 de outubro, a presença ocasional de João Petra de Barros, que oito anos depois se suicidou, premido pela tristeza de ter uma perna amputada, após um acidente |
No fim de novembro esteve no Brasil, em lua de mel com a atriz francesa Marcelle Rogez, o veterano diretor Wesley Ruggles, responsável por inúmeros filmes de grande sucesso no mundo inteiro, como o faroeste Cimarron, a comédia I’m no Angel, com Mae West e Cary Grant, No man of her own, com Clark Gable e Carole Lombard, e dezenas de outros, em uma carreira que remontava aos primeiros anos do cinema mudo. A jornalista Zenaide Andrea, amiga de Bibi desde Cidade-Mulher, era a diretora do departamento de publicidade da Columbia Pictures no Brasil, e a convidou para um encontro com o diretor no Copacabana Palace, que foi registrado pela revista A Scena Muda.
Wesley Ruggles, entre Bibi e Zenaide Andrea. Em pé, intelectuais e artistas presentes ao encontro. (A Scena Muda, 3/12/40) |
Ruggles adorou o país e falou "do seu encantamento por estar recebendo do Brasil e dos brasileiros uma impressão real, confessando-se mesmo surpreendido com tudo o que estava apreciando". (A Scena Muda, 3/12/40)
A última participação de Bibi na Mayrink (Diário de Notícias, 14/12/40) |
Olavo de Barros (Fon Fon, 18/3/39) |
A performance
de Bibi que precedeu sua estréia com Procópio também foi uma revista. O
curitibano Olavo de Barros — uma das maiores e mais injustamente esquecidas
figuras do nosso meio artístico — era um consagrado veterano em todas as áreas
das artes cênicas. Escreveu, dirigiu e interpretou para teatro, cinema e rádio.
No fim de 1940 ele se juntou a Cordélia Ferreira e os dois decidiram preparar
um pequeno caça-níqueis em cima do interesse popular pelas músicas que seriam
lançadas no carnaval de 1941. Era normal surgirem revistas todos os anos, em
janeiro, utilizando o carnaval como tema; Olavo escreveu um texto com o compositor
Saint-Clair Senna, cujas canções estavam na ordem do dia pelas vozes de
Francisco Alves, Gastão Formenti e Orlando Silva, incluiu paródias de imprensa,
anedotas e assim surgiu o “Chuva de Estrelas”, que reuniria grandes cartazes da
Mayrink, com o devido espaço para alguns artistas de emissoras adversárias. Foi
marcado para o dia 25 de janeiro, no Teatro Carlos Gomes, “luxuoso teatro da
Empresa de Pascoal Segreto”. Como se verá adiante, ele podia até ser luxuoso, o
que não impedia que o verão carioca castigasse os espectadores com sua canícula
noturna.
Carlos Galhardo, presente por grande parte desse período da vida de Bibi (Fon Fon, 17/6/39) |
Gilberto Alves (O Malho, mai/40), Janyr Martins (Fon Fon, 15/6/40) e Silvino Neto (O Malho) |
Jararaca e Ratinho (Fon Fon, 24/2/45) |
A Batalha, 22/1/41 |
A principal
prova de que Chuva de Estrelas não teve qualquer preparo e não passava de um mal-costurado
recital de grandes artistas foi a ausência de propagandas. Enquanto Walter
Pinto inundava os jornais diariamente com anúncios de Disso que eu gosto, revista escrita por Oscarito, em cartaz no
Teatro Recreio, havia apenas o release
protocolar de Chuva de Estrelas, sempre com as mesmas informações. Também ao
contrário de Carioca Cocktail,
documentado e fotografado, não encontrei uma única foto, seja dos ensaios ou da
apresentação de Chuva. E o resultado não poderia ter sido outro: a lotação se
esgotou, o espetáculo foi caótico e conquanto chovessem estrelas, a impressão
que ficou não foi das melhores. O jornalista Josué de Souza, do Diário da Noite, não deixou barato, e
começou falando da falta de um programa impresso, importantíssimo em revistas,
pois o público fazia questão de identificar metodicamente pelos folhetos
distribuídos, quem estava cantando, e o quê:
Mesmo sendo uma revista mal-engendrada e mal-acabada, "Chuva de Estrelas" foi o primeiro encontro de Bibi com o imenso Paulo Gracindo (Fon Fon, 15/6/40) |
Infelizmente
o jornalista não descreve o espetáculo discriminando os números de cada
artista. Mas dá sopapos neste ou naquele, e elogia outros, destacando Bibi:
A noitada, contudo, satisfez e compensou o
sacrifício imposto pelas duas horas e meia de calor a que ficamos sujeitos.
Gilberto Alves, Janyr Martins, Jararaca e Ratinho e Silvino Neto foram os
heróis do palco. Arrancaram fartos e prolongados aplausos, sendo obrigado a
bisar os seus magníficos números. (...) Não podemos, no entanto, dizer o mesmo
dos sketches apresentados. Velhos, velhíssimos, tiveram apenas a missão de
encher o tempo. E o fizeram muito mal. Jorge Murad, com as suas piadas do tempo
da onça, não chegou a desagradar. O Sebastião Pinto, Bibi Ferreira, Fernando
Barreto, Yvonette Miranda, cantaram de modo bastante satisfatório,
destacando-se Bibi Ferreira. Os demais não comprometeram. (28/1/41)
Exatamente um mês depois desse artigo, cumpriu-se uma profecia feita absolutamente sem querer pelo O Jornal, de Assis Chateaubriand, três anos antes. Na verdade não era tanto uma profecia quanto um boato sem maior embasamento, mas que acabou se tornando realidade em 28 de fevereiro de 1941.
Exatamente um mês depois desse artigo, cumpriu-se uma profecia feita absolutamente sem querer pelo O Jornal, de Assis Chateaubriand, três anos antes. Na verdade não era tanto uma profecia quanto um boato sem maior embasamento, mas que acabou se tornando realidade em 28 de fevereiro de 1941.
O Jornal, 16/7/37 |
FIM DA TERCEIRA PARTE
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VEJA TAMBÉM:
BIBLIOGRAFIA
- A Batalha
- A Nação
- Correio da Manhã
- Diário Carioca
- Diário da Noite
- Diário de Notícias
- Gazeta de Notícias
- Jornal do Brasil
- O Imparcial
- O Jornal
- A Scena Muda
- Beira-Mar
- Carioca
- Cinearte
- Fon Fon
- Ilustração Brasileira
- Jornal das Moças
- O Malho
- O Cruzeiro
- Pranóve
- Revista da Semana
- Revista do Rádio
- Vida Doméstica
- Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional
- http://wikidanca.net/wiki/index.php/Maria_Olenewa
- http://cifrantiga3.blogspot.com.br/2010/10/saint-clair-sena.html
- http://www.oexplorador.com.br/olavo-de-barros-consagrado-teatrologo-respeitado-conhecedor-da-historia-do-teatro-brasileiro/
- Colorizando o Passado - rjelias2000@yahoo.com.br
- "Bibi Ferreira, Uma Vida no Palco"
- ABREU & outros. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, FGV, 2001.
- ALMIRANTE. No tempo de Noel. Rio de Janeiro, Sonora, 2013.
- HAUER, Norma. Pelas ondas da Mayrink. Rio de Janeiro, Quártica Premium, 2011.
Agradecimento a Milton Baungartner
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