sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Os 50 anos de Eles não usam Black-Tie


Enfim, a coisa mais importante que aconteceu neste teatro foi em 1958, quando me foi oferecida uma peça por um rapaz chamado Raimundo Duprat, que pertencia ao nosso grupo. Ele trouxe uma peça e me disse: “O Guarnieri está com receio de mostrar essa peça pra você, ele tem vergonha, ele acha que não está pronta ainda, ele quer que você leia, e tal”. A peça chamava-se "O Cruzeiro Lá no Alto". Era uma história passada numa favela e tinha um cruzeiro no alto da favela, onde os namorados se encontravam. Hoje são os traficantes que se encontram. Eu me interessei logo por essa peça. Gostei e pedi ao Guarnieri que arranjasse um outro nome pois "O Cruzeiro Lá no Alto" é um nome esquisito. E ele veio com outro nome, talvez tão esquisito quanto, que é "Eles não usam Black-Tie".

José Renato no Teatro de Arena, em 4 de agosto de 2004
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Black-Tie não foi apenas “a coisa mais importante que aconteceu” no Teatro de Arena em 1958, mas em toda a trajetória do histórico retângulo de 4,5 por 5,5m da Teodoro Bayma. A revolução definitiva na dramaturgia brasileira em todos os tempos.


Capa do programa original
de Eles não usam Black-Tie

Este é um texto comemorativo dos 50 anos de Eles não usam Black-Tie, que estreou no Teatro de Arena no dia 22 de fevereiro de 1958. Publiquei-o originalmente no orkut, em 23/1/2008. Evidentemente, em um país de merda como este, que não tem memória e não reverencia seus valores artísticos, a data passou em brancas nuvens. O fato de um ex-operário que iniciou sua vida pública nas greves do ABC, no fim dos anos 70, estar atualmente na presidência não fez qualquer diferença. O indivíduo em questão nunca procurou se aculturar e é hoje o mesmo analfabeto ignorante que era há 30 anos. Mas não importa.

Mais do que um estudo sobre o texto – e existem dezenas – aqui veremos depoimentos dos seguintes participantes da montagem original: Gianfrancesco Guarnieri, José Renato, Miriam Mehler, Milton Gonçalves, Chico de Assis, Flávio Migliaccio, e de outros que participaram indiretamente, ou de remontagens, como Vera Gertel e Augusto Boal. Esses depoimentos são suficientes para contar uma história muito mais rica do que qualquer trabalho acadêmico.

O depoimento de Guarnieri vem de uma entrevista para o SNT, em 1976, e do artigo que escreveu para a Folha quando Lélia Abramo faleceu. Os depoimentos de Miriam Mehler, Milton Gonçalves, Chico de Assis, Flávio Migliaccio e Vera Gertel foram dados a Isabel Teixeira na Expo-Arena de 2004. O depoimento de José Renato vem de sua entrevista para o SNT, em 77, e da Expo-Arena. O depoimento de Augusto Boal vem de sua autobiografia, "Hamet e o filho do padeiro".


Divirtam-se.
E divulguem sempre a obra de nosso saudoso Guarnieri.
Bernardo
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Raimundo Duprat, que vinha com Guarnieri do Teatro Paulista do Estudante e inclusive dirigira um dos espetáculos do grupo (Está lá fora um Inspetor, de Priestley, em setembro de 55), entregou o Black-Tie a Renato no fim de 57. O texto havia sido escrito em 55 ou 56 – Guarnieri teria 21 ou 22 anos – e vinha sendo mantido em relativo segredo pelo autor. “Relativo” porque algumas leituras chegaram a ser feitas antes que o texto chegasse a José Renato.

Com o texto em mãos, José Renato decidiu montá-lo. A peça seria a despedida do Teatro de Arena. Os espetáculos levados por Renato e Augusto Boal eram de extrema qualidade artística, o elenco era excelente, os textos eram de alto nível, mas o Arena tinha 144 míseros lugares, e não havia Cristo que conseguisse balancear as finanças no fim do mês, com atores, técnicos, camareiras e etc. na folha de pagamento. Black-Tie, portanto, seria uma peça para que o Teatro pagasse suas dívidas e fechasse as portas.

