sábado, 14 de agosto de 2010
Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido
Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido é mais um trabalho modelar de nosso maior historiador vivo, Fernando Jorge. O assunto está na ordem do dia, é moderno, pulsante, fala de política, de poesia, de mitologia, de história, fala de racismo e da superação do racismo, na eleição do primeiro presidente norte-americano negro, e fala extensamente do Brasil.
Mas o mérito deste livro não é a tese original, essa ligação insólita entre Obama e o Brasil, por conta de um filme de 1959 com músicas de Vinícius de Moraes e Tom Jobim. Também não é o fato de trazer as biografias concisas e objetivas de Barack Obama e Vinícius, o histórico precioso do racismo nas Américas ou o estudo profundo sobre as relações entre Brasil e Estados Unidos. O mérito está em trazê-las através da pena superior de Fernando Jorge. Certa vez assisti a uma leitura em que Paulo Autran por alguns momentos interpretou o papel de Polônio, no Hamlet de Shakespeare. O prazer não esteve em ver o personagem ser inserido na trama do texto teatral, e sim, em ver o maior ator brasileiro dando vida às falas do bardo. Da mesma forma, biografias de Vinícius e de Obama se encontram por aí aos montes. Muniz Bandeira há anos publicou verdadeiro cartapácio sobre as relações do Brasil com os Estados Unidos. Abdias do Nascimento há mais de 60 anos vem falando de racismo. Mas o talento de Fernando Jorge, sua cultura inigualável, a inteligência de sua narrativa, e a riqueza com que explora os fatos, detalhando-os, esquadrinhando-os, investigando-os, esses são os diferenciais de Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido.
É prazer raro e edificante poder conhecer a lenda de Orfeu e Eurídice, tal qual a expõe Fernando no livro. A vida de Vinícius adquire colorido novo, contada pelo autor. Para contar a vida de um mestre, é necessário outro. Obama deixa de ser mero protagonista do cenário político internacional para transformar-se em um ser humano de vida sofrida que venceu seus desafios. Para tanto é preciso alguém enfronhado na política e conhecedor de seus meandros, e ao mesmo tempo escritor primoroso, como Fernando. O racismo não é tratado como mera estatística. É descrito em todo seu horror, em toda sua nojenta e odiosa irracionalidade. É mostrado em seu sadismo. Mas é, por fim – catarse do leitor – mostrado em sua derrota fundamental, pela batalha de Booker T. Washington, W.E.B. Dubois, Rosa Parks, Martin Luther King e todo o movimento que teve seu ápice no momento em que os norte-americanos dizem um “não” à aberração da desigualdade étnica e levam à Casa Branca um descendente de negro. Quem poderia fazê-lo com mais competência do que um historiador como Fernando, autor dos trabalhos mais abrangentes e ecléticos de nossa historiografia?
Aqui e ali Fernando até melhora a arte, como no caso de suas descrições da peça Orfeu da Conceição e do filme Orfeu Negro. O deleite de quem lê o texto brilhante e enxuto de Fernando supera em muito o daqueles que assistiram a peça ou o filme. Também inestimável é o capítulo que dedica ao Brasil e à lembrança grata e saudosa do bom Nilo Peçanha, primeiro mulato a assumir a presidência de nosso país.
Análises do livro são desnecessárias. São redundantes. Para compreender a razão de Fernando Jorge ser considerado nosso maior historiador e um dos maiores escritores brasileiros, é preciso ler, o quanto antes, Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido.
(Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido, Novo Século, R$34,90)
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