A estréia ocorreu em 22 de fevereiro de 1958. A direção originalmente caberia a Augusto Boal, que vinha dividindo as direções do Arena com José Renato. Mas foi Renato que acabou dirigindo.

Gianfrancesco Guarnieri – Sabe quando você diz “acabou tudo e não tem mais nada”? Foi exatamente assim. É o que parecia que ia acontecer, que era inevitável. Então, o Black-Tie deu um alento. Mostrou que era possível. E o teatro melhorou financeiramente, causou o retorno do pessoal ao teatro. O próprio Vianinha tinha ido para o Rio de Janeiro. O Boal também tinha saído do teatro, pra fazer outra direção não sei aonde.

Augusto Boal – Crise! Ou vai ou racha. Ou nos afirmamos como somos ou fechamos! Decidimos montar Eles não usam Black-Tie, do Guarnieri. Como o dinheiro era escasso, não dava pra todos. Recebi um convite para dirigir Society em Baby Doll, de Henrique Pongetti, no Teatro Moderno, do marido de Dercy, Danilo Bastos. Esse convite me fez sofrer. Meu coração apertou: o lógico era que eu fosse dirigir essa comédia me afastando por uns tempos do Arena e José Renato, dono e diretor permanente do teatro, abandonasse a televisão e dirigisse o Guarnieri. Conversamos, bons amigos que éramos, e assim foi resolvido. Constrangido, tive que abandonar Black-Tie, depois de já ter participado na escolha do elenco. (...) Ensaiei Baby Doll pensando no Black-Tie – não desejo essa angústia a nenhum diretor: dirigir peça em um teatro, pensamento e afeto em outro.


Guarnieri – O Black-Tie foi escrito de uma forma lúcida. Quer dizer, foi escrito à noite. Depois de representar, eu chegava em casa de madrugada, pegava a maquininha para fazer uma marotice qualquer, e me divertia com aquele negócio. Custei a mostrar a peça, inclusive pros amigos mais chegados, que era sempre a patotinha do TPE. Até que um dia, depois de muita birita, eu disse “Bom, tenho uma peça e quero ler para vocês”. E li para eles. Pro Vianinha, Paulo José e Raimundo Duprat. E eles acharam legal. Aí ficou marcada uma leitura na casa do Maurício e Beatriz Segal (...). Então, fizemos uma leitura mais ampla, com a crítica presente, e foi muito bom. Houve comparações incríveis. Disseram que parecia até com Sean O’Casey. Eu fiquei vermelho, mas fiquei contente. Porque autor nacional não tinha vez de jeito nenhum. E aí, quando o Arena entrou naquela fase ruim, naquela crise, que parecia que o barco ia afundar mesmo, o Zé Renato resolveu como canto de cisne mesmo montar o Eles não usam Black-Tie. Ele dizia “Vamos fazer o Black-Tie, porque já que vai acabar mesmo, vamos acabar com uma peça nacional. Podemos fazer um espetáculo razoável”. Então, quando era lida, ela realmente emocionava muito. (...) Agora, a reação do público, foi surpreendente.

A gente não esperava, não. Ninguém esperava. Foi um negócio bonito, magnífico, não digo isso só de um lado pessoal, por ter participado. Realmente, foi o ponto de onde se apóia o pé à procura do grande bote que houve posteriormente, inclusive com toda a turma que surgiu do seminário, que, apesar de tudo, representou uma fase importantíssima para nós todos. (...) E com o resultado do Black-Tie, houve novamente a reunião de todo mundo. Havia a possibilidade, inclusive, de manter todo mundo dentro do grupo, porque era pago mensalmente. A gente vivia daquilo. Daí, então, surgiu o Seminário de Dramaturgia. Aconteceu um negócio muito importante nessa ocasião, que foi muito tocante para mim. Eu tinha visto A Moratória, do Jorge Andrade, que também é autor, e tal, e no dia do Black-Tie estava lá o Jorge Andrade assistindo, e ele me disse: “Pôxa, garoto, você me deu vontade de escrever novamente. E o negócio é esse mesmo, rapaz, escrever sobre o homem, o povo brasileiro, temos de ir nessa”. E diversos autores foram solidários com o aparecimento do Black-Tie, e com o Seminário de Dramaturgia. (...) A história de Eles não usam Black-Tie é mais ou menos essa.

Partitura da música-tema de Eles não usam Black-Tie, onde os autores são "Peteleco" (apelido de Adoniran) e "Tião" (o nome do personagem de Guarnieri na peça)

José Renato – Depois, então, colocamos a música. O Adoniran estava na Record e eu peguei ele para fazer a peça. Então começamos a ensaiar esta peça. Montamos esta peça em um mês aproximadamente. Ensaiávamos em minha casa, no Arena. Então ela estreou, e na primeira semana foi mais ou menos. A gente não tinha certeza do que estava acontecendo. (...) E o resultado ficou se arrastando em banho-maria por pelo menos três semanas. O espetáculo esteve assim, sem se definir quanto ao agrado do público. A partir da quarta semana, começou a lotar. E aí subiu, espetacularmente, e não parou mais. Foi impressionante a afluência de público no teatro que nós tivemos nesta ocasião. A ponto que o Jânio Quadros mandou solicitar – naquela época governador do Estado – mandou solicitar entradas, e nós tivemos de arranjar um jeito de acomodar Jânio Quadros. A partir daquele momento, depois de muitos anos de pesquisa, a gente havia definido uma linha de trabalho que era esse apoio ao teatro, ao autor brasileiro. Pesquisar e descobrir uma maneira de representar que fosse autenticamente nossa. Esse é que era o caminho que a gente havia escolhido.

Milton Gonçalves – Quando nós voltamos da Bahia, o Zé Renato começou a ensaiar a toque de caixa o Black-Tie, e em uma semana nós estreamos. Tinha umas 15 pessoas na platéia, não é, Zé? No primeiro fim de semana devia ter 20, 30, 40 pessoas, isso na primeira semana. Aí começou o boca a boca, porque naquele tempo a televisão não tinha a importância que tem agora. E com o boca a boca, na semana seguinte, e um ano depois, tinha briga nesta portaria para comprar ingresso para Eles não usam Black-Tie, acreditem nisso. Nós já tivemos aqui sentadas duzentas pessoas, duzentas pessoas sentadas aqui neste teatro, e no final, era um estrondo... porque era uma peça que atendia a algumas expectativas dos espectadores. Havia não um conflito, mas havia uma diferença entre o pessoal do Teatro Brasileiro de Comédia (...) e a gente. Porque os nossos espetáculos eram mais despojados. Aqui se buscava a essência, se buscava a interpretação na mais profunda limpeza de artifícios. Não tinha cenário: tinha luzes que iluminavam aqui, ou iluminavam ali, ou então talvez um som, um grilozinho: “Cri-crik, cri-crik”, um violão tocado no fundo, que era o Tião tocando a música no Eles não usam Black-Tie, e o resto era olho no olho e emoção. (...) Eu até hoje discuto se a Maria não ia embora com o Tião, mesmo. Até hoje eu discuto isso. A Maria, na minha opinião, iria com o Tião, magoada, ofendida... pra quem não viu a peça, a Maria no final fazia um discurso para o Tião e dizia: “Vai. Eu vou ficar com o meu Otavinho, com o seu Otávio e quando ele crescer ele vai ter orgulho do avô Otávio”. E o Tião saía apavorado, chorando, e tal. Eu acho que ela iria com ele, não sei, é uma opinião minha. A convivência entre nós era muito boa. Eu chamava o Vianinha de Magro, o Guarnieri é o Cecco, o apelido dele era Cecco, Gianfrancesco, Cecco. A gente se conhecia, as pessoas da família.

Miriam Mehler – Logo que me formei [na EAD] eu me lembro que recebi vários convites do TBC, do Sérgio Cardoso... mas quando o Zé Renato me convidou para fazer Eles não usam Black-Tie, eu falei: “Vou com eles”! E me lembro que o Zé me falou o seguinte: “Olha, é uma tentativa. Nós estamos fazendo uma revolução no teatro, é um outro tipo de peça, o Guarnieri é o autor, nós estamos lançando um autor... mas se não der certo, nós fechamos o Teatro de Arena”. Eu achei toda a turma do Arena muito simpática, porque eu já vinha acompanhando os espetáculos anteriores, então eu já conhecia de vista todo o pessoal. Quando ele me convidou, eu não tive dúvida e entrei no Teatro de Arena.

Ninguém, nenhum de nós sabia que o Black-Tie faria tanto sucesso como fez. Nós sabíamos, sim, que seria uma revolução no teatro, porque era uma maneira totalmente diferente de fazer teatro, de escrever teatro, de abordar teatro. Era um teatro social, com um linguajar de morro, coisa que não se via naquela época. Foi fantástico encontrar essa turma toda do Teatro de Arena. Começando aqui com o Milton Gonçalves, Lélia Abramo, Eugênio Kusnet... era um elenco! Riva Nimitz, Guarnieri, (...) Celeste Lima, Flávio Migliaccio, Chico de Assis, (...) o Henrique César (...). A primeira coisa que o Zé Renato falou para mim foi: “Miriam, você pode esquecer tudo o que você aprendeu na EAD”. E ele sabia muito bem porque ele tinha cursado a EAD. E na EAD se a gente tivesse uma cena de amor, a gente fazia ‘posição’, a gente não beijava, a gente não se abraçava pra valer, nada disso. E quando cheguei aqui o Zé falou: “Esquece porque aqui é pra valer, nós estamos numa arena, e o público está do seu lado”.

Então, realmente, eu apanhei muito, muito mesmo, para ensaiar essa peça. Eu me lembro que o Zé Renato me levava pra casa dele junto com o Guarnieri. Você lembra disso, Zé? Ele dizia: “Agora vocês vão ter que fazer essa cena de qualquer jeito, vocês vão ter que se beijar, vocês vão ter que se esfregar, não tem jeito não, vocês vão ter que fazer essa cena pra valer, de uma maneira que dê credibilidade”. Porque é claro que para uma atriz que faz ‘posição’, só de pegar na mão ela diz “Opa, opa, o que é isso?”. Então, foi uma escola para mim, e foi muito importante. (...) Na estréia, eu fiquei realmente apavorada. A minha primeira entrada era com o Guarnieri, eu me lembro que eu estendi minha mão para ele e da maneira que eu a estendi ela ficou paralisada. E o Guarnieri, com toda calma, puxou minha mão (ri), aí eu relaxei e fui...

Chico de Assis – Mas falando agora do Black-Tie, que é a peça que marca essa grande mudança do Arena. (...) O Arena tinha gente de todo tipo. No elenco do Black-Tie tinha dois estudantes, o Guarnieri e depois o Vianinha, que veio fazer o papel do Guarnieri quando ele saiu. Tinha a Riva Nimitz, que era comerciante e tinha uma loja. O Milton Gonçalves que era operário gráfico. O Flávio Migliaccio era sacristão de uma igreja na Vila Mazzei. O Henrique César tinha vindo com o Barbosa Lessa, daquele grupo da peça Não te assusta Zacarias, que dançava a chula e essa coisa toda (...), eu tinha vindo do rádio e da televisão, o Eugênio Kusnet (...) tinha uma loja de comestíveis. Então vinha cada um de um lado.

Flávio Migliaccio, Chico de Assis e Vianinha em remontagem de Black-Tie

O Black-Tie era uma coisa mágica, porque imaginem: numa peça que se passava numa favela do Rio de Janeiro, o pai da família era russo, a mãe italiana, o filho era italiano de Milão, o Guarnieri (...), a Riva Nimitz era judia e o Flávio Migliaccio era oriundo. Tinha mais dois brasileiros: o Milton Gonçalves e eu. Então a gente fazia o papel dos brasileiros nessa peça. Uma peça com esse elenco internacional representava a vida de um barraco no morro do Rio de Janeiro. Isso gerou uma das maiores revoluções do teatro, da história do povo brasileiro.

Mas essas diferenças entre a gente geraram uma camaradagem. Todas essas qualidades se somaram. Pessoas vindo de lugares completamente diferentes, trazendo recortes sociológicos distintos, cada um trazendo um pedaço: gente mais urbana, gente mais suburbana, gente que estudava, gente já da profissão há muito tempo... e formamos esse bloco, com esses ingredientes. É muito importante essa força, que é a força do Guarnieri. O Guarnieri tem um talento extraordinário e ele foi muito importante, assim como o Zé, pois eles possibilitaram essa peça num momento em que todo mundo queria montar peça estrangeira e não peça nacional. Nessa revolução toda tem o talento do Guarnieri e a audácia do Zé. E a gente no coro acompanhando essas coisas todas. (...) Depois do Black-Tie, tivemos um problema: o Black-Tie não saía de cartaz. O Black-Tie teve que ser abatido a tiros. (risos) Não saía nunca de cartaz, as pessoas continuariam a ver a peça indefinidamente.

Remontagem com Vera Gertel e Vianinha nos papéis de Miriam e Guarnieri

Vera Gertel – Foi a Miriam Mehler quem estreou no papel de Maria na peça. Alguns meses mais tarde, eu a substituí. O engraçado é que quando eu entre aqui [no Teatro de Arena] hoje, descobri que ainda sou capaz de sentir o aroma do café que a Lélia Abramo fazia em cena, no Black-Tie. (...) Por exemplo, o Zé Renato: eu nunca achei o Zé Renato propriamente um diretor de ator, mas o Zé Renato é um diretor de cena espetacular porque ele sabe como ninguém fazer uso dos detalhes do cotidiano, essa coisa de fazer café em cena... eu nunca esqueci o aroma daquele café. Todo o público sentia. A Lélia fazendo café, acordando o Flávio que estava dormindo num colchão no chão, era realmente muito emocionante. O público vibrava com aquela gente. Com aquela gente do povo, com aquela gente que nunca tinha aparecido em cena.

Miriam Mehler – Então, para mim, o Arena foi o começo de tudo. E o começo é a coisa mais importante, porque se você não tem um bom começo, as coisas até podem ficar não tão claras na sua trilha. Eu fui muito privilegiada, eu acho que tive um excelente começo. Com a ajuda de todos os meus colegas e amigos daqui. Isso para mim é inesquecível, vale ouro. Eu posso até esquecer peças que eu tenha feito ao longo da carreira, mas jamais vou esquecer de Eles não usam Black-Tie. Isso é impossível, absolutamente impossível, jamais vou esquecer deste palco aqui, não dá. Aliás, pretendo voltar aqui um dia. Isso é uma coisa que faz parte do coração, faz parte de mim. É quase como um filho que faz parte de você, que está em suas entranhas. Isso é muito importante para minha vida, eu acho. Não sei se foi para a vida dos outros, mas para a minha foi.

LÉLIA ABRAMO E EUGÊNIO KUSNET
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Milton Gonçalves – Eu queria falar de Eugênio Kusnet. Eugênio Kusnet foi quem me apresentou Stanislavsky, de maneira simples e objetiva. Eugênio Kusnet era um russo, com sotaque de russo, e que fazia um líder operário no morro. Quando a peça chegava ao final ninguém notava o sotaque dele, isso é o fundamental. Ele era um gênio de ator. Foi um homem que nos apresentou de maneira simples o Stanislavsky. (...) Lélia tinha um amargor, um profundo amargor, mas era uma pessoa vivida. Uma pessoa que, na sua juventude, foi muito reqüestada, muito perseguida, porque era muito bonita. Com o correr do tempo foi ficando um pouco amarga, mas era uma atriz esplendorosa, e, ao mesmo tempo, muito firme nas suas opiniões políticas e nas suas opiniões ideológicas. Ela não tergiversava, ela dizia: “É assim, e é assim que vai ser”. Eu acho que o que nos unia muito era esse acreditar que a gente através do teatro poderia mudar as coisas. Não mudar, mas dar um passo à frente, poderia de alguma forma discutir mais objetivamente.


Miriam Mehler – Eu já conhecia o Kusnet do teatro. A Lélia não. A Lélia estreou junto comigo, aqui. A Lélia era uma pessoa... tanto a Lélia quanto o Kusnet, para nós que éramos quase crianças... (...) Eu era quase criança, tipo 22 anos, e eles tinham 40 pra cima, 45. Nós os achávamos muito mais velhos! A gente tinha um certo respeito... eles sabiam muito das coisas. A Lélia era uma atriz fantástica, sensitiva, uma mulher muito inteligente, uma mulher que tinha um talento enorme. O Kusnet era um professor nato. (...) E era muito prazeroso, é evidente, contracenar com Lélia e com o Kusnet.

Também era muito prazeroso contracenar com Guarnieri, com Milton, com Riva, com todo aquele pessoal mais jovem. Porque na verdade cada um tinha uma formação diferente, mas estavam todos a serviço de alguma coisa, de alguma coisa maior, que era o teatro e a peça. E que peça era Eles não usam Black-Tie, do Guarnieri! Então a gente tentava ser uma homogeneidade. Claro que eu aprendi muito com todos eles, com todos! (...) [Lélia] em cena era deslumbrante, uma mulher fantástica. Ela fazia uma cena, a última de Eles não usam Black-Tie, catando feijão, que era absolutamente antológica. (...) Tinha cenas maravilhosas na peça, eu me lembro de discussões entre pai e filho, quando o filho traía os operários... cenas maravilhosas. A cena que me ficou como a grande cena da peça, talvez porque fosse a cena final, era a da Lélia catando feijão.


Flávio Migliaccio – Aprendemos muito com duas pessoas: Lélia Abramo e Eugênio Kusnet. Essas duas figuras foram extraordinárias. A maior atriz e o maior ator que eu já vi. Era muito gostoso contracenar com eles porque tinham muita vida. Tudo que eles falavam vinha de uma maneira tão bonita, tão linda pra gente. Todas as respostas que eles davam em cena vinham de uma maneira extraordinária... sabe, é difícil esquecer, muito difícil esquecer essas duas figuras.

Guarnieri - Mais tarde, quando o diretor José Renato escolheu minha peça Eles Não Usam Black-Tie como a próxima encenação do Arena, fiquei contentíssimo e curioso com a sugestão dele de dar dois dos principais papéis a um grande ator - Eugênio Kusnet - e a uma atriz ainda desconhecida do grande público - Lélia Abramo.

Guarnieri e Lélia

Qualquer dúvida que pudéssemos ter sobre o acerto na distribuição dos papéis foi reparada logo nos primeiros ensaios, tal a adequação de ambos aos personagens. Lélia foi uma Romana magistral é um dos motivos que fizeram com que a peça alcançasse o êxito que alcançou. Sou grato a Lélia não só pela Romana que interpretou com um enorme conhecimento de vida, profundidade e amor, mas por sua postura diante da realidade, pelo seu espírito de luta, sua sede de justiça.

O elenco completo (o único ausente é Henrique César) da montagem original
de Eles não usam Black-Tie

A seguir, o link para download de três versões diferentes da música Nóis não usa os Blequetais, de Adoniran Barbosa e Guarnieri: a original de 1958 e a regravação de 1981, ambas de Adoniran, e a mais recente, de 1998, do Grupo Catavento, com a participação especialíssima do próprio Guarnieri nos vocais. No mesmo arquivo zipado está a trilha sonora instrumental do filme de Leon Hirzsman, com arranjos de Radamés Gnatalli e regência de Alceu Bochino para a melodia de Adoniran.

Divirtam-se.
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Quase todo o material gráfico disponibilizado neste post vem do site Teatro de Arena, criado por Bel Teixeira, que recomendo a todos vocês.

Um comentário:

  1. Obrigada Bernardo!! Muito obrigada mesmo!
    Material maravilhoso, inestimável, este que está postado aqui.
    Tudo de bom para você.
    Um grande abraço
    Roseli Coelho
    http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=14326442353478072541

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